Quando um livro se propõe a falar sobre crenças, especialmente em relação a aspectos religiosos e sobrenaturais, não é incomum que pensemos, à primeira vista, que se trata de uma obra de psicologia. Eu também pensei assim quando me interessei por esta obra. O autor provavelmente iria falar sobre as falhas e tendências naturais que nosso cérebro tem em ser enganado, ou melhor dizendo, convencido, da veracidade de alguma crença ou evidência. E como isso nubla nosso raciocínio. Obviamente, a obra iria abordar casos de supostos paranormais, visões religiosas, milagres, e seus efeitos sobre nosso comportamento. Quando começo a ler a obra, percebo que estava redondamente enganado. E não estou nem um pouco arrependido deste engano.
Esta com certeza é uma obra diferente. E talvez por isso eu tenha levado algum tempo para entender a proposta do autor. E novamente, o subtítulo desempenha um papel tão importante quanto o título chamativo e bem mais geral.
Diferente do que eu esperava, o autor Peter Lamond não está nem um pouco interessado no cérebro e nos mecanismos de processamento de informações. Sua abordagem é, podemos dizer assim, essencialmente histórica. A primeira parte do livro, uma grande introdução ao que ele pretende fazer, não está escrita num sentido que seja mais fácil do leitor entender. Eu mesmo precisei de um bom tempo para tentar enxergar suas intenções. Nem mesmo seu estilo ajuda muito neste primeiro momento. Parece um pouco mais confuso do que seria de se esperar de um livro voltado para o público geral, mas podemos dar um desconto em virtude da originalidade ou ineditismo de sua proposta. Lamond pretende fazer uma visão panorâmica sobre nossas crenças modernas no sobrenatural, mas não baseada em estudos científicos, e sim em reportagens e textos escritos na época. Então ele não penetra na essência causal das nossas crenças, e sim como nos comportamos, na época, através dos textos que escrevemos sobre o assunto. Sua análise vai ser sobre reportagens, relatos, testemunhos, e como tudo isso foi construído pelos defensores e detratores destes eventos extraordinários. E deduzir a partir daí como as pessoas pensavam na época, como seus raciocínios se desenvolviam sobre isso. É aqui que entra a parte psicológica do livro.
O autor vai se concentrar em três períodos distintos relacionados com crenças sobrenaturais na sociedade moderna: o mesmerismo, o espiritismo americano e europeu (ou espiritualismo moderno), e da parapsicologia. Acompanhando mesmeristas, médiuns e paranormais, escolhidos à dedo, Lamond começa sua jornada logo depois da introdução geral ao tema, citada anteriormente. E aqui o livro se torna muito, mas muito mais fácil de ler.
O conteúdo torna-se majoritariamente histórico, com poucas abordagens analíticas do que aconteceu. Lamond reconhece que, no período mesmerista e do espiritismo, o testemunho humano era supervalorizado. Se alguém observava um evento que considerava inexplicável, o poder do testemunho estava acima do que se sabia sobre a ciência na época, não importava o quanto estranha ou absurda fosse a opinião. E aqui quanto maior fosse o caráter da testemunha, mais confiável eram suas palavras.
O autor também nos faz perceber uma situação bastante singular: quando um mesmerista ou um paranormal falhava em suas demonstrações, a interpretação, dependendo da crença de quem testemunhava, poderia ser usada tanto para reforçar a inexistência do fenômeno, quanto para confirmá-la! Enquanto os detratores diziam que isso provava que o fenômeno não existia, os apoiadores diziam que a falha era porque as energias ou forças oscilavam, e justamente por causa dessa propriedade de oscilação, o fenômeno era real. Se não existisse, provavelmente o médium ou mesmerista iria ensaiar uma fraude. Como ele não fez, então deve ser real. E tendo lido um pouco deste período (tenho um interesse particular no assunto), percebo que ele está certo em sua conjectura.
No período parapsicológico as mesmas defesas e ataques se mantém. A única diferença é que há uma avalanche de desmascaramentos de médiuns, e com eles a reputação de que se houve realmente alguma verdade nisso tudo. Em uma nova abordagem, o fenômeno paranormal é levado para uma arena bem menos favorável, que é o laboratório. Neste caso, ao invés de sentar e aguardar que os fenômenos ocorram, os cientistas desenham experimentos para avaliar se o fenômeno paranormal realmente existe. E a obra se limita a alguns poucos exemplos, que não deixam de ser questionados quanto a sua validade, em função de falhas metodológicas ou estatísticas dos cientistas envolvidos.
Ficamos na espera de que o autor dê, em algum momento, um veredicto sobre a realidade dos fenômenos. Só que este não é seu objetivo. Como ele disse antes, é uma visão histórica de um problema psicológico, e não uma obra para falar de autenticidade dos fenômenos. E ele tanto sabe do comportamento de seus leitores que encerra o livro justamente enfatizando este problema.
Publicado pela Editora Unesp, o livro tem pouco mais de 400 páginas, com letras um pouco finas demais, dando a impressão de que o livro foi mal impresso. Sobre meu exemplar, devo destacar uma coisa: o comprei por um preço bem barato na Estante Virtual, mas não prestei atenção nos detalhes da descrição do produto. Quando o recebo, o valor bem abaixo do mercado se deu pelos defeitos que o mesmo apresentava: capa rasgada e muitas folhas coladas nas extremidades. Precisei ir "rasgando" algumas para continuar a ler. Mesmo assim, é uma obra corajosa, que apesar de demorar para engrenar, nos dá uma visão original de como percebemos fenômenos paranormais.
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