Mais um livro cujo subtítulo termina por fazer você decidir entre comprar e não comprar a obra. Demorou um pouco para eu entender a razão da escolha do título propriamente dito. E foi brilhante. Comparar a população humana (ou qualquer outra que seja) a uma maré é de uma sensibilidade quase poética. A maré aumenta e diminui ao sabor de influências externas, como a lua, e afeta tudo ao seu redor, ajustando-se às irregularidades da costa a qual banha. E populações se comportam justamente desta maneira. Agora, o que temos a saber de populações humanas?
O livro começa destacando constatações importantes para o entendimento da obra, como um todo. Muito do que temos de dados sobre as populações humanas são muito, muito recentes. O conceito de censo ou levantamentos populacionais nos países não tem mais do que uns duzentos anos, e o autor nos adverte justamente para nos avisar de que descrever essas movimentações humanas ocorridas há séculos atrás é um esforço muito mais especulativo (mesmo que baseado em certas evidências) e menos preciso do que no mundo moderno. E neste sentido, ele evita entrar nos detalhes. Portanto, não espere um mapa continental sobre as movimentações humanas a cada século, desde o surgimento da nossa espécie.
Não obstante, o trunfo do autor é sua capacidade de identificar os principais fatores que foram responsáveis pelos crescimentos, decaimentos e movimentações de massas na história. Impérios que aumentaram sua população com escravização de outros povos, o esfacelamento de territórios e países através de invasões bárbaras, ou mesmo a natureza característica dos próprios povos, em se reproduzir mais do que outros. E mesmo constatações recentes não passam despercebidas, como o poderoso efeito da educação. Paul Morland é taxativo quando afirma que o acesso à educação é um importante freio no crescimento populacional, ao mesmo tempo que é um elemento fundamental no aumento da qualidade de vida individual. Um fenômeno tão recente quanto transformador.
O autor desliza bem nos assuntos, e nos premia com explicações razoáveis sobre situações históricas da aventura humana no mundo. Por exemplo, como a razão do sucesso das colonizações do Império Britânico tenha sido devido, entre outras coisas, ao seu envio continuado de cidadãos para as colônias recém conquistadas, substituindo em muito as populações nativas. Isso só foi possível porque a própria população britânica foi capaz de sustentar essas emigrações, devido à sua alta taxa de natalidade. E como esse efeito não funcionou com outros países procurando colonizar os territórios africanos. Como o poderio de um país, durante muito tempo, se deveu à capacidade reprodutiva da população, gerando massa de pessoas para sustentar um exército e combater nos fronts de batalha. Ou como líderes políticos abusaram de estratégias erradas para estabilizar uma nação, resultando na morte infundada de milhões de pessoas, como os exemplos grotescos da China sob o domínio de Mao e da União Soviética, sob a mão de ferro de um Stalin paranóico.
Enquanto que o primeiro terço da obra se concentra em aspectos gerais da população, o restante do livro é muito mais concentrado no mundo recente. Destaque é dado para as grandes navegações da Europa, que redesenhou o perfil das populações no planeta, bem como o tráfico de escravos que veio logo em seguida. Depois, o livro se divide de acordo com os continentes, aproveitando a existência de farta quantidade de dados disponíveis e compiladas, em grande parte, por órgãos internacionais, como a ONU e a UNESCO. A sensação é estranha. Como se estivéssemos assistindo uma partida de futebol acompanhada por um narrador relapso e relaxado, que muda nos últimos quinze minutos da partida, por um narrador ágil e versátil. Não tenho como culpá-lo, uma vez que os dados recentes são fartos, em comparação com o que existe antes disso.
Apesar da narrativa fluir bem em boa parte do livro, o leitor desavisado pode se perder em algumas armadilhas. O autor, ao tratar de flutuações populacionais, migrações e outras movimentações parecidas, é obrigado a recorrer à expressões quantitativas. E isso não funciona bem quando formas diferentes de quantificar são colocadas juntas. Por exemplo, há muitas sentenças expressas da seguinte maneira: "1/3 da população de meio milhão de pessoas passou a ter 1,3 filhos por casal, por ano, no último quarto de século". Juntar frações, números inteiros e médias em uma mesma sentença geralmente torna o texto muito confuso para quem não é familiarizado em reconhecer quantidades. E posso garantir que a maioria das pessoas que vão se interessar por este livro não é assim. E infelizmente, essas expressões reinam em mais da metade do livro. Mais do que eu gostaria. Confesso que muitas vezes, perdia o estímulo em continuar lendo, de tanto que precisava enfrentar essas construções.
A obra de Morland foi publicada pela Zahar, e apresenta folhas foscas, amareladas e boas para ler. O volume é confortável para levar numa mochila ou numa bolsa, mas devido ao fato dele ter variações na fluidez do texto, é muito fácil se distrair da narrativa caso você decida fazer a leitura em um ambiente como um parque ou uma cafeteria. Não obstante, é suficientemente informativo e vai lhe ajudar a entender um pouco melhor sobre as subidas e descidas da maré humana. Mesmo que muita coisa não seja retida, a parte principal da história não vai ser esquecida.
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