Esse foi o primeiro volume sobre
ciência que eu li no Kindle. E não é por falta de opções. Ainda tenho uma boa
pilha de livros para ler e resenhar, todos aguardando seu tempo. Mas não posso
deixar de mencionar essa obra fascinante sobre um cientista tão pouco
conhecido, e isso ainda em 2022.
Mário Lívio não é um novato no
ramo da escrita de textos com cunho científico. Já carrega sobre os ombros uma
boa experiência de obras anteriores, e abraçou um flanco ainda pouco explorado
entre os autores de ciência, que é a própria história da ciência e seus
personagens. Impossível falar de Galileu sem mencionar suas realizações e como seus
livros impactaram a sociedade na época. E o alto preço que ele pagou por causa
disso.
Em muitos textos que já li,
atribuem com frequência Galileu como uma das principais figuras na construção
da ciência moderna. Uma ciência muito experimental e regada com observações
sutis sobre o mundo. Podemos dizer que isso tem uma boa dose de verdade. Mesmo
que as bases desse experimentalismo de Galileu não tenham sido resultado de uma
reflexão teórica, mas sim por causa das características peculiares da área na
qual ele se destacou bastante: o uso de telescópios e a observação dos astros.
E foi justamente dentro deste contexto que ele vira o grande divisor de águas.
Uma característica do livro é seu
viés profundamente histórico. É de se esperar que, pelo subtítulo, você
imaginaria a princípio uma boa reflexão sobre como cientistas encaram os detratores
da ciência, com base na experiência do próprio Galileu. Mas não espere isso. As
poucas menções a respeito são muito limitadas, justamente porque o foco de Lívio
é apresentar ao leitor uma visão de quem foi Galileu e o drama que foi sua
vida. É um livro biográfico, que por sinal é muito bem vindo.
No texto, Lívio trás um Galileu
mais humano, com seus problemas pessoais e seus dramas familiares. E é nesse
toque pessoal que a obra procura trazer o cientista ao terreno dos “mortais”,
saindo de um pedestal que muitos ainda enxergam estar sob os pés de todo grande
homem de ciências. Aliás, é um momento muito oportuno para mostrar que
cientistas são iguais a qualquer um, sendo felizes ou tristes na sua vida
pessoal. E Galileu teve sim seus motivos para rir e para chorar.
Um mérito de Lívio é justamente
como ele consegue desenhar a evolução do pensamento de Galileu a cada
observação astronômica. Por exemplo, imagino que somente uma mente bem sagaz poderia
enxergar que as mudanças de formas de diversas “manchas escuras” sobre a Lua
seriam na verdade as mudanças esperadas nas sombras das montanhas e crateras,
que mudam à medida que a Lua se movimente em relação ao Sol, do mesmo jeito que
acontece na Terra. E sim, essa observação fez uma grande diferença: agora a Lua
passava a ter o mesmo status de planeta, com a geografia seguindo as mesmas regras
observadas aqui no nosso planetinha azul. Se a Terra e a Lua não eram tão
diferentes, será que os outros planetas também não? E vemos Galileu aprimorando
o telescópio para enxergar cada vez mais longe (literalmente). Embora essa
evolução da tecnologia do telescópio esteja casada com observações cada vez
mais precisas, não dá pra ignorar que o mérito de Galileu foi basicamente interpretativo.
Ele enxergou melhor o que estava observando, mesmo que tenha levado uma
baita surra dos anéis de Saturno.
Dois pontos precisam ser
destacados na obra. O primeiro é que Galileu também foi apontado como um
popularizador da ciência. Uma de suas obras principais foi escrita na forma de
diálogos (um estilo atraente mas muito pouco usual, na época, para uma obra
científica), e em italiano, para ser entendida pelo público não especialista. E
talvez tenha sido essa sua vontade de partilhar seus achados para os italianos
como um todo que tenha levantado a ira da Igreja para sua pessoa, o que
configura justamente o segundo ponto de destaque da obra.
O martírio de Galileu com a
Igreja institucional é bem explorado e bastante detalhado. E como não podia ser
diferente, Lívio faz questão de trazer essa história. Desconfianças, fofocas,
traições, tudo parece ter acontecido com o desafortunado astrônomo italiano. E
no final, ele se viu confrontado, já com idade avançada (eu não sabia disso!)
com a escolha de renegar tudo ou a possibilidade bem real de ser torturado. E
para um homem já idoso e doente, passar pelo ferro em brasa não é uma experiência
muito convidativa. E você já sabe o que aconteceu.
Essa é a primeira obra de Lívio
que eu leio. É um estilo atraente e com uma dinâmica própria, sem atropelos, e
sem muitos floreios. Talvez ele se empolgue mais em uns detalhes aqui e ali, que
o leitor não partilhe do mesmo entusiasmo, mas isso em nada desabona a obra. Lívio
é um bom autor de informações científicas e seus livros merecem passar pelos
seus olhos.
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