Procurar compreender como nos
comportamos e como é a psicologia por trás de nossas decisões parece ter sido
sempre um prato cheio para abordagens filosóficas. E a nova safra de escritores
sobre o assunto no geral não tem desapontado. Este é um exemplo de que livros
sobre filosofia não precisam ser necessariamente chatos e entediantes. Indo
além de um texto que costuma ter uma enorme digressão quase intencional de
aumentar demasiadamente o volume para lhe dar uma falsa impressão de
imponência, alguns filósofos atuais parecem ter se cansado de apresentar um
texto meramente reflexivo. E é este o caminho que Joshua Greene está trilhando.
Além de Filósofo, Greene tem um
bom arsenal científico, como psicólogo experimental e neurocientista. A
diferença que esta formação faz é que seu livro tem um sólido referencial
bibliográfico, não centrado em escritos de outros filósofos ou teses puramente
teóricas, mas na forma de uma bibliografia recheada de artigos científicos e
capítulos de livros especializados. Sua abordagem não se limita a uma simples
visão pessoal ou personalista do mundo, mas recorre a uma série de experimentos
psicológicos que dão força às suas argumentações. Neste cenário, a narrativa do
livro não deixa a desejar.
O título não foi muito feliz, eu
reconheço. Apesar de ter sido uma tradução quase literal (na verdade, ainda
pior) do que seu original inglês (que também não é uma maravilha), ele só faz
mais sentido quando você começa a leitura da obra. Parece mais uma tentativa de
atrair o leitor com base na estranheza da proposta, apostando que alguém vai se
interessar pelo volume para tentar entender o que o autor quer dizer. Na capa
posterior, o texto é mais agradável e captura o leitor mais interessado em
ciência: Darwin, seleção natural e moralidade humana. Confiar neste pequeno
texto é o cheque-mate, quase obrigando o leitor a comprar o livro. Na verdade,
foi assim que eu o adquiri. E o que Joshua Greene tem a nos contar?
Para "amaciar" o texto,
o autor nos apresenta a uma situação hipotética de tribos. Cada uma com suas
características, apresentados de uma forma que seja fácil de reconhecer que
elas são exemplos baseados em grupos ou comunidades reais. Cada uma com sua
própria moral, onde alguns são mais caridosos, outros são mais personalistas,
outros são um meio termo, outros são mais autoritários, etc. E com isto em
mente, fica mais fácil de entender que muitos de nossos conflitos existem com
base numa noção instintiva de que pertencemos a grupos, ou "tribos" diferentes,
como as que foram colocadas no livro. E como nossos desejos ou interpretações
de mundo são baseados nestes grupos, em diferentes níveis, com algum grau de
concordância e discordância. E para exemplificar isso, o autor recorre aos
republicanos e democratas, os partidos políticos dos EUA. Suas citações são
muito elucidativas a respeito de como estes dois grupos enxergam a maneira como
país deve ser conduzido.
Logo em seguida, vamos para a
gênese deste comportamento. Boa parte da obra é um grande ensaio sobre nossas
decisões, sobre as bases e construção de nossa moralidade, com a seleção de uma
série de curiosos experimentos morais que nos fazem pensar. E alguns são excelentes
mesmo. O exemplo do bonde é um de meus favoritos (utilizo nas minhas aulas,
quando vou abordar sobre a ética na ciência, para mostrar que nosso
comprometimento direto sobre um dilema pode confundir nossa percepção de certo
e errado). E a partir destes experimentos, Greene salienta seu viés
neurocientífico, abordando aspectos da mente e do cérebro, para tentar nos
mostrar o que se tem até o momento sobre uma abordagem objetiva a respeito de
nossas percepções, e como isso culmina na nossa moralidade.
É curioso como o autor parece
mudar de personalidade ao longo do texto. De uma abordagem mais científica,
agora entramos no seu "eu" filosófico, com uma extensa defesa do
utilitarismo, do qual ele é um defensor confesso. Mesmo que ele tenha uma boa
escrita, e consiga trabalhar o texto com certa graça, o assunto parece se
estender mais do que merece. Mas depois ele retorna para concluir a obra,
voltando a enfatizar sobre as bases biológicas de nosso relacionamentos
sociais, e como elas deram origem a nossa visão moral.
Publicado pela Editora Record, o
livro é feito de folhas amareladas e grosseiras, que dá a impressão de que o
volume de quase quinhentas páginas é maior do que parece. Sua escrita é suave
e, na parte filosófica, me surpreendeu por recorrer a um linguajar bem mais
acessível e pouco rebuscado. Mesmo que ele precise de repetir para manter na
mente do leitor uma linha específica de raciocínio, e ele mesmo reconhece isso,
esta forma de apresentação de suas ideias é muito mais digerível do que autores
clássicos de filosofia. Só por isso, Greene sai na dianteira com se livro. Você
vai terminar a obra com um bom entendimento sobre como nossos sentimentos sobre
o mundo são o resultado de seleção natural e de grupo (sua proposta para
entender o dilema do bonde é fascinante), e com uma sensação diferente de que
nem todas as dúvidas foram respondidas.
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