Há algum tempo atrás, eu postei
aqui no blog sobre o preço dos livros de ciência, e como isso poderia impactar
a principal função social da divulgação científica, que é atingir a todas as
esferas da sociedade. Mas o principal entrave é justamente o custo da produção
de um livro de qualidade (link para o texto AQUI). E neste mesmo texto, comentei muito rapidamente sobre
nosso viés de achar que estamos lendo menos, o que não é verdade. Tinha pensado
inclusive em discorrer mais sobre o assunto, mas percebi que iria desvirtuar do
tema central daquela publicação. Agora, entendo que o assunto merece um artigo
por si mesmo.
Eu tinha pensado no tema e depois
me esquecido dele quase que completamente. Então comecei a ler o livro O Mundo
da Escrita (resenha AQUI), e me deparei com o tema novamente. Entendi, pela
primeira vez, qual foi o grande impacto que a disseminação e popularização do
alfabetismo teve na sociedade. E pode acreditar, não foi nada modesto. Talvez
seja difícil imaginar como deve ter sido viver em um país onde ninguém sabia
ler, com exceção do clero e de alguns aristocratas. Sequer consigo imaginar viver
em um mundo hoje onde não hajam conjuntos de letras que, juntas, formem uma palavra
inteligível. Meio que ao mesmo tempo, a popularização do alfabetismo surge com
a popularização dos textos escritos, graças à imprensa de Gutemberg e o baixo
custo do papel. Desde então, o número de pessoas que sejam capazes de ler
aumentou notavelmente ao longo dos séculos. E agora vivemos em um mundo onde o
analfabetismo é a exceção, e não a regra.
A internet só intensificou a
coisa. Textos na forma de blogs, artigos, resenhas, comentários, artes e
autores anônimos surgiram aos milhares em todas as partes do mundo, ao mesmo
tempo, e praticamente acessíveis a todos que tenham um computador ou um
celular. As redes sociais não escaparam, e é um intenso trânsito de informações
escritas enviadas para todos os lados. Até mesmo o Twitter apostou na limitação
do número de caracteres acreditando que informações reduzidas seriam bem mais
populares. Mas a criatividade dos usuários ultrapassa as imposições que limitam
o número de palavras. Se é pra passar mensagem, que seja na quantidade que
achar necessário: e segue o fio!
Você lê constantemente, o tempo
todo. Tudo escrito. Ora e meia um áudio aqui e ali, mas nada substitui
verdadeiramente a expressão textual, discreta, informativa. Até imagens
precisaram ser carregadas de um texto com significado. Os memes são a prova
viva disso. Não tem hoje como viver sem textos. E por isso, eu afirmo
categoricamente que estamos lendo mais, muito mais.
Agora vem o outro lado da moeda...
Nossas leituras se tornaram superficiais
e pouco úteis. Nossas motivações para ler com mais profundidade de forma a
entender melhor alguma coisa estão perdendo terreno para uma súbita tendência
que temos em não prestar atenção em algo que não seja continuamente atraente. E
isso não tem nada de positivo. Como havia dito antes, no meu outro texto, quando
falamos que nossa sociedade está lendo menos nos referimos explicitamente a livros.
Ainda fazemos avaliações de frequência de leitura baseado em um ponto de vista
de que sua fonte é o livro (quantos livros você leu neste ano?) e isso
subestima nosso cotidiano diário na qual há sempre alguma coisa que precisa ser
lida, em algum lugar.
Estamos perdendo o hábito salutar
de dedicar algumas horas para ler um livro. Uma leitura compassada e pensada,
refletida, tem o poder de mudar pessoas. Estimular o raciocínio, alimentar
nosso cérebro de informações úteis, ponderadas, nos tornar mais críticos, e
mais equilibrados. Ou pode nos fazer relaxar, navegando por todos os gêneros,
dos romances aos mistérios policiais ou o terror. Mas não é isso que está acontecendo.
Senti esse problema durante a
pandemia. Em um determinado momento, não consegui reforçar meu estímulo para
minhas leituras habituais. Fui aos poucos escanteando meus livros e, como consequência,
intensificando minha atenção para notícias gerais, fofocas, temas políticos, e
tudo o que ainda tem nos conturbado. Percebi então que estava me tornando cada
vez menos racional e bem mais passional quando parava em alguma informação que
alimentava minhas convicções. E lendo-as, me tornava ainda menos crítico, e
mais intempestivo. Cheguei a desenvolver ansiedade por causa dessas notícias. Felizmente,
consegui perceber isso. E tenho retornado gradativamente a uma leitura mais
saudável e bem mais acolhedora.
Nós estamos lendo mais, mas não
estamos lendo bem.
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