Você já parou para observar que
quase todo mundo tem alguma opinião sobre qualquer assunto? Se ainda não fez
essa observação, indague a si mesmo: existe alguma pergunta relacionada a
qualquer tema que você simplesmente responderia: "eu não sei e nunca pensei
a respeito disso". Essa é uma questão que não estamos acostumados a lidar,
mas que na verdade mascara nossa tendência humana de sempre ter alguma opinião
sobre algum assunto. Se ainda duvida disso, só observar pesquisas eleitorais.
Diante dos candidatos, o número de pessoas que tendem a responder que não sabem
em quem votaria limita-se a míseros 3% ou no máximo 5%. Acredite ou não, nós
temos quase sempre uma opinião formada sobre boa parte dos assuntos que podemos
abordar em nossa vida. Mas isso não quer dizer que nossas opiniões
necessariamente estão condizentes com a realidade. É disso que se trata o
livro.
Depois que comecei a ler a obra,
tive uma sensação estranha de que já tinha me deparado com algo parecido. O
autor é Hans Rosling, um médico e estatístico que criou uma fundação voltada
para o desenvolvimento de uma forma de representação gráfica de dados que facilite
sua interpretação e correto entendimento para a maioria das pessoas. Depois
disso, descobri de onde achava tão familiar este assunto: Hans Rosling realizou
algumas memoráveis palestras TED utilizando seus animados gráficos circulares,
que eu havia assistido há alguns anos atrás. Com uma grata surpresa descubro
depois que essa informação estava contida no livro. E falando nele, o que se
esconde em suas páginas?
O autor começa a obra com uma
história de suas salas de aula, na Suécia. Indaga seu alunos sobre suas
opiniões a respeito de questões gerais do mundo, como a distribuição da fome,
índices de violência, educação de meninas e mulheres, e coisas do gênero. Neste
ponto, ele utiliza as respostas para nos esclarecer que a visão partilhada por
quase todos eles (e não se surpreenda se você também partilhar delas) está
fundamentalmente errada. Diante disso, ele mesmo se encontra enfrentando um
enigma peculiar: como é que as pessoas podem ter uma opinião geral tão distante
do que os dados claramente mostram hoje em dia? Devo dizer que seu questionário
de 13 perguntas é simplesmente fabuloso. A forma didática como ele nos convida
a responder este questionário faz parte da cereja do bolo, que é lançada logo
nas primeiras páginas do livro. Recomendo que você o responda, e só olhe para o
gabarito depois de ter feito tudo. Aqui infelizmente as respostas estão logo
depois da última pergunta. Mas se puder conter sua curiosidade e se permitir
resolver as questões, o impacto do livro vai ser diferente.
Rosling aplicou seu questionário
em dezenas de países, e observou com espanto que praticamente todo mundo errava
de forma notável. As pessoas se dariam melhor no questionário se ele fosse
respondido de forma aleatória! A que se deve essa estranha e disseminada falta
de informação global que acomete dezenas de países ao redor do mundo? É esta a
razão de fazer o livro. As perguntas do questionário compõem o roteiro da obra,
porque em cada uma delas o autor vai nos mostrar nossa tendência inconsciente
de enxergar as coisas por um viés distante do que seria esperado, se
prestássemos mais atenção às evidências. E não é por falta de acesso: todos os
dados existem e são de fácil consulta, em órgãos como o Banco Mundial e a ONU.
Mas mesmo assim, nosso viéses cognitivos insistem em nos deixar na obscuridade.
Racionalizar sobre estas informações e aprender a reconhecer nossos viéses de
forma a prestarmos mais atenção aos dados é o que ele chama de informações como
uma forma de terapia. Cada capítulo é centrado nos instintos que nos fazem
enxergar erroneamente muitos aspectos do mundo atual, o que não são poucos. Só
para citar alguns: instinto da negatividade (a massiva exposição à notícias
ruins, bem como nosso interesse por elas, nos faz acreditar que o cenário geral
é pior do que na verdade ele é), de culpar (se algo acontece de bom ou de ruim,
alguém precisa ser responsabilizado, o que superestima a importância de certas
coisas e pessoas no cenário geral), de linha reta (quando temos o impulso de
assumir que as coisas pioram ou melhoram, aumentam ou diminuem, e quase nunca
prestamos atenção de que elas na verdade oscilam), entre outros. E a cada final
de capítulo, há um resumo geral da ideia que ele passa, bem como sugestões de
evitar que nos deixemos levar por estes instintos.
Intercalando textos explicativos,
muitos gráficos (pranchetas coloridas no final da obra) e suas histórias
pessoais (algumas engraçadas, outras perturbadoras) o livro tem uma escrita
muito suave e agradável, com boa informalidade. Foi feito palavra por palavra
pensando na melhor maneira que as pessoas poderiam entender seu conteúdo, e
devo dizer que é uma das poucas obras que alcançam sucesso nisso. São 350
páginas cativantes que voam pelos olhos. Confesso que o li em tempo recorde
para meu próprio padrão. A narrativa é instigante e o assunto extremamente
atual em tempos de fake news. E
finaliza com um epílogo emocionante de uma página e meia, contando os dias
finais do autor e seu esforço em finalizar sua obra, pouco antes de falecer de
um câncer no pâncreas, altamente agressivo e incurável.
Pulbicado pela Record, o livro tem
um bom tamanho, com tipografia suave e folhas amareladas e opacas. É
confortável para ler em uma tarde de descanso, sentado na cadeira, deitado na
cama, no sofá ou na rede. Digamos que ele é duplamente útil em tempos de
quarentena: além de ser uma leitura agradável, é bem informativo e nos ajuda a
enxergar melhor num mundo inundado de notícias ruins.