sexta-feira, 17 de julho de 2020

O que você precisa saber sobre ciência para não passar vergonha



Enfim, meu primeiro livro!

Foi interessante receber o convite de meu colega Ulysses Paulino de Albuquerque, logo após o início da pandemia, para enfrentar este desafio. Desde tempos sentimos afinidade no assunto de popularizar ciência. E depois de tantas resenhas de livros, esta se mostrou uma oportunidade de ouro para começar a trabalhar neste sentido.

Seria estranho utilizar meu próprio espaço para resenhar um livro de minha coautoria. Obviamente vou sair da minha objetividade e ceder a um viés favorável a mim mesmo. E como ainda é uma obra bastante recente, não deu tempo de haver resenhas disponíveis. Mas para divulgar este trabalho, e ao mesmo tempo manter a coerência de um blog de resenhas de livros, optei por uma decisão que me parece bem balanceada no momento: vou publicar o prefácio do livro.

O autor das palavras a seguir é Carlos Orsi. Ele é um jornalista científico, que atualmente é editor-chefe da Revista Questão de Ciência, do Instituto Questão de Ciência (IQC), criado com o objetivo de promover o pensamento científico e valorização da ciência, em especial na tomada de decisão de gestores públicos, e combater pseudociências e posicionamentos anticientíficos na sociedade. Orsi também é autor de livros de divulgação científica, como a obra Pura Picaretagem, resenhada aqui no blog, e mais recentemente o livro Ciência no Cotidiano, em parceria com Natália Pastenak, a atual presidente do IQC. Agradecemos profundamente por ele se dispor a ler nossa obra e prefaciar, em um texto sucinto e ao mesmo tempo repleto com o espírito que tivemos no nosso texto.

Espero que as palavras de Orsi possam lhe dar uma visão positiva do livro, que escrevemos com o intuito de valorizar a ciência procurando mostrar como ela é construída. Boa leitura!

A incompreensão da ciência custa vidas. Esta talvez seja a lição mais evidentre da tragédia global – e, de modo agudo, nacional – da COVID-19. E o que mata e destrói não é só a incompreensão do que a ciência diz, mas principalmente a ignorância de como e por que a ciência diz o que diz. Numa sociedade permeada por “fake news”, nenhum apelo à palavra-chave “científico” está acima de suspeita. Identificar impostores e maus-entendidos nunca foi tão crucial.

Na literatura de divulgação científica, obras que se propõem a mostrar a lógica por trás da ciência e desfazer concepções populares – erradas – sobre como as coisas são e funcionam ainda representam uma minoria, embora tenham uma tradição longa e respeitada: a obra comumente considerada o primeiro “livro de divulgação científica” da Europa, publicado na Inglaterra no século XVII, tinha como subtítulo “Investigações de Verdades Comumente Presumidas”, e se propunha a esclarecer superstições como a de que o sangue de um cordeiro amolece diamantes, ou de que a raiz de madrágora grita ao ser arrancada do solo.

Com o passar dos séculos, no entanto, essa tradição pioneira de confronto direto com a ignorância perdeu força, e as seções de popularização da ciência das bibliotecas foram se enchendo de livros sobre foguetes, galáxias, lagartos e borboletas. Todos temas fascinantes – tenho vários livros sobre cada um desses assuntos, aqui em casa – mas o desequilíbrio entre os títulos de “ciência maravilhosa” e os do que eu chamaria de “ciência crítica” acabou tornando-se grande demais, um perigo para a saúde moral, intelectual – e, como esatmos vendo, literal – da sociedade.

No Brasil, em particular, a lacuna é imensa. Felizmente, nos últimos anos, começaram a surgir cada vez mais obras de autores nacionais dispostos a preenchê-la. O livro que você tem em mãos é um mais um passo importante nessa direção. “O que você precisa saber sobre ciência para não passar vergonha” exp    õe alguns de nossos vícios cognitivos mais flagrantes, explica por que a ciência é tão “chata” – isto é, rigorosa – e ainda ofecere uma vista panorâmica do primeiro grande vexame científico-político do Brasil neste século, a saga da “fosfoetanolamina sintética”, e seu sucessor (maior, mais forte, mais letal) a cloroquina em tempos de pandemia.

A Universidade McGill, no Canadá, tem um Departamento de Ciência e Sociedade cujo lema é “separating sense from nonsense”, algo que em português poderia ser traduzido como “separando a razão da bobagem”. No Brasil, muitos comunicadores de ciência ainda relutam diante de uma missão dessas – não seria arrogantre? Presunçoso? Quem somo nós para separar “razão” de “bobagem”?

Esta é uma daquelas perguntas que merecem ser respondidas por outra: se não vocês – nós – então quem? Se não agora, quando?

Ulysses Paulino de Albuquerque e Wendel Pontes não são recém-chegados na área, muito pelo contrário, mas este livro não só consolida muito do trabalho anterior de ambos, como avança em questões fundamentais da atualidade. Lê-lo é um prazer e, também, um chamado. Que muitos o ouçam.

 

Carlos Orsi é editor-chefe da Revista Questão de Ciência e autor das obras de divulgação científica Livro dos Milagres, Pura Picaretagem, Livro da Astrologia e Ciência no Cotidiano.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Crenças Extraordinárias - uma abordagem histórica de um problema psicólogico



Quando um livro se propõe a falar sobre crenças, especialmente em relação a aspectos religiosos e sobrenaturais, não é incomum que pensemos, à primeira vista, que se trata de uma obra de psicologia. Eu também pensei assim quando me interessei por esta obra. O autor provavelmente iria falar sobre as falhas e tendências naturais que nosso cérebro tem em ser enganado, ou melhor dizendo, convencido, da veracidade de alguma crença ou evidência. E como isso nubla nosso raciocínio. Obviamente, a obra iria abordar casos de supostos paranormais, visões religiosas, milagres, e seus efeitos sobre nosso comportamento. Quando começo a ler a obra, percebo que estava redondamente enganado. E não estou nem um pouco arrependido deste engano.

Esta com certeza é uma obra diferente. E talvez por isso eu tenha levado algum tempo para entender a proposta do autor. E novamente, o subtítulo desempenha um papel tão importante quanto o título chamativo e bem mais geral.

Diferente do que eu esperava, o autor Peter Lamond não está nem um pouco interessado no cérebro e nos mecanismos de processamento de informações. Sua abordagem é, podemos dizer assim, essencialmente histórica. A primeira parte do livro, uma grande introdução ao que ele pretende fazer, não está escrita num sentido que seja mais fácil do leitor entender. Eu mesmo precisei de um bom tempo para tentar enxergar suas intenções. Nem mesmo seu estilo ajuda muito neste primeiro momento. Parece um pouco mais confuso do que seria de se esperar de um livro voltado para o público geral, mas podemos dar um desconto em virtude da originalidade ou ineditismo de sua proposta. Lamond pretende fazer uma visão panorâmica sobre nossas crenças modernas no sobrenatural, mas não baseada em estudos científicos, e sim em reportagens e textos escritos na época. Então ele não penetra na essência causal das nossas crenças, e sim como nos comportamos, na época, através dos textos que escrevemos sobre o assunto. Sua análise vai ser sobre reportagens, relatos, testemunhos, e como tudo isso foi construído pelos defensores e detratores destes eventos extraordinários. E deduzir a partir daí como as pessoas pensavam na época, como seus raciocínios se desenvolviam sobre isso. É aqui que entra a parte psicológica do livro.

O autor vai se concentrar em três períodos distintos relacionados com crenças sobrenaturais na sociedade moderna: o mesmerismo, o espiritismo americano e europeu (ou espiritualismo moderno), e da parapsicologia. Acompanhando mesmeristas, médiuns e paranormais, escolhidos à dedo, Lamond começa sua jornada logo depois da introdução geral ao tema, citada anteriormente. E aqui o livro se torna muito, mas muito mais fácil de ler.

O conteúdo torna-se majoritariamente histórico, com poucas abordagens analíticas do que aconteceu. Lamond reconhece que, no período mesmerista e do espiritismo, o testemunho humano era supervalorizado. Se alguém observava um evento que considerava inexplicável, o poder do testemunho estava acima do que se sabia sobre a ciência na época, não importava o quanto estranha ou absurda fosse a opinião. E aqui quanto maior fosse o caráter da testemunha, mais confiável eram suas palavras.

O autor também nos faz perceber uma situação bastante singular: quando um mesmerista ou um paranormal falhava em suas demonstrações, a interpretação, dependendo da crença de quem testemunhava, poderia ser usada tanto para reforçar a inexistência do fenômeno, quanto para confirmá-la! Enquanto os detratores diziam que isso provava que o fenômeno não existia, os apoiadores diziam que a falha era porque as energias ou forças oscilavam, e justamente por causa dessa propriedade de oscilação, o fenômeno era real. Se não existisse, provavelmente o médium ou mesmerista iria ensaiar uma fraude. Como ele não fez, então deve ser real. E tendo lido um pouco deste período (tenho um interesse particular no assunto), percebo que ele está certo em sua conjectura.

No período parapsicológico as mesmas defesas e ataques se mantém. A única diferença é que há uma avalanche de desmascaramentos de médiuns, e com eles a reputação de que se houve realmente alguma verdade nisso tudo. Em uma nova abordagem, o fenômeno paranormal é levado para uma arena bem menos favorável, que é o laboratório. Neste caso, ao invés de sentar e aguardar que os fenômenos ocorram, os cientistas desenham experimentos para avaliar se o fenômeno paranormal realmente existe. E a obra se limita a alguns poucos exemplos, que não deixam de ser questionados quanto a sua validade, em função de falhas metodológicas ou estatísticas dos cientistas envolvidos.

Ficamos na espera de que o autor dê, em algum momento, um veredicto sobre a realidade dos fenômenos. Só que este não é seu objetivo. Como ele disse antes, é uma visão histórica de um problema psicológico, e não uma obra para falar de autenticidade dos fenômenos. E ele tanto sabe do comportamento de seus leitores que encerra o livro justamente enfatizando este problema.

Publicado pela Editora Unesp, o livro tem pouco mais de 400 páginas, com letras um pouco finas demais, dando a impressão de que o livro foi mal impresso. Sobre meu exemplar, devo destacar uma coisa: o comprei por um preço bem barato na Estante Virtual, mas não prestei atenção nos detalhes da descrição do produto. Quando o recebo, o valor bem abaixo do mercado se deu pelos defeitos que o mesmo apresentava: capa rasgada e muitas folhas coladas nas extremidades. Precisei ir "rasgando" algumas para continuar a ler. Mesmo assim, é uma obra corajosa, que apesar de demorar para engrenar, nos dá uma visão original de como percebemos fenômenos paranormais.

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Einstein - uma biografia



Biografias são interessantes. Elas nos ajudam a enxergar, na maioria das vezes, o homem por trás do mito. E isso ajuda a humanizar um pouco os dilemas, aventuras e desventuras pelas quais todos nós passamos. No fundo, ninguém é tão especial ou diferenciado que por si só fique muito distante de todos nós. Especialmente se o biógrafo decide focar especialmente nas relações sociais e na personalidade íntima do biografado, mais ainda do que suas contribuições. E é isso que torna a obra de Jürgen Neffe bem diferente de seus correlatos.

Não tenho dúvidas que ele é o cientista mais biografado da história. Todo mundo conhece o físico alemão Albert Einstein e sua teoria revolucionária da relatividade geral e espacial, que mudou a forma como enxergamos o mundo, e em particular a física. Einstein alcançou o status de popstar só por causa de suas descobertas, e de certa forma aproveitou sua fama para defender seus princípios e contribuir para ações que julgava dignas de seu apoio, sempre mantendo distância razoável do que considerava como sendo um papel meramente político. Mas não é apenas este cenário que o autor explora. Neste livro, vemos um homem brilhante e igualmente egoísta, com problemas de relacionamentos e terrivelmente difícil de se conviver.

Einstein foi uma criança demasiadamente distraída. Pensava muito, imaginava muito, e era pouco prático. É certo que em matemática e física ele se aborrecia facilmente já que não encontrava dificuldades de entender o assunto, mas ao mesmo tempo era um zero à esquerda em áreas como química e biologia, dentre outras disciplinas. Com uma juventude nada notável, sua jornada para conseguir um emprego foi especialmente árdua e complicada.

O livro dedica boa parte de suas páginas iniciais ao seu conturbado relacionamento com Mileva Einstein, sua primeira esposa. Interessada em ciência e contribuinte das pesquisas teóricas do marido, Mileva  dividia sua rotina entre o cuidado com os filhos e os desgostos que seu marido lhe dava. Há muitas especulações sobre uma primeira filha do casal, que parece ter tido alguma deficiência e por isso teria sido abandonada ou entregue a um orfanato, e de que Einstein mantinha encontros frequentes com prostitutas, enquanto marido de Mileva. O relacionamento inicialmente apaixonado dos dois logo se transformou em uma relação tóxica e opressora. Trocava correspondências no mínimo "animadas" com Elsa, sua prima de primeiro grau, ao mesmo tempo que botava Mileva em um escanteio emocionalmente arrasador. O livro destaca frases desprezíveis de Einstein contidas em suas cartas.

Aqui me vejo forçado a destacar uma parte deplorável do comportamento de Einstein. Depois de sua descoberta da relatividade, Einstein passa a ser requisitado por diversas instituições para lecionar, pesquisar e dar palestras. Mileva precisa amargar uma vida solitária na sua residência. Por fim, já emocionalmente e fisicamente separados (mas não formalmente), há uma chance de retorno a Berlim, e Mileva se propõe a voltar a dividir o teto com Einstein, senão por ela, pelo bem dos filhos. E ele destila uma imensa crueldade ao lhe impor terríveis condições para tanto:

                                                                      

A. Você providenciará

1. Que meus trajes e roupas íntimas sejam mantidos em ordem

2. Que eu receba as três refeições devidamente servidas NO QUARTO

3. Que meu dormitório e escritório sejam mantidos em boa ordem e, principalmente, que minha mesa de trabalho esteja disponível SÓ PRA MIM

4. Você renuncia a qualquer relacionamento pessoal comigo, na medida em que não seja estritamente necessário por questões sociais. E, principalmente, você renuncia a

5. Que eu fique em casa com você

6. Que eu saia com você.

 Você se compromete, expressamente, a observar os seguintes pontos no relacionamento comigo:

7. Não deverá esperar de mim qualquer gesto de carinho, nem me fazer qualquer tipo de acusação

8. Deverá interromper qualquer fala a mim dirigida, se eu o solicitar.

9. Deverá sair do meu quarto de dormir ou do meu escritório imediatamente e sem contestar, se eu o solicitar

10. Você se compromete a não me rebaixar aos olhos dos meus filhos, seja por meio de palavras  ou ações.

 

Isto é só uma amostra dos relacionamentos doentes que Einstein cultivou ao longo de sua vida. Não demorou para que seu caso com Elsa fosse oficializado logo depois do divórcio com Mileva. Seu relacionamento inclusive com os próprios filhos sempre foi conturbado, intercalando períodos de ausência de contato com cartas patéticas solicitando atenção.  Apesar disso, mantinha uma postura e opiniões políticas bem claras. Agiu ativamente contra o nazismo alemão, apoiou causas humanitárias e chegou a ser convidado a se tornar o primeiro presidente do recém-criado Estado de Israel, o que recusou. Einstein mantinha orgulho de sua descendência judaica, mas não chegava a tomar uma posição partidária neste assunto.

Passou boa parte de sua vida pós Segunda Guerra nos Estados Unidos, contribuindo com outras pesquisas de colaboradores, gozando de uma vida de estrelato inusitado, a qual se deixava levar com certo prazer, e dedicado à um audacioso projeto pessoal: uma equação para unir a teoria da relatividade geral com o eletromagnetismo. A vida privada de Einstein começou a ser tornar cada vez mais reclusa, e levada com bastante desleixo, morrendo sem alcançar seu objetivo final, a equação da teoria do campo unificado.

Publicado pela editora Novo Século, o livro é simplesmente arrebatador, tanto na escrita quanto no conteúdo. Neffe narra sua história com maestria, e escolhe à dedo as citações que merecem destaque. Você não percebe se tratar de um livro de quase quinhentas páginas. Fiquei vidrado e espantado com as revelações cruas e fraquezas humanas que tornaram a vida particular de Einstein um verdadeiro drama, mostrando um personagem obsessivo e ao mesmo tempo emocionalmente instável. Como ele se comportava em público, e como ele era na vida íntima. Acho que obras assim são muito valiosas para nos fazer enxergar a humanidade de grandes figuras da ciência, e ajudar a entender que no fundo, defeitos se encontram em todo lugar.