A incompreensão da ciência custa vidas. Esta talvez seja a lição mais evidentre da tragédia global – e, de modo agudo, nacional – da COVID-19. E o que mata e destrói não é só a incompreensão do que a ciência diz, mas principalmente a ignorância de como e por que a ciência diz o que diz. Numa sociedade permeada por “fake news”, nenhum apelo à palavra-chave “científico” está acima de suspeita. Identificar impostores e maus-entendidos nunca foi tão crucial.
Na literatura de divulgação científica, obras que se propõem a mostrar a lógica por trás da ciência e desfazer concepções populares – erradas – sobre como as coisas são e funcionam ainda representam uma minoria, embora tenham uma tradição longa e respeitada: a obra comumente considerada o primeiro “livro de divulgação científica” da Europa, publicado na Inglaterra no século XVII, tinha como subtítulo “Investigações de Verdades Comumente Presumidas”, e se propunha a esclarecer superstições como a de que o sangue de um cordeiro amolece diamantes, ou de que a raiz de madrágora grita ao ser arrancada do solo.
Com o passar dos séculos, no entanto, essa tradição pioneira de confronto direto com a ignorância perdeu força, e as seções de popularização da ciência das bibliotecas foram se enchendo de livros sobre foguetes, galáxias, lagartos e borboletas. Todos temas fascinantes – tenho vários livros sobre cada um desses assuntos, aqui em casa – mas o desequilíbrio entre os títulos de “ciência maravilhosa” e os do que eu chamaria de “ciência crítica” acabou tornando-se grande demais, um perigo para a saúde moral, intelectual – e, como esatmos vendo, literal – da sociedade.
No Brasil, em particular, a lacuna é imensa. Felizmente, nos últimos anos, começaram a surgir cada vez mais obras de autores nacionais dispostos a preenchê-la. O livro que você tem em mãos é um mais um passo importante nessa direção. “O que você precisa saber sobre ciência para não passar vergonha” exp õe alguns de nossos vícios cognitivos mais flagrantes, explica por que a ciência é tão “chata” – isto é, rigorosa – e ainda ofecere uma vista panorâmica do primeiro grande vexame científico-político do Brasil neste século, a saga da “fosfoetanolamina sintética”, e seu sucessor (maior, mais forte, mais letal) a cloroquina em tempos de pandemia.
A Universidade McGill, no Canadá, tem um Departamento de Ciência e Sociedade cujo lema é “separating sense from nonsense”, algo que em português poderia ser traduzido como “separando a razão da bobagem”. No Brasil, muitos comunicadores de ciência ainda relutam diante de uma missão dessas – não seria arrogantre? Presunçoso? Quem somo nós para separar “razão” de “bobagem”?
Esta é uma daquelas perguntas que merecem ser respondidas por outra: se não vocês – nós – então quem? Se não agora, quando?
Ulysses Paulino de Albuquerque e Wendel Pontes não são recém-chegados na área, muito pelo contrário, mas este livro não só consolida muito do trabalho anterior de ambos, como avança em questões fundamentais da atualidade. Lê-lo é um prazer e, também, um chamado. Que muitos o ouçam.
Carlos Orsi é editor-chefe da Revista Questão de Ciência e autor das obras de divulgação científica Livro dos Milagres, Pura Picaretagem, Livro da Astrologia e Ciência no Cotidiano.