sexta-feira, 18 de setembro de 2020

A Criação – Origem da Vida / Futuro da Vida

 

Rapaz, eu sempre gosto quando as editoras procuram ser originais para alavancar alguns títulos. E devo dizer que este é diferente de todos que eu já vi (e aqui não me refiro ao seu conteúdo). Fiquei na dúvida se começasse a escrever sobre o que torna esse livro único, ou sobre o seu conteúdo. A verdade é que a forma como o livro foi publicado me deixou bastante desconsertado, e cheguei e pensar negativamente sobre a obra por causa disso. Não sei quem teve a ideia, mas uma coisa posso dizer: é diferente de tudo que já vi, e as sensações que pode despertar são de extrema criatividade ou o cúmulo do bizarro. E eu confesso que a estratégia adotada parece mais ter sido um tiro que saiu pela culatra.

Bem, para acabar com o suspense, decidi começar pela forma como esse livro foi publicado. Não sei se foi apenas uma particularidade das editoras brasileiras, ou original também é assim. Vejam a foto abaixo:

 Esta é a capa do livro. Branca (e o meu já está encardido, pelo tempo) com uma singela fita de DNA, que é a cara da proposta do livro. Sem imagens, sem nada mais. Talvez queiram dar a ideia sobre a quantidade da incerteza que temos a respeito do assunto, uma vez que não tem absolutamente nada na capa além da insossa dupla hélice. E um branco que chega a dar agonia. Agora, vejam o que acontece quando eu inverto a minha mão:

 


Eu achei, a princípio, que o livro tinha sido mal editado e que eu tinha pego ao acaso algum exemplar com defeito. Fui nos outros dois exemplares disponíveis e todos eram iguais. Exatamente iguais. Folheei a obra e a partir de metade dela, todas as folhas estavam de cabeça para baixo! Isso mesmo, de cabeça para baixo! Voltei aos outros exemplares e todos eram assim. Fiquei bastante confuso. Fui no índice e no cabeçalho, e percebi o que tinha acontecido: o livro é dividido em duas grandes partes. Só que cada parte está de um lado. Você termina a primeira parte, vira o livro e começa a ler, como se estivesse no começo do livro de novo. Ao invés de criar um capítulo sequencial, eles quiseram fazer você ter a sensação de que começou um livro novo. Para você ter uma ideia, eu fiz esse vídeo folheando o livro:

  


Eu juro que minha primeira reação foi de que estavam vendendo um livro duplicado. Não tinha notado que eram duas metades diferentes. Achei que fosse uma estratégia para aumentar a grossura de uma obra muito reduzida. Se eles quiseram fazer isso para “lacrar”, pra mim não impressionou. Comprei o livro porque tinha interesse no assunto, e fazia tempo que não publicavam algo neste sentido. Queria ver o que se tinha de novo a respeito.

Bem, a obra não impressiona. Ela simplesmente dá o estado da arte sobre a origem da vida, seguindo corretamente a cartilha. Algumas informações espaçadas aqui e ali são mais interessantes. O estilo de escrever do autor discorre bem, mas nada impressionante. Na primeira parte a eterna indagação sobre o que é a vida, como se originou, uma boa dose de aula básica de genética molecular, para nortear o leitor sobre o assunto, e o princípio de como tudo deve ter surgido. Se sua genética de ensino médio não foi satisfatória, vai ter um bom material para relembrar aqui neste livro. Finda a primeira parte, vamos para a segunda.

Se falamos no começo sobre genética, vamos finalizar com as implicações políticas, éticas e morais da mesma. E aí vamos ter uma discussão que segue o mesmo ritmo da primeira parte, sobre clonagem, biotecnologia, dilemas morais. Saliento aqui que este livro também aborda a polêmica criação da primeira célula funcional totalmente sintética, produzida pelo biólogo e empresário Craig Venter, em 2010.

Publicado pela Zahar, o livro é fino, somando ao todo pouco mais de duzentas páginas (em ambos os lados). Fones confortáveis e espaçamento adequado para leitura casual e despretensiosa. Quem não sabe nada do assunto, vai encontrar um livrinho sintético sobre genética e suas implicações com escrita fácil. Para o público mais exigente, ele apenas tem mais do mesmo. O leitor mais interessado não deve encontrar muita coisa além do café com leite, e com certeza talvez nem se lembre que o leu em algum momento. Mas para quem está começando agora, com certeza é uma opção bem razoável de um texto simples sobre genética.


sexta-feira, 11 de setembro de 2020

A Conquista Social da Terra

 


Mais um volume do aclamado e conhecido entomologista Edward O. Wilson. E devo dizer que sua experiência científica em particular foi o pontapé inicial para escrever essa obra. Wilson é um especialista em formigas. Um dos maiores e mais renomados no mundo, diga-se de passagem. E uma das inúmeras e impressionantes características das formigas é que eles são insetos sociais, em um nível de organização hierárquica tão organizada que esta propriedade é a responsável pelo seu incrível sucesso ao longo de milhares e milhares de anos de evolução. Ficamos até nos perguntando como a criação desta sociedade tão eficiente e que deu tão certo parece não ter frutificado em outras espécies. Apenas formigas, cupins e alguns poucos organismos conseguiram criar um sistema social tão coeso quanto o desenvolvido por elas. E é justamente isso que gerou a criação deste livro peculiar.

A obra de Wilson trata sobre o surgimento das sociedades em insetos, especialmente nas formigas. E ninguém menos que o próprio autor para tratar deste tema. Wilson também é conhecido por ter popularizado o termo sociobiologia, que se refere a explicações do comportamento social baseada em seleção natural, sexual, genética e outros aspectos da biologia, em um livro publicado em 1975. Sua grande contribuição neste sentido é que, colocando uma base comum para as causas do comportamento social, podemos estender teorias e hipóteses sobre o desenvolvimento e manutenção dos agrupamentos sociais para um grande número de espécies diferentes. E pode nos incluir aqui. E justamente por isso o livro surgiu.

Seu texto é fácil e repleto de informações interessantes, com boas descrições de fenômenos biológicos complexos. Sua presente obra nos apresenta um apanhado das teorias existentes sobre o surgimento das sociedades, e ela é repleta de paralelos com a espécie humana. Um deleite tanto para amantes de biologia como antropologia e, por que não, psicologia. O livro pode ser dividido em três grandes partes, a primeira explorando a evolução da sociedade na espécie humana, desde seus antepassados primatas até hoje. Um excelente texto sobre nossas origens. Talvez poucos tenham tido tanta sorte em trabalhar este tema de forma tão atraente.

A segunda parte é uma abordagem detalhada a respeito de como surgiram as primeiras sociedades nas espécies não humanas. É um verdadeiro manjar, baseada em conhecimentos multidisciplinares. Você vai ver genética, evolução, seleção natural, fisiologia e ecologia em uma verdadeira aula sobre como enxergar o todo a partir de suas partes. E aqui também se inclui uma grande polêmica: Wilson lança algumas críticas ao tão estabelecido modelo da inequação de Hamilton, ou seleção de parentesco, que foi formulada para tentar explicar comportamentos altruístas diante do aparente paradoxo de que a seleção natural age sobre o indivíduo. O próprio Wilson publicou um artigo, anos atrás, com uma explicação alternativa que escanteava a seleção de parentesco de Hamilton, e recebeu pesadas críticas, incluindo uma imensa carta-resposta capitaneada por Richard Dawkins, assinada por dezenas de outros cientistas. Apesar de não se remeter a esse imbróglio, Wilson deixa claro seu pensamento a respeito da nova teoria.

A terceira parte tenta casar as duas anteriores. Explicar como surgiu a evolução da sociedade na espécie humana baseada nas informações existentes sobre o tema baseado em estudos e experimentos feitos com outras espécies. É aqui que vemos um Wilson mais humano e mais ousado. Até então ele se mantém contido no que os dados apresentam sobre homens e sobre animais, respeitando as limitações existentes pela falta de dados. Mas agora ele dedilha no assunto como poucos, e cria um texto tão atraente quanto convincente de seu ponto de vista. E eu não me recuso a admitir que sua visão pode ser confortavelmente aceitável. Um deleite para quem pretende enxergar as bases biológicas de nosso comportamento.

Publicado pela Companhia das Letras, é um texto de tamanho médio, com boa tipografia e folhas foscas. Muito confortável de ler e carregar. Para um assunto tão interessante, as quase trezentas e cinquenta páginas quase não se fazem sentir. É um livro para curiosos sobre a sociedade humana, o comportamento humano, e a evolução do comportamento social. A ponta da caneta de Wilson foi generosa para o leitor mediano, sem recorrer a excessos de jargões científicos, e mesmo assim mantendo as rédeas da boa prudência científica.


sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Por que livros de divulgação científica são tão caros?

 


De tempos em tempos, eu faço umas incursões online procurando por livros de divulgação científica. Estou numa destas fases agora, e com alguma surpresa me deparo com volumes altamente interessantes... e terrivelmente caros! Livros de divulgação científica deveriam ter custos tão assustadores assim?

Na minha busca, encontrei excelentes obras que pretendo adquirir, escritas por divulgadores científicos nacionais. Os livros Ciência no Cotidiano, de Natália Pasternak e Carlos Orsi, e o Darwin sem Frescura, do Pirula e do Reinaldo Lopes, estão entre os poucos que possuem um preço altamente convidativo. Nenhum deles custa mais do que trinta e cinco reais.

Achou caro? Sim, se você comparar com outras obras bem mais em conta, romances ou até mesmo alguns clássicos universais que são publicados em edições menos elaboradas, ou são textos pra lá de batidos. Com contos de romance juvenis ou obras bem menos conhecidas. Quando grandes livrarias ou sites anunciam descontos praticamente imperdíveis em livros, com certeza você não vai encontrar sobre ciência. Eles quase nunca ficam em promoção. E quando ficam, é quase ridículo de acreditar que alguém ousa chamar de desconto tirar cinco reais do preço de uma obra dessas.

Enfim, na minha busca por títulos atraentes, eu me deparo com valores beirando o absurdo. Um dos últimos que adquiri era sobre os aspectos biológicos da violência nas pessoas. Um tema profundamente atraente e que me chamou a atenção logo de cara. Repleto de dados, a obra promete destrinchar sobre como a biologia evolutiva moldou o perfil humano de maneira a criar em nós um instinto agressivo e violento, que até hoje se pretende dominar com tentativas notavelmente fracassadas. Animado, cai pra trás quando vi o valor da obra: mais de cem reais!

Antes de mais nada, preciso esclarecer que não estou menosprezando o autor. Fazer um livro não é nada fácil, toma muito tempo, energia e requer muito estudo. Colher, selecionar, avaliar, descrever e simplificar centenas de dados em páginas para não especialistas é um trabalho digno de Hércules! Livros técnicos são um exemplo do preço e do custo da pesquisa. Não é raro encontrar obras de certas especialidades por mais de dois mil reais. Mas livros técnicos não são para todo mundo. Livros de ciência para leigos deveriam ser. 

Se for para como a obra chegou nesse preço, podemos incluir aí direitos autorais, qualidade da produção do livro (sim, isso é muito importante. Livros pessimamente impressos são horríveis), custos de tradução e revisão (se ele for de um autor estrangeiro), e especialmente a tiragem planejada com base na probabilidade de quanto retorno as vendas vão trazer. mas não deixa de ser assustador, e tenho dificuldade de imaginar quantas pessoas desembolsariam este valor por um despretensioso interesse de ler.

Os valores normais, digamos assim, de livros de divulgação científica variam entre trinta e sessenta reais. E aqui incluo todas as áreas, desde matemática até história. Para a média geral, eu acho que os preços são altos. E não culpo editoras e livrarias por causa disso. Nós não temos nem costume, nem hábito de ler. Livros que não saem não vendem. E quanto menor a tiragem, maior é o custo, uma vez que é preciso lucrar para produzir. E em particular dentro de um cenário social onde a maioria das pessoas não tem a menor condição de se dar ao luxo de gastar esse dinheiro comprando coisas pra ler. Dificilmente um assalariado vai poder comprar uma obra de divulgação científica, nem se ele for numa sebo. E leitura como um todo é um fenômeno muito mal disseminado e mal visto no Brasil. Recordo de uma história engraçada sobre isso. Uma amiga estava no seu trabalho, aproveitando o horário logo após o almoço para continuar sua leitura. Uma das pessoas que trabalhava com ela se aproximou e puxou conversa, explicando: "puxa, vi você sozinha aqui, sem fazer nada, e vim lhe fazer companhia".

O ato de ler só parece coisa chique quando você está na praia, tomando banho de sol (vi essa cena várias vezes nas férias e em filmes na televisão). Ler fora desse contexto para muitos realmente parece um "sem fazer nada" de dar pena. Duvido muito que a abordagem tenha sido a mesma se ela estivesse apenas teclando no celular. E isso aponta para uma outra peculiaridade do problema. Quando eu me refiro a ler, eu estou me limitando ao conceito de ler livros. Porque nós lemos constantemente estamos lendo nas redes sociais. Se parar para pensar, passamos boa parte do dia lendo, sejam notícias, postagens diversas, comentários, memes. Nos acostumamos a consumir informações rápidas, curtas, que exijam pouco tempo e sejam fáceis de processar. O exercício de uma leitura mais continuada e profunda é que parece ser pedir demais. E é justamente esse tipo de leitura que é mais notável, mais meditada e digerida, que nos transforma e nos faz ficar mais críticos.

Livros em geral, e em particular de divulgação científica, deveriam ter um incentivo adicional para produção e consumo. E nós, seus leitores constantes, podemos fazer nossa parte, comprando sempre que possível as obras e valorizando assim os escritores, ou pelo menos fazendo propaganda das mesmas, divulgando nas redes que você está lendo. Isso sim pode inspirar outros a ler. Pelo menos aqueles que puderem comprar livros. Outra coisa que pode ser promissora é recorrer a audiobooks. Curiosamente, parece mais confortável estar fazendo alguma coisa enquanto se "ouve" um livro, o que dá a impressão de que você está otimizando seu tempo. Até hoje não sei qual a taxa de absorção de informações por audiobooks, mas não custa experimentar.

O papel dos livros de divulgação científica é aproximar as pessoas da ciência, usando um linguajar acessível e atraente, facilitando o entendimento de assuntos rotineiramente mais complexos. A maior parte destes apenas informam. A minoria brilhante tem o incrível poder de mudar mentes e estimular o gosto pela ciência. Mas se os livros não puderem alcançar as pessoas, pra quê servem então?

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Taxando livros. O que esperar disso?

 


Depois de um longo, longo tempo, voltei ao blog. Sabe, não é sempre que conseguimos o clima adequado, ou a vibe de manter o ritmo de leituras. Nestes últimos dias nada estava fluindo, e para mim as coisas funcionam muito no impulso. Então me deixei levar pelo marasmo das leituras e da escrita, até que a vontade voltasse novamente para dedilhar em um teclado e folhear páginas. E nisto quem sofre mais é o próprio blog, que ficou inativo durante um bom tempo. Agora é o momento de retornar.

Aconteceram muitas coisas neste período, e eu não quis continuar diretamente com uma resenha. Pelo contrário, decidi escrever um pouco sobre um problema que está bem relacionado com o blog, e que mereceu até ter sido feito antes, para manter a atualidade do assunto. Mas eu não sou profissional em marketing, e não sou jornalista para caçar furos. Este é um espaço despretensioso, e gosto de me dedicar a ele quando estiver com vontade (como agora).

O assunto ao qual me refiro é a polêmica ideia do Ministério de Economia em conseguir aumentar sua arrecadação pela taxação de livros. É bem possível que você nunca tenha ouvido falar que a venda de livros não é taxada, não paga impostos. Talvez você esteja agora franzindo a testa e se perguntando: "por que livros são tão caros então?". Bem, esse é um assunto bem mais complexo, e que estou preparando uma postagem exclusivamente sobre isso que vai aparecer em breve. Por enquanto, vamos ao fato de se querer aumentar o preço dos livros.

Não demorou muito tempo para isso se tornar um escândalo. Nas redes sociais, influenciadores, Youtubers, blogueiros, jornalistas, comentaristas, todo mundo caiu em cima da ideia de se aumentar o preço de um produto que já nem é tão consumido assim pela população em geral. Houve até um abaixo assinado para evitar que isso viesse a acontecer. Evidentemente a recepção da ideia foi uma das piores, e não sabemos como o governo vai se comportar.

Agora, qual impacto você espera que o aumento no consumo de livros vai ter sobre as pessoas? Quem obrigatoriamente precisa comprar livros, fora profissionais que procuram periodicamente se atualizar em suas respectivas áreas? Já ouvi há muito tempo falar que as pessoas não compram livros por falta de dinheiro. E isso claramente não é verdade, pelo menos para a grande maioria. Quando jovem, eu também não tinha. Isso não me impediu de me tornar sócio da biblioteca de minha cidade (por um valor irrisório e medíocre) e ter acesso ao vasto acervo do lugar, o qual aproveitei bastante. Hoje em dia, encontrar livros em PDF é uma das coisas mais simples que existe. E para qualquer gênero. Então nestes casos, recorrer ao preço não é uma justificativa para leitura.

Quem consome livros é quem gosta realmente de ler. E quem gosta de ler, por prazer mesmo, e não querendo dar uma de intelectual, precisa suar para conseguir uma obra que valha a pena. Estas pessoas são uma razoável minoria. Não vou descrever um perfil aqui porque no meu entender não existe. Os leitores habituais se espalham em todas as esferas da sociedade, nichos, aspectos. E quando podem não poupam esforços para conseguir uma obra de seu interesse. Evidentemente há obras terrivelmente caras, que fazem você pensar duas vezes se realmente vale a pena comprar.

Taxar livros vai penalizar uma parcela muito pequena que lê por prazer, mas pode afetar significativamente pais que precisam comprar os livros para que seus filhos possam estudar. Aqui sim eu imagino que haja um problema ainda maior em virtude do aumento do preço. Tirando estes dois grupos e as livrarias e editoras, essa taxação recebeu um feedback extremamente negativo, e eu particularmente acho que não vai passar. E mesmo se vier a acontecer, poucos (como eu) vão realmente sentir o peso do problema.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

O que você precisa saber sobre ciência para não passar vergonha



Enfim, meu primeiro livro!

Foi interessante receber o convite de meu colega Ulysses Paulino de Albuquerque, logo após o início da pandemia, para enfrentar este desafio. Desde tempos sentimos afinidade no assunto de popularizar ciência. E depois de tantas resenhas de livros, esta se mostrou uma oportunidade de ouro para começar a trabalhar neste sentido.

Seria estranho utilizar meu próprio espaço para resenhar um livro de minha coautoria. Obviamente vou sair da minha objetividade e ceder a um viés favorável a mim mesmo. E como ainda é uma obra bastante recente, não deu tempo de haver resenhas disponíveis. Mas para divulgar este trabalho, e ao mesmo tempo manter a coerência de um blog de resenhas de livros, optei por uma decisão que me parece bem balanceada no momento: vou publicar o prefácio do livro.

O autor das palavras a seguir é Carlos Orsi. Ele é um jornalista científico, que atualmente é editor-chefe da Revista Questão de Ciência, do Instituto Questão de Ciência (IQC), criado com o objetivo de promover o pensamento científico e valorização da ciência, em especial na tomada de decisão de gestores públicos, e combater pseudociências e posicionamentos anticientíficos na sociedade. Orsi também é autor de livros de divulgação científica, como a obra Pura Picaretagem, resenhada aqui no blog, e mais recentemente o livro Ciência no Cotidiano, em parceria com Natália Pastenak, a atual presidente do IQC. Agradecemos profundamente por ele se dispor a ler nossa obra e prefaciar, em um texto sucinto e ao mesmo tempo repleto com o espírito que tivemos no nosso texto.

Espero que as palavras de Orsi possam lhe dar uma visão positiva do livro, que escrevemos com o intuito de valorizar a ciência procurando mostrar como ela é construída. Boa leitura!

A incompreensão da ciência custa vidas. Esta talvez seja a lição mais evidentre da tragédia global – e, de modo agudo, nacional – da COVID-19. E o que mata e destrói não é só a incompreensão do que a ciência diz, mas principalmente a ignorância de como e por que a ciência diz o que diz. Numa sociedade permeada por “fake news”, nenhum apelo à palavra-chave “científico” está acima de suspeita. Identificar impostores e maus-entendidos nunca foi tão crucial.

Na literatura de divulgação científica, obras que se propõem a mostrar a lógica por trás da ciência e desfazer concepções populares – erradas – sobre como as coisas são e funcionam ainda representam uma minoria, embora tenham uma tradição longa e respeitada: a obra comumente considerada o primeiro “livro de divulgação científica” da Europa, publicado na Inglaterra no século XVII, tinha como subtítulo “Investigações de Verdades Comumente Presumidas”, e se propunha a esclarecer superstições como a de que o sangue de um cordeiro amolece diamantes, ou de que a raiz de madrágora grita ao ser arrancada do solo.

Com o passar dos séculos, no entanto, essa tradição pioneira de confronto direto com a ignorância perdeu força, e as seções de popularização da ciência das bibliotecas foram se enchendo de livros sobre foguetes, galáxias, lagartos e borboletas. Todos temas fascinantes – tenho vários livros sobre cada um desses assuntos, aqui em casa – mas o desequilíbrio entre os títulos de “ciência maravilhosa” e os do que eu chamaria de “ciência crítica” acabou tornando-se grande demais, um perigo para a saúde moral, intelectual – e, como esatmos vendo, literal – da sociedade.

No Brasil, em particular, a lacuna é imensa. Felizmente, nos últimos anos, começaram a surgir cada vez mais obras de autores nacionais dispostos a preenchê-la. O livro que você tem em mãos é um mais um passo importante nessa direção. “O que você precisa saber sobre ciência para não passar vergonha” exp    õe alguns de nossos vícios cognitivos mais flagrantes, explica por que a ciência é tão “chata” – isto é, rigorosa – e ainda ofecere uma vista panorâmica do primeiro grande vexame científico-político do Brasil neste século, a saga da “fosfoetanolamina sintética”, e seu sucessor (maior, mais forte, mais letal) a cloroquina em tempos de pandemia.

A Universidade McGill, no Canadá, tem um Departamento de Ciência e Sociedade cujo lema é “separating sense from nonsense”, algo que em português poderia ser traduzido como “separando a razão da bobagem”. No Brasil, muitos comunicadores de ciência ainda relutam diante de uma missão dessas – não seria arrogantre? Presunçoso? Quem somo nós para separar “razão” de “bobagem”?

Esta é uma daquelas perguntas que merecem ser respondidas por outra: se não vocês – nós – então quem? Se não agora, quando?

Ulysses Paulino de Albuquerque e Wendel Pontes não são recém-chegados na área, muito pelo contrário, mas este livro não só consolida muito do trabalho anterior de ambos, como avança em questões fundamentais da atualidade. Lê-lo é um prazer e, também, um chamado. Que muitos o ouçam.

 

Carlos Orsi é editor-chefe da Revista Questão de Ciência e autor das obras de divulgação científica Livro dos Milagres, Pura Picaretagem, Livro da Astrologia e Ciência no Cotidiano.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Crenças Extraordinárias - uma abordagem histórica de um problema psicólogico



Quando um livro se propõe a falar sobre crenças, especialmente em relação a aspectos religiosos e sobrenaturais, não é incomum que pensemos, à primeira vista, que se trata de uma obra de psicologia. Eu também pensei assim quando me interessei por esta obra. O autor provavelmente iria falar sobre as falhas e tendências naturais que nosso cérebro tem em ser enganado, ou melhor dizendo, convencido, da veracidade de alguma crença ou evidência. E como isso nubla nosso raciocínio. Obviamente, a obra iria abordar casos de supostos paranormais, visões religiosas, milagres, e seus efeitos sobre nosso comportamento. Quando começo a ler a obra, percebo que estava redondamente enganado. E não estou nem um pouco arrependido deste engano.

Esta com certeza é uma obra diferente. E talvez por isso eu tenha levado algum tempo para entender a proposta do autor. E novamente, o subtítulo desempenha um papel tão importante quanto o título chamativo e bem mais geral.

Diferente do que eu esperava, o autor Peter Lamond não está nem um pouco interessado no cérebro e nos mecanismos de processamento de informações. Sua abordagem é, podemos dizer assim, essencialmente histórica. A primeira parte do livro, uma grande introdução ao que ele pretende fazer, não está escrita num sentido que seja mais fácil do leitor entender. Eu mesmo precisei de um bom tempo para tentar enxergar suas intenções. Nem mesmo seu estilo ajuda muito neste primeiro momento. Parece um pouco mais confuso do que seria de se esperar de um livro voltado para o público geral, mas podemos dar um desconto em virtude da originalidade ou ineditismo de sua proposta. Lamond pretende fazer uma visão panorâmica sobre nossas crenças modernas no sobrenatural, mas não baseada em estudos científicos, e sim em reportagens e textos escritos na época. Então ele não penetra na essência causal das nossas crenças, e sim como nos comportamos, na época, através dos textos que escrevemos sobre o assunto. Sua análise vai ser sobre reportagens, relatos, testemunhos, e como tudo isso foi construído pelos defensores e detratores destes eventos extraordinários. E deduzir a partir daí como as pessoas pensavam na época, como seus raciocínios se desenvolviam sobre isso. É aqui que entra a parte psicológica do livro.

O autor vai se concentrar em três períodos distintos relacionados com crenças sobrenaturais na sociedade moderna: o mesmerismo, o espiritismo americano e europeu (ou espiritualismo moderno), e da parapsicologia. Acompanhando mesmeristas, médiuns e paranormais, escolhidos à dedo, Lamond começa sua jornada logo depois da introdução geral ao tema, citada anteriormente. E aqui o livro se torna muito, mas muito mais fácil de ler.

O conteúdo torna-se majoritariamente histórico, com poucas abordagens analíticas do que aconteceu. Lamond reconhece que, no período mesmerista e do espiritismo, o testemunho humano era supervalorizado. Se alguém observava um evento que considerava inexplicável, o poder do testemunho estava acima do que se sabia sobre a ciência na época, não importava o quanto estranha ou absurda fosse a opinião. E aqui quanto maior fosse o caráter da testemunha, mais confiável eram suas palavras.

O autor também nos faz perceber uma situação bastante singular: quando um mesmerista ou um paranormal falhava em suas demonstrações, a interpretação, dependendo da crença de quem testemunhava, poderia ser usada tanto para reforçar a inexistência do fenômeno, quanto para confirmá-la! Enquanto os detratores diziam que isso provava que o fenômeno não existia, os apoiadores diziam que a falha era porque as energias ou forças oscilavam, e justamente por causa dessa propriedade de oscilação, o fenômeno era real. Se não existisse, provavelmente o médium ou mesmerista iria ensaiar uma fraude. Como ele não fez, então deve ser real. E tendo lido um pouco deste período (tenho um interesse particular no assunto), percebo que ele está certo em sua conjectura.

No período parapsicológico as mesmas defesas e ataques se mantém. A única diferença é que há uma avalanche de desmascaramentos de médiuns, e com eles a reputação de que se houve realmente alguma verdade nisso tudo. Em uma nova abordagem, o fenômeno paranormal é levado para uma arena bem menos favorável, que é o laboratório. Neste caso, ao invés de sentar e aguardar que os fenômenos ocorram, os cientistas desenham experimentos para avaliar se o fenômeno paranormal realmente existe. E a obra se limita a alguns poucos exemplos, que não deixam de ser questionados quanto a sua validade, em função de falhas metodológicas ou estatísticas dos cientistas envolvidos.

Ficamos na espera de que o autor dê, em algum momento, um veredicto sobre a realidade dos fenômenos. Só que este não é seu objetivo. Como ele disse antes, é uma visão histórica de um problema psicológico, e não uma obra para falar de autenticidade dos fenômenos. E ele tanto sabe do comportamento de seus leitores que encerra o livro justamente enfatizando este problema.

Publicado pela Editora Unesp, o livro tem pouco mais de 400 páginas, com letras um pouco finas demais, dando a impressão de que o livro foi mal impresso. Sobre meu exemplar, devo destacar uma coisa: o comprei por um preço bem barato na Estante Virtual, mas não prestei atenção nos detalhes da descrição do produto. Quando o recebo, o valor bem abaixo do mercado se deu pelos defeitos que o mesmo apresentava: capa rasgada e muitas folhas coladas nas extremidades. Precisei ir "rasgando" algumas para continuar a ler. Mesmo assim, é uma obra corajosa, que apesar de demorar para engrenar, nos dá uma visão original de como percebemos fenômenos paranormais.