sexta-feira, 30 de agosto de 2019

O Maior Espetáculo da Terra - as evidências da evolução



Uma obra como poucas. Um estilo fluido e agradável de escrita, repleta de informações pontuais e descrições empolgantes, seja de eventos, seja de animais, seja de fenômenos. Essa é uma característica de Richard Dawkins, o biólogo que se notabilizou pelo seu famoso volume publicado na década de setenta, O Gene Egoísta. Talvez seja um dos mais populares divulgadores científicos dos tempos recentes. Dono de uma oratória elegante, que ora se deixa levar pelo seu natural entusiasmo por ciência, ora é alimentada por seu ácido e mordaz ativismo ateísta, Dawkins merece seu reconhecimento por demonstrar um talento incomum em escrever para o público, especialmente quando se trata de biologia e evolução.

Agraciado com uma retórica e discurso muito agradáveis, as folhas literalmente voam quando você começa a leitura. Quando menos esperar, você já está terminando o livro de quatrocentas páginas que mais parecia uma revistinha. O processo evolutivo, compreendido com muita profundidade, é seu terreno mais confortável e predileto. Sua defesa apaixonada e admiração pela ciência é indisfarçável e recheia páginas e mais páginas do volume. Mas como um bom maestro, ele conduz os fatos e argumentações em um ritmo seja acelerado, seja mais contemplativo, regendo uma orquestra onde ele conhece cada um dos instrumentos e seus respectivos músicos.

Como o próprio título diz, sua obra pretende apresentar as evidências da evolução. Mesclando curiosidades, uma abundante narrativa histórica e casos escolhidos à dedo, Dawkins conduz o leitor no melhor que a ciência já descobriu e conseguiu descortinar sobre os mecanismos da evolução. Impressionante como ele ainda consegue surpreender, já tendo explorado o tema em pelo menos uma dezena de obras de divulgação científica sobre evolução dos quais é autor. A caneta de Dawkins parece ser simplesmente incansável. E isso é um enorme benefício para os interessados no autor e na sua obra.

O livro mergulha em diferentes exemplos da evolução e da construção dos seres. Explicando desde o processo de datação do carbono, até os detalhes por trás da movimentação e multiplicação das células durante o crescimento embrionário, seguindo ordens específicas dadas pela expressão sequenciada de genes (e aqui tratamos de uma descrição simplesmente fantástica de um processo bastante complexo, que abre-se aos olhos do leitor), a obra não deixa a desejar. E Dawkins é muito bem afortunado com seus exemplos. Seu insight de comparar os surgimentos das dobras das camadas celulares nos embriões a um processo similar à arte oriental de origami é uma tacada de mestre. Pequenas ilustrações, seja de gráficos muito simples a desenhos de organismos, dão um toque todo especial à obra.

Se já fosse só por isso, o livro já estaria pronto. Mas como um ativista, Dawkins não poderia encerrar apenas nas evidências. Ele precisa acrescentar também alguma discussão e contra-argumentações sobre a teoria não científica do design inteligente. E munido deste ímpeto, o autor discorre fartamente sobre dezenas de características biológicas que, caso tivessem sido planejadas por uma mente inteligente, certamente demonstraria uma falta de planejamento evidente. Um dos exemplos marcantes do livro que nunca saiu de minha mente foi do nervo vago da girafa. Vale a pena cada um dos casos.

Publicado pela Companhia das Lestras, a obra ainda é enriquecida com encartes coloridos belíssimos, com fotos e figuras de primeira qualidade. Papel amarelado com tipografia elegante, que auxilia muito para leitura. A obra tem dimensões discretamente maiores que o comum, mas provavelmente ficou assim para compensar o que poderia ter sido um livro mais encorpado.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Em Busca da Memória - o nascimento de uma nova ciência da mente



Esta é uma das poucas obras que fazem uma grande diferença logo nas primeiras páginas. Decorou essa frase? Se esforce mais um pouco, e você vai memorizá-la. Sabe como você consegue fazer isso? Este é justamente o livro certo para lhe explicar.

O autor inicia o volume com sua experiência traumática da infância, quando tropas nazistas invadem sua casa e ele precisa escapar da Europa com toda a família. Vai para os Estados Unidos, para recomeçar, e de forma difícil. É justamente estes trauma de infância o motor que impulsiona a natural curiosidade e inteligência do jovem Eric para descobrir por que retemos memória, e como nós aprendemos.

O livro narra sua trajetória em grande parte na primeira pessoa. O desenvolvimento é graduado e permite que tenhamos uma boa dose de empatia com o autor, que vai nos instigando pouco a pouco, às suas próprias indagações. Você simplesmente acompanha seu raciocínio, e é levado com muita graça pela escrita simples e familiar de Kandel.

O livro é sobre memória e aprendizado. É impressionante como ele consegue resumir décadas de estudos de forma fluida e contínua, ligando cada passo de suas descobertas científicas com a seguinte. Digno de nota é a praticidade que o leva a escolher o modelo biológico de seus estudos iniciais sobre o aprendizado e formação da memória, usando o simples sistema nervoso e portador de gigantescos neurônios, a insossa lesma do mar, Aplysia. A partir daí o livro se torna um espetáculo, mostrando cada experimento que o leva a constatar como os neurônios se modificam diante das experiências e como eles se comportam no momento que o organismo enfim, começa a aprender e também a esquecer das coisas. Kandel recorre à ilustrações complementares para ajudar a compreensão dos processos, de uma forma brilhantemente didática. Você finalmente entende as bases biológicas do aprendizado e da memória, a nível celular e molecular. Lembra que a imersão em um assunto, o exercício continuado, a repetição constante de uma tarefa é uma das ações fundamentais que ajudam a decorar ou aprender alguma coisa? Agora vai ficar fácil de entender por que é assim. Fabuloso.

Saindo da lesma do mar, Kandel decide alçar um vôo mais alto, procurando as moléculas da memória. Com uma competente equipe de pós-graduandos e uma boa rede de cientistas colaboradores, as descobertas vão se refinando cada vez mais. Não é de surpreender que ele tenha sido escolhido para receber o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia no ano 2000, por sua contribuição nos estudos das transmissões de sinais em células nervosas. E esta história ele não deixa de narrar no livro. Brilhante.

A obra encerra com as perspectivas do autor, diante de suas descobertas, contribuindo com o identificação de substâncias que possam ser usadas no tratamento de doenças graves que afetam a memória, como Alzheimer. Aqui eu preciso fazer um destaque: dou um doce para quem tenha previsto, no começo da carreira de Kandel, que suas pesquisas (que poderiam ser taxadas, à primeira vista, como sendo inúteis) sobre memória de lesmas marinhas viria, décadas depois, a ser a principal arma na batalha contra doenças degenerativas. Um exemplo clássico de ciência básica que dá uma contribuição gigantesca para a sociedade.

Eu recomendo muito, MUITO mesmo esse livro. Sempre quis saber como funciona nossa memória e nosso processo de aprendizado, a nível celular e molecular, e a obra entregou boa parte do que eu almejava descobrir. A escrita transcorre fácil e atraente, num livro volumoso mas não cansativo. Outra pérola editada pela Companhia das Letras, que possui tipografia e impressões super confortáveis para o leitor casual.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Para Explicar o Mundo - a descoberta da ciência moderna



Podemos dizer que alguns autores se sentem motivados a escrever um livro depois de uma disciplina ou curso que ministraram. O autor desta obra reconhece que, para se inteirar mais em um determinado assunto, ele resolveu oferecer um curso sobre o tema. E isso foi o estímulo para que ele pudesse fazer uma pesquisa profunda, que culminou com a publicação da referida obra, juntando o farto material acumulado para seu curso.

Steven Weinberg é um físico que nutre interesse por história da ciência. Na sua intenção de entender como o pensamento humano evoluiu até chegar no método investigativo que hoje chamamos de ciência, ele recorreu aos eventos fundamentais que mudaram a forma que o homem tem de ver o universo a sua volta.

Preciso esclarecer primeiro que é um livro essencialmente sobre física. Todo ele versa sobre física, um pouco de geometria atrelada à astronomia. Para uma obra que se propõe explicar a descoberta da ciência moderna, você só vai ver física. Para seu alívio, vou informar que ele não explora esquemas matemáticos ou figuras geométricas no cerne do volume. Ele deixa esta parte mais impalatável para uma gigantesca nota técnica, que simplesmente ocupa um terço de todas as páginas. Nesta parte, ele detalhada equações e cálculos referenciados ao longo da obra, para o leitor mais interessado em entender como eles foram pensados e depois desenvolvidos.

Confesso que poucas obras foram capazes de desenhar de forma tão clara o momento que o homem começou a pensar a respeito do mundo ao seu redor, sem recorrer a forças sobrenaturais. O estopim da curiosidade humana, no nome de diversos filósofos pré-socráticos, os primeiros a inferirem sobre a natureza do mundo, é apresentado de forma pausada, e faz você entender que realmente levou tempo para acontecer. Recheado de personagens reais, a história começa aqui. Weinberg ainda procura amenizar a carga de informação com detalhes de episódios envolvendo os filósofos, mas não acerta a mão parte das vezes. Uma pena.

Passeando na física e astronomia gregas, somos apresentados aos primeiros esforços em entender os mecanismos do mundo. Ele esclarece (e poucos fazem isso) que a matemática era usada apenas como um conceito abstrato aplicado aos astros, sem nenhum compromisso com a realidade. Um simples exercício intelectual de filósofos. É apenas um ensaio elegante e teórico sobre o céu. Resultado direto das afirmações aristotélicas, que separa a matéria terrestre do que existe fora da Terra. Explicar isso foi uma cartada de mestre do autor. Fica fácil entender como o pensamento de Aristóteles manteve-se praticamente intocado durante tantos séculos, mesmo estando errado em muitos aspectos.

É interessante notar como o raciocínio sobre a natureza da matéria das coisas é modificado de acordo com as observações, gradativamente. Você enfim fica sabendo quando começamos a enxergar os astros como esferas, como elas se movem e como a observação deste movimento nos leva a conclusão que eles giram em elipses. Fica cada vez mais claro que a teoria do céu sendo feito por uma abóboda furada não corresponde com o observado pelos astrônomos e calculado pelos físicos. Começam aí as primeiras dúvidas.

Em um segundo momento, percebemos que o surgimento de tecnologias que permitem uma observação mais precisa dos fenômenos astronômicos faz toda a diferença sobre os modelos vigentes. E aqui o autor nos apresenta Galileu Galilei como a grande mudança, que usa telescópios para fazer observações mais precisas (a lua tem acidentes geográficos como a Terra, entre outras) e descrições, junto com a introdução de experimentos físicos para descortinar os mecanismos da natureza. Kepler e Copérnico são adicionados e então temos uma tríade de gênios, essencial para modificar nossa compreensão das leis do movimento dos astros. Mas o cenário só ficaria completo com a colaboração de Isaac Newton, que é o grande divisor de águas. Ele desvenda o grande enigma: que as leis que regem os fenômenos físicos na Terra são iguais às leis que regem os movimentos celestes. Com essa nova compreensão, o mundo aristotélico é completamente descartado em favor de uma série de leis universais que valem para todo o universo. Weinberg ainda pincela sobre Descartes, com um incomum desdém e minimizando seu modelo cartesiano. Ele não faz esforço algum em esconder sua indiferença com o filósofo francês, que considera muito superestimado. Mas é em Newton que ele culmina sua história.

Em um epílogo de menos de dez páginas, Weinberg atravessa velozmente as descobertas da física entre Newton e Einstein, onde ciências como química e biologia são apenas citadas. É um livro onde o leitor precisa enxergar nas entrelinhas, para entender onde o autor quer chegar. Por um momento eu me desapontei com a obra que resume a história da ciência apenas à física. Mas depois de refletir melhor, compreendi sua intenção, mesmo que não concorde de todo com ela. Por isso acho que o subtítulo vende uma ideia que não encaixa tão bem com a proposta da obra. Mesmo assim, o ganho da leitura vale a pena.

Publicado pela Companhia das Letras, a capa é peculiar, toda preta mostrando desenhos e letras espelhadas. São quatrocentas páginas amareladas e foscas, com tipografia elegante. Poderia ser bem menos densa e ter essencialmente o mesmo impacto. Leitores que apreciam a história da física e da astronomia vão com certeza adorar esta obra.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Como a Mente Funciona



Antes de mais nada, é preciso conhecer duas fortes características de Steven Pinker, o autor da obra: primeiro, ele é um homem que adora, simplesmente adora, e é obcecado em escrever. Segundo, ele é fascinado por dados, evidências e estatísticas, de forma quase frenética. Então, toda vez que você ouvir falar de obras deste autor, prepare-se para encarar um volume enciclopédico apinhado de gráficos, figuras e referências.

O título da obra parece ser muito audacioso, pois é um tema repleto de incógnitas. Afinal, será que sabemos como a mente funciona? O autor é ousado - ou presunçoso - para assumir que pode explicar esse grande enigma? Eis um desafio e tanto, que pode ser suficiente para encorajar qualquer leito para enfrentar uma narrativa de mais de seiscentas páginas. Pois bem, o que você deve encontrar neste miolo é justamente o que ele promete, e sem desapontamentos.

A obra é massiva, e não teria como ser de outro jeito. Pinker, que é um psicólogo, sabe muito bem usar a caneta para o público em geral. Ele parece dançar valsa com as palavras, dedilhando as frases aqui e ali, com a incrível habilidade de tornar digeríveis assuntos que seriam naturalmente densos e pouco atraentes. Dotado de um humor inteligente e de vez em quando ácido, me peguei várias vezes ensaiando um sorriso com o canto da boca diante de uma provocação, e até mesmo rindo sozinho, com o livro no colo. Pinker consegue muitas vezes amenizar o peso do assunto e deixar o leitor confortável com sua obra.

Mas para um obcecado da escrita, ele não consegue se manter amarrado unicamente ao assunto, e tem muita facilidade em bailar de um tema para outro, sempre norteando o tema central da sua obra. Podemos encarar páginas e páginas dele esclarecendo algum tipo de análise estatística para que o leitor compreenda onde a evidência é mais forte, ou mais fraca. Sua explicação das funcionalidades do cérebro vão estar sempre em alinhamento com pesquisas científicas publicadas em revistas (ele possui centenas de referências), todas elas embasadas na psicologia evolutiva, o que torna o texto ainda mais atraente para quem se interessa por biologia.

Atravessando a linguística, a anatomia e funcionamento do olho, as partes do cérebro responsáveis pela interpretação de dados, as bases do aprendizado e especialmente nos erros e limitações do cérebro, a abordagem de Pinker é tudo que um leitor reducionista e mecanicista quer ver: as partes e seus conjuntos, e como sabendo delas separadamente podemos inferir seu funcionamento coletivamente. E apesar dele ensaiar interpretações próprias sobre determinados aspectos da mente humana, nada do que ele fala soa absurdo ou sequer exagerado. Tudo tem uma razão de ser, e tudo é baseado em experimentações.

Intercalando ciência com pitadas de história, dando um equilíbrio salutar a um volume tão vasto, Pinker realmente entrega o que promete, mas ciente de que o assunto não está nem perto de ser esgotado. Mas o leitor não vai se arrepender de prestar atenção a esse calhamaço audacioso de dados, que vai lhe saciar algum prazer em saber como a mente funciona.

Impresso pela Cia das Letras, em papel amarelado, o espaço entrelinhas é bem reduzido e não casa muito bem com as fontes utilizadas. Mas podemos dar um desconto para isso, já que foi uma alternativa para evitar que o volume se agigantasse mais ainda. Esta é uma das obras muito prazeirosas de se ler, seja pela escrita hábil, seja pelos dados que contém. E Steven Pinker realmente sabe escrever.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Biologia, Ciência Única



Publicada originalmente em 2004, esta obra foi simplesmente uma dádiva para quem gosta de biologia. Ernst Mayr nos presenteia novamente, com sua experiência única e paixão indisfarçável pela biologia, com um volume cativante e de agradável leitura, em uma análise primorosa sobre as ciências da vida. Só que neste aspecto, Mayr se dá ao luxo de adentrar em um terreno que poucos biólogos se aventurariam: explorar o início e as bases filosóficas sobre a qual se assenta a biologia.

Com sua escrita graciosa e leve, Mayr faz um resgate das ideias dos primeiros pensadores sobre os seres vivos, iniciando a partir da época aristotélica, caminhando paulatinamente para os aprofundamentos e desdobramentos que enriqueceram a biologia nos séculos seguintes. Percebe-se que o autor toma cuidado em apresentar a evolução do pensamento biológico de forma sintética para agradar ao leitor geral, mas de certa maneira lhe conferindo linearidade. Enquanto que na sua obra Isto é Biologia, Mayr apresenta quais as características e peculiaridades das ciências biológicas (vide resenha AQUI), inclusive oferecendo propostas de como se investigar nesta ciência, o autor aqui decide fazer uma reflexão sobre sua história e seu desenvolvimento.

Como não podia deixar de ser, a obra dedica considerável espaço para apresentar os mecanismos da seleção natural e do processo evolutivo, continuando a ser um dos poucos textos que conseguem explicar muito bem esse assunto para um público não especializado. E em respeito ao leitor, Mayr escolhe muito bem os pontos que quer abordar por julgar fundamentais para o entendimento inicial da teoria. Ele poderia se restringir apenas a isso, mas a obra não apenas trata da teoria evolutiva, adentrando em alguns processos de seleção e de seus desdobramentos, e inclusive algumas ideias que receberam (e até hoje recebem) críticas entre os próprios especialistas. É no mínimo uma narrativa bem honesta.

A obra ainda aproveita para fazer algumas considerações sobre os principais pensamentos dentro da filosofia da ciência e se eles podem ser aplicados a o que seria uma filosofia das ciências biológicas. É prazeroso acompanhar o raciocínio de Mayr e sua análise sobre pensadores como Thomas Kuhn, procurando análogos e diferenças da biologia com outras ciências. Mesmo que você não concorde de todo com ele, não deixa de ser um belo ensaio.

Na parte final do livro, vemos um Mayr mais reflexivo. Nos seus oitenta anos de experiência, ele toma a liberdade de falar sobre a origem do homem (um assunto que é notadamente agradável para o autor, como veremos em outras obras suas) e até mesmo ensaia teorizar sobre a vida fora da terra. Esta parte ocupa as últimas páginas de sua obra, sem recorrer a teorias exageradas ou extrapolações gritantes, mostrando-se sempre comedido e prudente como um bom cientista.

Publicado pela Cia das Letras, o livro é confortável de ler, páginas amareladas e foscas e tipografia suave. Ainda somos presenteados com um glossário de termos usados na obra e uma bela e selecionada bibliografia científica. Se você é biólogo ou gosta de biologia, eis uma literatura que eu realmente recomendo.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Infinitas formas de grande beleza – como a evolução forjou a grande quantidade de criaturas que habitam o nosso planeta



Você já parou pra pensar como todos os organismos ficam com suas formas? Confesso que não é um tipo de pergunta corriqueira que costumamos nos fazer. Especialmente se você pensar nisso de maneira mecanicista, sem optar por algum agente sobrenatural que decida por capricho colocar uma asa a mais aqui ou ali. Sabemos de forma geral, que a estrutura de um organismo vai se formando, e visualizamos isso no processo embrionário. Certo, concordamos com isso. Mas por que justamente o braço fica naquela exata posição? Ela não poderia simplesmente se desenvolver depois das pernas, ou na altura da barriga? Quem dá as ordens para que as coisas sejam do jeito que é? Este é justamente o livro que você deve procurar, para começar a entender esse magnífico mecanismo.

O autor é um geneticista americano, Sean B. Carroll. Difícil pensar em um profissional melhor para explicar como um corpo, seja humano ou animal, é construído com base em ordens químicas dadas por genes, que são ligados e desligados seguindo uma complexa e ainda não muito bem compreendida estrutura organizacional. Essa se torna a essência do livro.

Reconheço que o leitor que não está familiarizado com conceitos básicos de biologia vai ter uma certa dificuldade de acompanhar o raciocínio do autor, e sua avalanche de dados. É uma obra bem detalhada, ricamente ilustrada com figuras preto e branca e coloridas. Carroll passeia desde embriões humanos, animais, expressão gênica e paleontologia, para construir sua narrativa desafiadora de tentar explicar as ordens biológicas por trás da diversidade da vida. Leitura e silenciamento de genes, proteínas, comunicação entre as células e até mesmo aberrações e descobertas inesperadas são fartamente explorados no seu esforço de fazer entender o complexo mecanismo de construção biológica. Não é um assunto fácil, e ele sabe disso.

Ele recorre a explicações desde como surgem as listras em uma zebra, até as imagens surreais sobre as asas das borboletas. E faz essas escolhas à dedo. O livro é munido com uma certeira bibliografia especializada (artigos científicos publicados em periódicos) que fornece a base de todos os seus exemplos. Ora e meia, ele aparece com uma história aqui e ali, para quebrar a tensão do que seria uma narrativa pesadamente científica.

O autor se esforça em escrever da maneira menos pesada possível, o que é um verdadeiro desafio, especialmente quando ele se vê obrigado a trabalhar com muitas palavras específicas da área. Mesmo com sua vasta experiência, Carroll não acerta sempre em manter a narrativa com vigor, e o que pode tornar o texto cansativo em alguns momentos. Não é todo leitor curioso por ciência que vai ter paciência para se aventurar em mais de duas centenas de páginas sobre a construção dos organismos. É um terreno árido, com muitas perguntas sem respostas, e ele mesmo reconhece isso. Mas para quem quer dar os primeiros passos neste intrigante enigma da vida, esta é a obra certa.

Editada pela Zahar, as folhas são brancas, mas não brilham muito, com uma tipografia fina, mas com um espaçamento ligeiramente estreito. Em algumas páginas, percebe-se as letras um pouco mais claras, mas não chega a ser um desconforto. O livro é bem trabalhado em seus parágrafos, com poucas páginas com texto continuado. A grande quantidade de ilustrações auxilia a dar um ar menos pesado à obra, lhe conferindo inclusive uma certa graça.

sábado, 10 de agosto de 2019

Ignorância - como ela impulsiona a ciência



Quando comecei minha carreira acadêmica para me tornar um pesquisador, minha interpretação clara do que eu estava sendo treinado para fazer era justamente combater a ignorância. Como cientista, as pesquisas servem para esclarecer, e desta forma para lançar luz onde antes haviam trevas, onde reinava o desconhecido. De certa forma, a ausência de conhecimento, a ignorância, é a inimiga. Nesta obra, Stuart Firestein nos apresenta uma visão muito original e bem mais conciliatória: ao invés de enxergarmos a ciência e a ignorância como dois países em guerra, Firestein propõe, digamos, um armistício, que culmina no final das negociações com um tratado de paz e o estabelecimento de relações diplomáticas otimistas.

Confesso que fiquei muito curioso com o título e subtítulo, e foi a escolha certa de ambos que me motivou a adquirir o volume. E admito que foi um excelente investimento. É uma obra realmente original, e casada com um estilo suave que carrega o leitor de forma cadenciada ao longo de um curto trajeto de menos de duzentas páginas. E eu devo reconhecer que o assunto dá muito pano para manga. Firestein sabe disso muito bem, e pode-se notar o seu esforço em desenvolver a ideia de maneira breve e suave, sem incorrer em um volume pesado ou cansativo demais para o leitor que está meramente curioso para entender a proposta do livro.

E é na proposta que está o trunfo. Nela, a ignorância é abordada como sendo o processo motor do conhecimento, a principal peça a partir da qual surgem as diferentes formas para se descobrir os mecanismos da natureza. A parte inicial do livro procura apresentar o leitor a ignorância como sendo uma espécie de mola para impulsionar a curiosidade. Ela é que valoriza o conhecimento, à medida que atrai a mente, a curiosidade e a criatividade humana. Não posso deixar de lembrar da excelente propaganda do Canal Futura, quando afirma que "não são as respostas que movem o mundo. São as perguntas". E a obra de Firestein é uma estrondosa afirmação desta sentença.

Para ajudar o leitor a se situar melhor, a narrativa passeia nas incertezas e seus diferentes níveis como elementos fundamentais da ignorância. Ele sempre faz questão de deixar claro que o desconhecido, as dúvidas, a impossibilidade de ter absoluta segurança sobre algum tipo de informação pode até provocar um sentimento perfeitamente natural e instintivo de incômodo, mas que isso é o botão que aguça a curiosidade. O texto nos convida a esta reflexão com leveza. E lança diversos tipos de exemplos para se tornar mais claro. Você vai se deparar com histórias que provavelmente já conhece, mas contadas sob a lente positiva enaltecendo o desconhecido como uma ignorância motivadora para a pesquisa.

E é neste ponto que a obra atinge seu auge. O cientista é apresentado como um profissional cuja fonte de trabalho é justamente a ignorância. Comenta sobre se "medir" o desconhecido na forma de projetos de pesquisa que precisam dar resultados "esperados", e como isso tolhe o processo criativo, que é a vitamina do pesquisador. Poucos textos são capazes de tratar deste tema com a sutileza e tato de Firestein, que nos apresenta a ciência acadêmica como é vista hoje, e como ela poderia (ou deveria) ser.

Depois, ele se dedica a contar histórias de cientistas e pesquisas, destacando como as dúvidas e inseguranças motivaram as descobertas, sempre de forma muito clara e agradável. Por fim, Firestein conta de seu tardio ingresso na vida acadêmica por causa de sua inusitada ocupação anterior (um história daquelas que vale muito a pena ser lida) justamente destacando elementos atrelados com incertezas, sorte e oportunidades na vida. Acho que todo cientista vai se identificar bastante com a trajetória de Firestein. Quando penso no final do livro como apenas mais um fechamento de uma obra qualquer, somos agraciados com quatro páginas sobre percepção pública de ciência e educação. Isso é o que eu chamo de "fechar com chave de ouro".

Impresso pela Cia das Letras em parceria com o Instituto Serrapilheira (confesso que estou muito ansioso com o que esta parceria promete, em relação a livros de ciência), a tipografia é confortável, impressa sobre papel amarelado fosco. O tamanho e volume são especialmente atraentes, sendo um convite tentador para a leitura casual em qualquer ambiente. É uma obra que vai lhe deixar pensativo por algum tempo, com um ligeiro sorriso nos lábios.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Muito Além de Nosso Eu - a nova neurociência que une cérebro e máquinas, e como ela pode mudar nossas vidas



Dois motivos fortes me impulsionaram para ler este livro. 

O primeiro deles é meu natural interesse pela mente humana e pelo cérebro. Sempre quis saber os detalhes do funcionamento do pensamento. Acho fascinante como nossa consciência, memória e demais atributos (positivos e negativos) de quem somos são formados por uma infinidade de células cerebrais trabalhando à todo vapor e em uníssono, para produzir aquilo que estamos acostumados a reconhecer como nós mesmos. Esperava encontrar um vislumbre disso no livro. 

O segundo motivo é seu autor. Miguel Nicolelis é talvez um dos pesquisadores brasileiros mais renomados no exterior, e suas contribuições para a neurociência muitas vezes ocuparam horários nobres na televisão e páginas e mais páginas de noticiários. Talvez seja um dos poucos cientistas a quem poderíamos atribuir, sem exagero, o milagroso dom de fazer "paralíticos andarem". Ao escrever essas linhas, não posso deixar de lembrar do seu exoesqueleto, uma verdadeira revolução tecnológica e médica, que permitira um paraplégico se levantar e realizar um chute numa bola. Era para ser o momento apoteótico da ciência na abertura da Copa do Mundo de 2014 no Rio de Janeiro, se a cena não tivesse sido tão miseravelmente escanteada pela filmagem oficial do evento. Uma lástima.

Mas vamos ao que interessa. O livro começa com Nicolelis e termina com Nicolelis, por assim dizer. A primeira parte ele descreve, na primeira pessoa, os seus primeiros momentos como estudante, e sua decisão de estudar o cérebro. É um relato muito cativante do início de sua trajetória. Em seguida a narrativa começa a traçar uma espetacular história do estudo do sistema nervoso, partindo da identificação e descrição dos neurônios, e seguindo paulatinamente com a evolução da neurociência. A leitura flui muito agradável e quase não se nota o tamanho que ela ocupa em toda obra. A história é recheada de explicações e adornadas com o contexto de cada descoberta científica na área. O leitor acostumado com essa narrativa não vai se desapontar.

Neste momento, Nicolelis começa a enveredar pelas modestas descobertas individuais sobre como o cérebro capta as informações do exterior e as processa em movimentos. Inclusive de um experimento muito original, o da mão de borracha. Cada uma das descobertas descritas por ele (ora feita por terceiros, ora feita pela sua equipe) são peças de uma espécie de um quebra-cabeça científico. É muito sutil o momento em que a história da neurociência se confunde com a própria trajetória de Nicolelis, de sua equipe e de suas pesquisas. Com novas evidências aqui e ali, ele vai preparando o terreno para seu ambicioso projeto. E ela é contada com muito esmero, muitos dados e muitos resultados. É agradável de acompanhar a construção da ideia da interação entre o cérebro e o computador, da forma como o texto foi desenvolvido. E você aprende muito sobre detalhes do funcionamento e da transmissão de informações sinápticas, que dificilmente prestaria atenção em uma aula tradicional de biologia.

A obra finaliza com otimismo. As descobertas sobre o cérebro e como o mesmo transmite suas informações, seja para o corpo, seja para um computador, são apresentadas como uma nova página da história da biologia, e o exoesqueleto que promete fazer um paraplégico andar é ilustrado no final. Tipografia elegante e confortável à leitura, páginas amareladas (minhas preferidas) com alguns encartes coloridos. É um livro bem trabalhado e seduz o leitor mais exigente por uma literatura que seja um misto de história e informação. 

Se seu exoesqueleto não fez o gol que merecia na Copa, pode ter certeza que seu livro fez.


segunda-feira, 5 de agosto de 2019

A Criação – como salvar a vida na Terra



Edward O. Wilson não é só um grande e respeitável entomologista, como também um excelente contador de histórias. Décadas de experiência dedicadas à escrita científica lhe deram um renome acadêmico invejável, ao mesmo tempo que burilou seu domínio sobre a caneta, quando se trata de escrita para o público geral.

Sua obra é um belo passeio pela diversidade biológica, feitas pelos seus olhos experientes a afiados, que aprenderam com os anos a selecionar episódios da vida animal com uma lente muito exclusiva, e ao mesmo tempo certeira. Mesclando histórias de descobertas com curiosidades do mundo animal, Wilson passeia com maestria na narrativa essencialmente biológica, que tende a agradar a maioria dos leitores curiosos por saber um pouco mais sobre os animais. Em muitos momentos, não parece que você está lendo um livro. Parece que você está assistindo a um documentário da BBC.

O livro segue uma sequência maravilhosamente bem planejada. Esta primeira parte é justamente para deslumbrar. E o melhor de tudo, é que muito do que ele conta foi testemunhado em primeira mão. Logo damos de cara com um autor que sabe realmente do que está falando. E ele faz isso com um propósito, que é mostrar ao leitor a beleza do mundo natural.

Depois de fascinar o leitor com estes cenários e suas histórias, suavemente escritas e sem pressa, Wilson escancara que tudo está correndo um sério risco. A ação humana desenfreada é o motivo da redução drástica de toda a exuberante história natural que ele estava apresentando. Ciente da seriedade do assunto, mas sem ser chocante, Wilson apresenta com algum otimismo certos passos que podem nos ajudar a entender melhor o mundo biológico, com uma série de recomendações para despertar nas pessoas o mesmo interesse pelo mundo natural que ele conseguiu despertar no leitor, com sua narrativa aconchegante. Neste momento, o livro chega a ser filosófico, mas em nenhum instante ele perde sua magia. A mensagem final é passada, não com pessimismo, mas como uma advertência, para que cuidemos melhor do planeta.

Wilson escreve muito bem e parece ter pego o gosto de escrever para o público. Rege o texto com cadência e prende a atenção. O livro é relativamente pequeno, com algumas ilustrações e tipografia confortável. Folhas amareladas, como é o estilo da Cia das Letras. Ela lançou outras obras do autor, que em breve vão aparecer aqui no blog.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

O Efeito Lúcifer - como pessoas boas se tornam más


No final da Segunda Guerra Mundial, os aliados aprisionaram diversos figurões nazistas, incluindo muitos oficiais do exército, e muita gente diretamente envolvida com a execução da famigerada Solução Final. Em entrevistas com psicólogos, fizeram uma perturbadora descoberta: estes mesmos oficiais que davam as ordens fatais para o assassinato em massa de homens, mulheres, crianças e idosos, também eram excelentes pais de família, atenciosos com suas esposas, carinhosos com suas crianças, exemplares cidadãos da comunidade. Alguém de quem você nunca suspeitaria que fosse capaz de executar friamente uma massa enorme de gente inofensiva, indefesa e apavorada. Como isso é possível?

O Efeito Lúcifer é o nome dado para esta aparente incongruência. E o livro que recebe o nome tem a assinatura do psicólogo Philip Zimbardo. O gigantesco volume (mais de setecentas páginas) procura mostrar como e por que pessoas ditas normais, com nenhum histórico que a desabone em termos de civilidade, pode se prestar a cometer os mais vis e condenáveis atos de covardia. Zimbardo inicia seu livro deslizando graciosamente nesta discussão, mas o grosso ainda está por vir.

Zimbardo escreve com detalhes a realização de um experimento que se tornou famoso pelos seus resultados polêmicos. Impressionado com a fria obediência de centenas de oficiais nazistas em executar ordens tão questionáveis, ele decidiu testar se pessoas psicologicamente saudáveis e estáveis dariam vazão a algum tipo de abuso ou desejo sádico de infligir humilhação caso fossem colocadas em uma posição de autoridade. Selecionou estudantes e simulou um ambiente de prisão, dividindo os voluntários entre carcereiros e prisioneiros, nos porões da Universidade. Os resultados do famigerado "Experimento de Aprisionamento de Standford" foram bem descritos e muitos diálogos estão fielmente transcritos no livro. Dá pra se ter uma boa ideia do que realmente aconteceu nestes experimento. O livro segue então a uma análise profunda do episódio, com direito a uma enxurrada de interpretações.

A meu ver, essa polêmica história seria suficiente para considerar o livro completo. Mas há uma segunda parte, que inclui o papel de Zimbardo como contratado pelo governo americano, para investigar um tipo parecido de abuso. Foram divulgadas, em 2004, uma série de fotos de militares americanos submetendo prisioneiros iraquianos as mais cruéis e doentias formas de humilhação. A prisão de Abu Ghraib foi o palco de torturas por afogamento, práticas de aterrorizar prisioneiros nus e algemados diante de cães de segurança atiçados, e simulações de orgias e outras posições sexuais, o que é uma imensa desgraça moral para homens religiosos. Para a surpresa de todos, os oficiais envolvidos tinham um histórico excelente, alguns deles condecorados inclusive. Zimbardo descreve como foi entrevistar e entender as motivações e as forças que agiram nestes oficiais americanos, para que pudesse se deixar levar por sentimentos tão bestiais, à luz inclusive de sua própria experiência em Standford.

É um livro provocador. Ele lhe revela uma faceta da natureza humana que preferimos deixar escondida, ou evitar encarar a qualquer custo. Mas o simples fato de você saber que há elementos psicológicos latentes que podem despertar ações tão absurdas e paradoxais lhe auxilia a entender um pouco mais a natureza humana. É um livro que fica na mente por alguns dias, depois de fechar a última página. Poucas obras são fortes assim.

Impresso pela Record, usa tipografia elegante com letras pequenas, estendendo bastante o comprimento das linhas. Quem curte anotar nas bordas da folha, vai ter alguma dificuldade com este livro. Folhas amareladas e foscas, não brilham ou ofuscam durante a leitura. Recomendo fortemente a obra.

Ciência e Pseudociência – por que acreditamos apenas naquilo em que queremos acreditar



E aí? Você sabe diferenciar ciência de pseudociência? Se ainda não, é uma boa oportunidade de livro que vai lhe dar uma amostra das principais diferenças de uma e de outra.

O livro do psicólogo Ronaldo Pilati é um pouco pretensioso, em relação ao que promete. Mas isso não o desabona, e tão pouco o torna dispensável. Curto e leve, a obra merece seu lugar em um mundo onde a informação pode ser transmitida de forma mais direta e objetiva. Se você tem uma curiosidade ligeira sobre o que é ciência e pseudociência, gostaria de ler um pouco sobre como pensamos e de que forma nossa mente está organizada para aceitar de primeira informações pseudocientíficas, eu recomento esta obra. Ela não é definitiva nem profunda, e aposto que o autor não quis realmente que fosse isso. Ele foi muito razoável em construir uma narrativa que pudesse ser facilmente acessível e direta sobre o assunto que ele aborda. E tem sucesso nesta empreitada.

A obra é dividida em capítulos bem pensados, e cada uma mereceria, por si só, um volume à parte, de tão abrangente que é. O autor merece crédito por conseguir reduzir bastante sua escrita para apresentar somente os elementos básicos essenciais para criar o livro. Primeiramente, ele emplaca sobre a natureza e base do que nos faz crer, e a partir daí sobre a natureza do conhecimento, incluindo então a ciência não como corpo de conhecimento, mas processo de construção de conhecimento vinculado a um método. Ponto positivo para o autor. Ele consegue abordar sobre o que é ciência, aludindo a filósofos como Bunge e Popper, de forma bastante sintética, o que seria um desafio e tanto para muitos outros escritores.

Depois, ele parte para a psicologia da crença, como nós humanos funcionamos em relação a isso. Nossos processos falhos de apreensão de informação, e como somos tão facilmente tapeados pelo universo de dados que existem no mundo. O problema não são as fontes, mas sim como nosso cérebro interpreta, e como ele decide escolher quais as mais confiáveis. Neste ponto, Pilati nos apresenta o fascínio com que as pseudociências conseguem seduzir a muitos, e de certa forma nos apresenta as ferramentas para reconhecer essas propagandas enganosas. É um livro que lhe arma contra charlatanice.

Seguindo, destaca como as crenças pseudocientíficas começam a adentrar em ambientes onde por definição elas não poderiam ter espaço: as universidades. E isso é um excelente alerta que o autor nos fornece. Novamente, ele escancara o perigo de um discurso floreado, eloquente e sedutor, cheio de mentiras e inverdades, que podem dominar plateias inteiras que não estiverem atinadas com as técnicas de reconhecimento de falácias. É uma advertência e tanto, especialmente para jovens cientistas.

A conclusão do livro é uma reflexão sobre o que é ciência e por que ela é tão importante para que todos (isso mesmo, não só cientistas e pesquisadores, mas TODOS) devam pelo menos ter noções básicas de como funciona o método científico. Sua importância para nossa sociedade altamente dependente de tecnologia, e por mais que o método tenha lá suas lacunas, ele ainda é o melhor caminho para se entender como o mundo funciona.

Pilati bebe nas melhores fontes de divulgação científica disponíveis em português. Consultou Dawkins, Harris, Chalmers, Damásio, Mlodinow, Pinker, Shermer, Sagan, dentre outros (alguns destes inclusive vocês verão resenhados aqui posteriormente). A editora Contexto produziu um livro de tamanho confortável e leve, com uma tipografia ajustada para um texto majoritariamente contínuo. É uma obra que eu recomendo para quem quiser começar (isso mesmo, começar) a entender as diferenças entre ciência e o que se alega ser ciência. Depois, pode consultar a bibliografia citada, para encontrar autores que abordam o assunto de forma mais profunda.

A História de Quando Éramos Peixes – uma revolucionária teoria sobre a origem do corpo humano



Confesso que toda vez que eu vejo a palavra “revolucionária teoria” fico com os dois pés atrás.
Demorei muito, muito mesmo, para compreender o básico sobre evolução. Li artigos científicos, capítulos de livros e autores renomados, para conseguir integrar boa parte das nuances que norteiam o tão injustamente plagiado conceito de evolução. Então quando alguém diz que tem uma “nova teoria” ou “teoria revolucionária”, meu principal impulso é que o autor sinceramente não entendeu o que é evolução, e está agora tentando tornar pública suas próprias ideias sobre o assunto. E dessa literatura, quero distância. Mesmo hesitante, tomei o livro nas mãos e fui folhear.

Minha boa surpresa foi que o livro é ilustrado com figuras bem reconhecidas de quem conhece biologia. Anatomia, paleontologia, embriologia. É difícil um livro contendo barbaridades biológicas recorrer a essas figuras, que muitos podem considerar pouco chamativas. Depois fui no autor (deveria ter feito isso antes). Neil Shubin é professor de anatomia e paleontólogo por formação. Fiquei surpreso ao saber que ele é um dos descobridores do fóssil Tiktaalik, uma espécie de figura chave no processo de transição do ambiente aquático para o terrestre. Folheei uma e outra página, li duas ou três, em ordem aleatória (faço isso para ver o estilo do escritor) e decidi investir.

A paleontologia simplesmente reina o tempo todo. Confesso que não me foi agradável por boas páginas, apesar do estilo equilibrado de balancear fatos e descrições. Sítios arqueológicos, fósseis em laboratório, troca de ideias e apoio de outros cientistas tornam a narrativa quase romanceada. É como se fosse um roteiro de suas próprias pesquisas. E intercalado com noções básicas sobre genes, hereditariedade, e processo de formação das estruturas anatômicas. Esta última, por exemplo, é muito atraente. Se quiser saber como um gene pode ligar ou desligar, rearrumar ou deformar um apêndice, como uma asa ou uma nadadeira, esse livro lhe dará uma boa ideia disso. O achei útil inclusive para geneticistas em formação. Às vezes, uma visão simplificada do todo pode ser uma alavanca muito útil para que especialistas tenham uma compreensão global do que estudam.

Na segunda parte da obra, a coisa muda de figura (para melhor). Ele nos apresenta um tutorial de como se construir um corpo, de forma bem superficial, mas envolvida numa simplicidade incrível. Passeia delicadamente entre genes, expressão gênica e embriologia. Com a forte base paleontológica e buscando muito em anatomia comparada, Shubin destrincha a biologia do desenvolvimento dos sentidos. Especial atenção aqui para a visão e audição, e seus respectivos órgãos em peixes e répteis. Talvez o que torne sua leitura mais complicada é o recorrente uso de nomes de genes, que são bastante pouco intuitivos para este tipo de narrativa, intercalado com informes históricos tão breves que poderiam ter ficado de fora sem prejuízo algum para a obra. No final, o autor aponta elementos de nosso cotidiano, como hérnia e doenças cardíacas, às modificações de estruturas muito mais primitivas encontradas em outros animais, como resultado do processo adaptativo.

Enfim, o “revolucionária teoria” na verdade foi um alarme falso. É um livro agradável publicado pela Elsevier, curto mais bem informativo. Se concentra demasiadamente em paleontologia e aborda de forma relativamente confortável (poderia ter sido até mais) a embriologia e a origem da formação de um corpo animal. Não é um livro que marca e que você recorra rotineiramente para ele, mas vale a pena a leitura.

Isto é Biologia – a ciência do mundo vivo



Esta é para você, que é biólogo.

Ernst Mayr foi o maior biólogo do século XX. Isso é quase que uma unanimidade. Ele foi um cientista altamente produtivo, um ornitólogo respeitável e um dos protagonistas da grande síntese evolutiva (ou por outros nomes parecidos), uma conciliação de ideias que unificou a seleção natural e a genética como processos da evolução. Os genes passam a ser, neste momento, as unidades-base sobre a qual a evolução age.

Se isso não fosse pouco, Mayr ainda se tornou um grande defensor da biologia como ciência. Defendeu que a biologia merece uma filosofia da ciência própria, diferente da filosofia geral da ciência com um viés mais inclinado para as ciências exatas, uma vez que foram encabeçadas muitas vezes por matemáticos. Mas isso merece uma discussão à parte. E o local não é este.

O livro é um grande ensaio, ilustrado com fatos e referências histórias para construir a narrativa. Agora é o ensaio de um homem que viveu mais de 100 anos, lúcido e sagaz como um homem de meia idade. Para chegar a uma defesa e apologia à biologia, ele precisa seguir alguns passos na ordem certa. Primeiramente, ele aborda a complexidade do conceito de vida, sem se aprofundar em consequências filosóficas ou metafísicas muito profundas que esse assunto tende a abordar, o que tornaria a leitura mais incômoda para leigos. Mayr sabe bem o que quer nesta hora, e dosa perfeitamente onde chegar.

Depois ele nos apresenta uma visão um tanto resumida sobre ciência. Não é seu papel aqui detalhar o conceito – o que pode desapontar alguns leitores – mas ele abrange assuntos chaves, como a diferença de fatos e teorias, e a ciência e o cientista. Somente depois destas duas abordagens, ele nos apresente a biologia explicando o mundo natural e o mundo vivo, em dois capítulos primorosos pela simplicidade. Como não poderia ser diferente, a evolução biológica é uma constante na obra do autor. E ele a compreende muito bem.

Mayr então nos presenteia com três capítulos que deveriam ser de leitura obrigatória para todo aluno de biologia: as perguntas do tipo “O quê”, “Como” e “Por quê”, destacando as diferentes abordagens que a biologia pode ter para entender o mundo vivo e natural. Para cientistas em formação, ou curiosos de como a biologia pode ser ampla o suficiente para abarcar um grande número de questões. Sua abordagem pincela momentos de descobertas biológicas desde conceitos e ideias sobre ecologia e dinâmica de populações, até a revolução da biologia molecular. É um presente para quem quer vislumbrar, em poucas páginas, as maravilhas da biologia.

Na parte final, Mayr se volta para o homem. Não como um elemento à parte, mas como apenas mais uma espécie na biodiversidade. Só que sua abordagem começa desmistificando o conceito de ser humano como acima de outros seres vivos. Nota-se aqui o conforto com que Mayr discorre sobre o assunto. Volta às raízes biológicas da ética, moralidade, sociedade, e tudo que supostamente nos faria seres diferentes de outras espécies, fazendo cair por terra qualquer ideia de criação à parte. É um texto de pura humildade.

Publicado pela Companhia das Letras, papel amarelado e tipografia super confortável, é um livro de pequeno porte para leituras em parques, no ônibus ou na sacada de uma varanda. Recomendo que não o leia com pressa. Se deixe envolver e aproveite o discurso bem trabalhado de um dos maiores biólogos de todos os tempos.

Imposturas Intelectuais – O abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos



Este livro chama realmente a atenção, para saber um pouco mais do uso indevido de jargões científicos aplicados da pior maneira possível nas mais deformadas argumentações. E é um livro no mínimo corajoso, porque ele ataca sem dó nem piedade alguns filósofos de renome, inclusive.

Ele começa com uma pegadinha. Um dos autores, Alan Sokal, consegue publicar um artigo científico com um título que deve fazer você franzir sua testa: “transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica”. O artigo é recheado de nada com coisa alguma, misturado com muitas frases bonitas e bem rebuscadas, dando a entender que apresentam um significado profundo, quando realmente não é isso. O artigo (que vem de “brinde” no apêndice do livro) não beira o absurdo, como se fosse um pato empalhado no teto solar de um carro. Não, ele é bem trabalhado para dar a ideia de profundidade intelectual. Para um leitor menos avisado, ele seria um “poço de sapiência”. Mas parando para ler com cuidado, examinando cada frase e seu contexto, você encontra a profundidade de uma folha de papel.

Com essa brincadeira, Sokal se sente estimulado, junto com o outro autor da obra, Jean Bricmont, a lançar uma ofensiva contra filósofos que abusam de forma absurda de linguajar tipicamente técnico-científico para tentar passar ideias complexas, quase ininteligíveis, usando elementos que eles julgam adequados. Na verdade, não são.

Os autores abordam os filósofos nominalmente, e destrincham os textos originais, apontando como conceitos científicos muito mais complexos e menos claros são reinterpretados para se encaixarem no discurso argumentativo. E como eles estão errados. Conceitos de física como “relativismo” e “incerteza” são praticamente estuprados, perdendo seu significado original sendo tomados emprestados para definições completamente adversas. Para você ter uma ideia, dois dos filósofos trabalhados na obra são Jacques Lacan e Bruno Latour.

Não pouco, até mesmo elementos de física mais precisos, como geometria fractal, são usados no discurso e empurrados para justificar ou fazer compreender qualquer que seja a ideia que queiram passar. Tudo, menos seu significado original. Ao ler o livro, você até entende o esforço dos filósofos em tentar se fazer compreender (diz-se que só se é possível filosofar em alemão, devido ao enorme poder aglutinante das palavras, que permite uma maior capacidade de unir definições que normalmente não se encontrariam juntas, facilitando assim a maneira de expressar ideias novas, mas pouco objetivas), mas a deturpação de conceitos emprestados de outras ciências é um desserviço.

 O livro contém citações precisas dos filósofos, onde a parte engraçada é quando os autores da obra reconhecem não entenderem absolutamente nada do que foi escrito (ambos são físicos de formação), mesmo quando palavras técnicas de física são usadas. Eles inclusive se esforçam, no limite do que uma obra para um público leigo permite, a esclarecer realmente o que cada expressão e formulação de ideias de física e matemática querem dizer, e como elas foram deformadas.

É um livro de advertência, no final. Um livro que propõe realçar seu pensamento crítico quanto as coisas que você lê, e como podemos ser facilmente seduzidos por um discurso tão belo quanto vazio. Precisa ficar claro que a obra não declara guerra contra a filosofia pós-moderna, mas fica como um modesto lembrete de que a deturpação de conceitos científicos, mesmo com a melhor das intenções, pode fazer mais mal do que bem.

Com relativamente pouco texto corrido, intercalado por citações, a impressão é modesta. A tipografia não é elegante, e parece ser propositadamente um pouco grosseira. As páginas são amareladas e confortáveis para leitura em ambiente iluminado. O espaço entre-linhas poderia se um pouco maior, para ser mais confortável à leitura continuada. Tirando isso, é uma obra que vale a pena ser lida e consultada. É um recado constante na sua prateleira, de que ainda há muitas imposturas intelectuais por aí.

A era da Empatia – lições da natureza para uma sociedade mais gentil



O que posso dizer do livro é que ele no mínimo nos presenteia com uma visão bem inclusiva de nossas emoções mais profundas. É um livro que nos aproxima, na melhor e na pior das maneiras, das outras espécies animais.

Frans de Waal é um biólogo e etologista, especializado em primatas. Foi no decorrer de sua experiência com chimpanzés, usando sagacidade e perspicácia científica como poucos, elaborou experimentos que resolveram boas e intrigantes perguntas. E foi isso que lhe deu a munição que faltava para escrever essa obra.

O livro entrega o que promete. E o leitor não se arrepende. Ele pretende mostrar, embasado em uma respeitável quantidade de artigos científicos que estão nas referências, e um bocado de biologia, que nossos sentimentos de altruísmo, compaixão, justiça e empatia, não são meros produtos da evolução da sociedade humana. Ela tem raízes muito mais profundas, muito mais biológicas. E é este ponto um dos trunfos da obra: escavar as bases da nossa sociedade, escondidas nos genes de outros organismos tão socialmente sofisticados quanto nós mesmos.

A obra começa com uma visão rápida sobre registros de ações de animais que beiram ao emocional, como medo, apreensão, cooperação. E as reações humanas diante destes sentimentos. Destaco um parêntese aqui, pois bem sabemos que tanto a crueldade como a insensibilidade sobre o bem estar animal vem de longa data, e muito se deve à ideia medieval de que suas reações à afabilidade e agressões humanas foram consideradas processos mecânicos, onde conceitos como dor e sofrimento não cabiam. De Waal, por outro lado, destaca alguns registros onde as pessoas emocionalmente se sentem próximas a certos indivíduos não humanos.

Depois ele entra com uma boa dose de conceitos evolutivos darwinianos, para localizar o leitor nas bases do mecanismo de hereditariedade, comuns em todas as espécies. Neste ponto, é clara a mensagem: “se somos assim por algum caminho, eles também devem ser”.

Boa parte do corpo do texto é preenchida com experimentos em animais que mostram como eles são incrivelmente parecidos conosco. Eles são descritos o suficientemente bem para fazer o leitor compreender o propósito da pesquisa, sem as pesadas partes chatas atreladas a uma pesquisa científica. E as compara, em muitas vezes, com as reações infantis de crianças, notadamente semelhantes. Exemplos de aparente reconhecimento e importância com o que outro indivíduo está sentindo, cooperação e conceitos básicos de justiça – receber um valor justo por algum trabalho executado – são descritos no livro. Elefantes, macacos-prego, chimpanzés e golfinhos reinam nas linhas traçadas pelo autor.

No final, o autor discorre sobre nossas proximidades. E sugere que os sentimentos empáticos não são uma exceção, mas uma regra. É uma conclusão esperançosa com base nas forças evolutivas que nos moldaram como espécies há milhares de anos, conservadas e reconhecidas em muitas outras espécies com a qual convivemos hoje. O texto é gracioso, bem construído e leve. A leitura flui com tranquilidade, e o livro apresenta algumas modestas ilustrações. É um volume que faz uma afago na alma, mostrando como a ciência nos ajuda a entender as raízes de nossos sentimentos.