Eis um assunto difícil de tratar. E não é por causa do grande número
de livros que se propõe a tratar do tema, mas especialmente das maneira
diferentes que eles podem ser conduzidos. Ou pelo menos das diferentes formas
que eles dizem apresentar esta história. Pois bem, chegou a vez da historiadora
inglesa Patricia Fara ter sua chance.
A história da ciência se confunde e muito com a própria história
humana. É muito complicado você elencar os principais episódios, os grandes
saltos intelectuais e desenvolvimento do método científico para escrever tudo
de maneira fluida, contínua e razoável. Muitos autores podem até recorrer a
infindáveis vai-e-vem na história para poder situar melhor a importância de um
ou outro evento de destaque. E isso não ajuda realmente com a linearidade de se
tratar do assunto. Fora que é comum que certos autores dão preferência às suas
próprias áreas, quando são matemáticos, físicos ou astrônomos que se propõem a
falar de ciência. Cada um puxando a sardinha para seu lado. Não digo que isso é
necessariamente errado (eu mesmo não sei se o faria) mas com certeza isto tem a
particularidade de criar um nicho próprio de leitores, em detrimento de outros.
Então, o que esperar de uma historiadora?
Ela consegue identificar este problema, e logo nas primeiras páginas
reconhece que é uma tarefa árdua que culmina em uma decisão individual. Foi um
espetáculo encontrar a frase em destaque "a ciência não tem um início definido, e cada historiador deve escolher
seu ponto de partida". Então, vemos alguém demonstrando bom senso na
hora de começar a escrever, reconhecendo inclusive que a história da ciência
depende muito da geografia e dos povos que começaram a se indagar sobre o mundo.
E isso, posso assegurar, é um bálsamo. Não exagero em dizer que cinquenta por
cento de minha decisão de ler o livro se deve a esta frase singela pouco
pretenciosa. Mas vamos ao ponto, e o que este volume nos apresenta?
O livro começa no princípio quando as civilizações diferentes
começaram a fazer abordagens mais práticas sobre o mundo. Um ensaio que tem uma
concentração na Babilônia, com uma boa dose de geometria, astronomia e a
própria vida. Quando estas questões começaram a se fazer sentir nas pessoas, e
aconteceram em um momento e lugares certos para cair em solo fértil. Dividido
em partes, a segunda merece um destaque à parte. Dentre todas as obras do
gênero, é uma das poucas que pelo menos pincela o surgimento de alguma
tecnologia e um princípio de pensamento científico (ainda que germinal) na Ásia
e no mundo muçulmano. Aqui nós damos uma escapada rápida do viés eurocêntrico
das abordagens históricas.
O livro continua no seu ritmo descritivo, se concentrando mais no
impacto das descobertas e das perguntas sobre o pensamento e a forma de
enxergar das pessoas. O livro está recheado de política e geografia e seus
impactos e efeitos sobre a aceitação ou negação de novas tecnologias,
investimentos e na própria sociedade. Então nos deparamos com um livro que foge
um pouco à regra, de resumir a história da ciência nas descobertas, e não em
seus efeitos sobre as pessoas. E eu confesso que achei isso ótimo. As
descobertas, as novas perguntas, as tecnologias e seu impacto na sociedade
basicamente guiam toda a narrativa, e assim fica mais fácil de entender como
certos tipos de pensamentos foram capazes de surgir e se desenvolver em determinadas
épocas, e em outras não. E note que esta abordagem dá menos destaque à
contribuição individual do cientista propriamente dito, mas sim nos efeitos
provocados pela descoberta e pela nova forma de pensar. Um trunfo.
Seguindo neste caminho, a história da ciência flui com graciosidade.
Preciso destacar aqui um episódio que é abordado pela autora, que quase ninguém
cita: a importância das sociedades científicas na popularização e fundamentação
da ciência sobre a sociedade. E neste viés, chegamos à revolução industrial, às
guerras e por fim às polêmicas geradas sobre nossas descobertas, com uma pitada
de filosofia e impacto da ciência na sociedade moderna.
Publicado pela Editora Fundamento, o livro de pouco mais de
quatrocentas páginas é agradável e escrito num linguajar simples, sem
rebuscados. Folhas foscas e tamanho razoável, com espaçamento simples e fonte
agradável de leitura. Destacam-se os quadros com frases mais importantes da
página e ilustrado com gravuras e esquemas em preto e branco. Posso dizer que é
uma verdadeira e bem balanceada história da ciência.