quarta-feira, 29 de junho de 2022

Galileu e os negadores da ciência

 


Esse foi o primeiro volume sobre ciência que eu li no Kindle. E não é por falta de opções. Ainda tenho uma boa pilha de livros para ler e resenhar, todos aguardando seu tempo. Mas não posso deixar de mencionar essa obra fascinante sobre um cientista tão pouco conhecido, e isso ainda em 2022.

Mário Lívio não é um novato no ramo da escrita de textos com cunho científico. Já carrega sobre os ombros uma boa experiência de obras anteriores, e abraçou um flanco ainda pouco explorado entre os autores de ciência, que é a própria história da ciência e seus personagens. Impossível falar de Galileu sem mencionar suas realizações e como seus livros impactaram a sociedade na época. E o alto preço que ele pagou por causa disso.

Em muitos textos que já li, atribuem com frequência Galileu como uma das principais figuras na construção da ciência moderna. Uma ciência muito experimental e regada com observações sutis sobre o mundo. Podemos dizer que isso tem uma boa dose de verdade. Mesmo que as bases desse experimentalismo de Galileu não tenham sido resultado de uma reflexão teórica, mas sim por causa das características peculiares da área na qual ele se destacou bastante: o uso de telescópios e a observação dos astros. E foi justamente dentro deste contexto que ele vira o grande divisor de águas.

Uma característica do livro é seu viés profundamente histórico. É de se esperar que, pelo subtítulo, você imaginaria a princípio uma boa reflexão sobre como cientistas encaram os detratores da ciência, com base na experiência do próprio Galileu. Mas não espere isso. As poucas menções a respeito são muito limitadas, justamente porque o foco de Lívio é apresentar ao leitor uma visão de quem foi Galileu e o drama que foi sua vida. É um livro biográfico, que por sinal é muito bem vindo.

No texto, Lívio trás um Galileu mais humano, com seus problemas pessoais e seus dramas familiares. E é nesse toque pessoal que a obra procura trazer o cientista ao terreno dos “mortais”, saindo de um pedestal que muitos ainda enxergam estar sob os pés de todo grande homem de ciências. Aliás, é um momento muito oportuno para mostrar que cientistas são iguais a qualquer um, sendo felizes ou tristes na sua vida pessoal. E Galileu teve sim seus motivos para rir e para chorar.

Um mérito de Lívio é justamente como ele consegue desenhar a evolução do pensamento de Galileu a cada observação astronômica. Por exemplo, imagino que somente uma mente bem sagaz poderia enxergar que as mudanças de formas de diversas “manchas escuras” sobre a Lua seriam na verdade as mudanças esperadas nas sombras das montanhas e crateras, que mudam à medida que a Lua se movimente em relação ao Sol, do mesmo jeito que acontece na Terra. E sim, essa observação fez uma grande diferença: agora a Lua passava a ter o mesmo status de planeta, com a geografia seguindo as mesmas regras observadas aqui no nosso planetinha azul. Se a Terra e a Lua não eram tão diferentes, será que os outros planetas também não? E vemos Galileu aprimorando o telescópio para enxergar cada vez mais longe (literalmente). Embora essa evolução da tecnologia do telescópio esteja casada com observações cada vez mais precisas, não dá pra ignorar que o mérito de Galileu foi basicamente interpretativo. Ele enxergou melhor o que estava observando, mesmo que tenha levado uma baita surra dos anéis de Saturno.

Dois pontos precisam ser destacados na obra. O primeiro é que Galileu também foi apontado como um popularizador da ciência. Uma de suas obras principais foi escrita na forma de diálogos (um estilo atraente mas muito pouco usual, na época, para uma obra científica), e em italiano, para ser entendida pelo público não especialista. E talvez tenha sido essa sua vontade de partilhar seus achados para os italianos como um todo que tenha levantado a ira da Igreja para sua pessoa, o que configura justamente o segundo ponto de destaque da obra.

O martírio de Galileu com a Igreja institucional é bem explorado e bastante detalhado. E como não podia ser diferente, Lívio faz questão de trazer essa história. Desconfianças, fofocas, traições, tudo parece ter acontecido com o desafortunado astrônomo italiano. E no final, ele se viu confrontado, já com idade avançada (eu não sabia disso!) com a escolha de renegar tudo ou a possibilidade bem real de ser torturado. E para um homem já idoso e doente, passar pelo ferro em brasa não é uma experiência muito convidativa. E você já sabe o que aconteceu.

Essa é a primeira obra de Lívio que eu leio. É um estilo atraente e com uma dinâmica própria, sem atropelos, e sem muitos floreios. Talvez ele se empolgue mais em uns detalhes aqui e ali, que o leitor não partilhe do mesmo entusiasmo, mas isso em nada desabona a obra. Lívio é um bom autor de informações científicas e seus livros merecem passar pelos seus olhos.