sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Sim, estamos lendo muito mais. E não, isso não é nada bom

 


Há algum tempo atrás, eu postei aqui no blog sobre o preço dos livros de ciência, e como isso poderia impactar a principal função social da divulgação científica, que é atingir a todas as esferas da sociedade. Mas o principal entrave é justamente o custo da produção de um livro de qualidade (link para o texto AQUI). E neste mesmo texto, comentei muito rapidamente sobre nosso viés de achar que estamos lendo menos, o que não é verdade. Tinha pensado inclusive em discorrer mais sobre o assunto, mas percebi que iria desvirtuar do tema central daquela publicação. Agora, entendo que o assunto merece um artigo por si mesmo.

Eu tinha pensado no tema e depois me esquecido dele quase que completamente. Então comecei a ler o livro O Mundo da Escrita (resenha AQUI), e me deparei com o tema novamente. Entendi, pela primeira vez, qual foi o grande impacto que a disseminação e popularização do alfabetismo teve na sociedade. E pode acreditar, não foi nada modesto. Talvez seja difícil imaginar como deve ter sido viver em um país onde ninguém sabia ler, com exceção do clero e de alguns aristocratas. Sequer consigo imaginar viver em um mundo hoje onde não hajam conjuntos de letras que, juntas, formem uma palavra inteligível. Meio que ao mesmo tempo, a popularização do alfabetismo surge com a popularização dos textos escritos, graças à imprensa de Gutemberg e o baixo custo do papel. Desde então, o número de pessoas que sejam capazes de ler aumentou notavelmente ao longo dos séculos. E agora vivemos em um mundo onde o analfabetismo é a exceção, e não a regra.

A internet só intensificou a coisa. Textos na forma de blogs, artigos, resenhas, comentários, artes e autores anônimos surgiram aos milhares em todas as partes do mundo, ao mesmo tempo, e praticamente acessíveis a todos que tenham um computador ou um celular. As redes sociais não escaparam, e é um intenso trânsito de informações escritas enviadas para todos os lados. Até mesmo o Twitter apostou na limitação do número de caracteres acreditando que informações reduzidas seriam bem mais populares. Mas a criatividade dos usuários ultrapassa as imposições que limitam o número de palavras. Se é pra passar mensagem, que seja na quantidade que achar necessário: e segue o fio!

Você lê constantemente, o tempo todo. Tudo escrito. Ora e meia um áudio aqui e ali, mas nada substitui verdadeiramente a expressão textual, discreta, informativa. Até imagens precisaram ser carregadas de um texto com significado. Os memes são a prova viva disso. Não tem hoje como viver sem textos. E por isso, eu afirmo categoricamente que estamos lendo mais, muito mais.

Agora vem o outro lado da moeda...

Nossas leituras se tornaram superficiais e pouco úteis. Nossas motivações para ler com mais profundidade de forma a entender melhor alguma coisa estão perdendo terreno para uma súbita tendência que temos em não prestar atenção em algo que não seja continuamente atraente. E isso não tem nada de positivo. Como havia dito antes, no meu outro texto, quando falamos que nossa sociedade está lendo menos nos referimos explicitamente a livros. Ainda fazemos avaliações de frequência de leitura baseado em um ponto de vista de que sua fonte é o livro (quantos livros você leu neste ano?) e isso subestima nosso cotidiano diário na qual há sempre alguma coisa que precisa ser lida, em algum lugar.

Estamos perdendo o hábito salutar de dedicar algumas horas para ler um livro. Uma leitura compassada e pensada, refletida, tem o poder de mudar pessoas. Estimular o raciocínio, alimentar nosso cérebro de informações úteis, ponderadas, nos tornar mais críticos, e mais equilibrados. Ou pode nos fazer relaxar, navegando por todos os gêneros, dos romances aos mistérios policiais ou o terror. Mas não é isso que está acontecendo.

Senti esse problema durante a pandemia. Em um determinado momento, não consegui reforçar meu estímulo para minhas leituras habituais. Fui aos poucos escanteando meus livros e, como consequência, intensificando minha atenção para notícias gerais, fofocas, temas políticos, e tudo o que ainda tem nos conturbado. Percebi então que estava me tornando cada vez menos racional e bem mais passional quando parava em alguma informação que alimentava minhas convicções. E lendo-as, me tornava ainda menos crítico, e mais intempestivo. Cheguei a desenvolver ansiedade por causa dessas notícias. Felizmente, consegui perceber isso. E tenho retornado gradativamente a uma leitura mais saudável e bem mais acolhedora.

Nós estamos lendo mais, mas não estamos lendo bem.