sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

De Primatas a Astronautas – a jornada do homem em busca do conhecimento



Posso dizer que esta é uma obra realmente bem escrita.

Você já deve conhecer seu autor por outros títulos mais famosos e reconhecidos, como o andar do bêbado e subliminar (este último já resenhado aqui no blog). Leonard Mlodinow já desponta hoje como um influente escritor de divulgação científica, e a qualidade de seus textos falam por si. Dono de um estilo atraente e leve, e calejado por assuntos áridos como estatísticas e subconsciente, Mlodinow decidiu agora falar um pouco da história. Da história do conhecimento.

É certo imaginar aqui que se trata de mais uma obra sobre a história da ciência. Não podemos dizer o contrário. Mas é preciso reconhecer que ela vem com uma sutileza e abordagem muito própria. É uma história do conhecimento humano, de como começamos a nos interessar pelo mundo. Não tem foco nas realizações, nas grandes invenções, nos grandes personagens. Aqui a escrita vai lhe levar de maneira mais sutil (mesmo que abordando os três em algum momento) sobre como nós, como espécie, desenvolvemos nosso desejo insaciável por aprender e conhecer.

O livro vai abordar sobre nossa curiosidade, sobre como começamos a nos interessar pela razão lógica, e até onde este nosso interesse nos levou, em termos de tecnologia e revolução social. Mas para contar esta história, com certeza não vai faltar menções aos gregos, Galileu, Copérnico, Newton, Darwin, entre outros. É justamente nesta narrativa que vem a história da ciência, mas menos pelas conquistas, e mais pelo processo que levou a estas conquistas. Tomando como exemplo, se as descobertas astronômicas melhoraram sensivelmente depois do desenvolvimento dos telescópios, o livro vai tratar das razões que nos levaram e produzir um aparelho para enxergar melhor os astros. As causas das perguntas. E nesta abordagem, o texto corre delicioso, sem cansar e com a graça de um autor que sabe escrever ao público. E aí é possível que você venha perceber um detalhe: vai encontrar muitas histórias que já leu ou ouviu até a exaustão, mas na ponta do lápis de Mlodinow, ela se torna muito mais atraente. Seja por escolher descrever os detalhes certos para manter a atenção do leitor, seja por pular informações desnecessárias.

A obra termina no revolucionário Século XX, com mudanças paradigmáticas da física e os primeiros passos para o futuro aberto de possibilidades. Em uma era onde a informação se multiplica velozmente e torna-se cada vez mais acessível, Mlodinow nos convida a algumas reflexões interessantes sobre o que o futuro nos aguarda, com muito otimismo, para uma espécie que possui uma sede insaciável pelo saber.

Publicado pela editora Zahar, o livro segue o estilo de seus “irmãos”, com uma capa psicodélica com título branco. Páginas amareladas com fonte extremamente agradável aos olhos, são quase quatrocentas páginas que você nem vai sentir que estão passando. É um deleite textual, acompanhado com algumas poucas ilustrações, se tornando um prato cheio e apetitoso para os que gostam da história da ciência e do conhecimento. Apesar de ter inevitáveis repetições com outras obras mais antigas e parecidas (vide por exemplo o Breve História da Ciência, resenhado aqui), a linguagem de Mlodinow vai deixar um gostinho diferente no final.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Quebrando o encanto – a religião como fenômeno natural


Religião sempre foi um tema muito delicado, e complicado para ser tratado. É um assunto que particularmente me chama bastante a atenção. Foi por isso que, quando encontrei este livro na prateleira da livraria, quase não pensei duas vezes. Meu interesse por religião não vem do fato de eu já ter sido um religioso praticante, mas pela minha curiosidade sobre como se desenvolveu o pensamento mágico no cérebro humano. Por que criamos um suporte mental para que desenvolvamos crenças, inicialmente básicas e não sistemáticas, até as religiões organizadas que temos hoje em dia? Sempre fui fascinado pelo assunto e não perco uma oportunidade de ler algo a respeito.

A obra é assinada pelo filósofo Daniel Dennett. Se este nome não significa muito pra você, deixe-me explicar: Daniel Dennett é o autor de um livro que é provável que você já tenha ouvido falar ou ter visto ele mencionado em algum canto, especialmente se você se interessa por evolução biológica. Ele é o autor da obra A perigosa ideia de Darwin, seu texto mais famoso. Apesar de conhecer seu conteúdo, confesso que ainda não o li (um amigo me recomendou fortemente o texto, e provavelmente em algum momento ele pode aparecer por aqui), e quando comecei a me interessar, descobri que ele estava esgotado. Apenas em sebos. Paciência.

Preciso informar primeiramente que não é um livro leve. E não falo apenas figurativamente. O volume é denso, ligeiramente mais pesado do que outros com dimensões parecidas. E na escrita, você já deve saber o que esperar de um filósofo. O conteúdo é profundo e faz um convite ao raciocínio, com um texto extenso e reflexivo. Os leitores mais ágeis e que gostam de informações mais diretas, menos remoídas, vão sentir um certo peso em manter a leitura no seu ritmo. Apesar de fazer uso de uma respeitável bibliografia, boa parte da escrita de Dennett é um mergulho em sua forma de raciocinar. E aqui preciso fazer um parênteses sobre isso. Tenho lido algumas obras escritas por filósofos que estão investindo bastante em acrescentar bibliografias experimentais em seus livros. Ao invés de ser um volume massivo apenas contendo o raciocínio do autor, numa espécie de conversa com o leitor, estes filósofos estão buscando em fontes de experimentos científicos para reforçar suas ideias com base em dados e evidências. Tem sido muito prazeroso para mim ler sobre opiniões e experimentos que confirmam (ou negam) o ponto de vista do autor. De certa forma, é uma maneira que o autor tem em se desvencilhar um pouco de sua única opinião, ao mesmo tempo que demonstra respeito às pesquisas científicas na área próxima de sua especialidade.

Como o subtítulo diz, e de forma adequadamente simples, o livro se trata de como a religião deve ter evoluído a partir da evolução do comportamento grupal humano, transmissão cultural e cérebros capazes de pensar de forma abstrata. O profundo respeito que o autor tem pela influência biológica neste sentido é percebido em cada página, mesmo que esteja mais rebuscada com um linguajar menos direto, mais estiloso. Ele disseca fenômenos sociais e biológicos, até conceitos de evolução e seleção natural, reduzindo e separando as partes do todo, abordando o assunto como um médico legista. Aliás é essa sua abordagem mais fria e metódica que levou à escolha do título principal da obra, a meu ver. O autor sabe que o convite à análise fria de seu texto pode “quebrar o encanto” que norteia aos que são mais religiosos. Mesmo que eu não acredite que este seja o público que vá ter o desejo de folhear esta obra.

 A leitura de Dennett não é simples e digerível ao primeiro contato, e você precisa de um pouco mais de paciência para avançar no raciocínio do filósofo, a não ser que este assunto seja um de seus preferidos. Esta não é sua obra mais cativante nem a mais convidativa. Uma obra que pretende mostrar a evolução da religião baseado tanto na literatura e contextualização filosóficas (vai encontrar muitos filósofos citados aqui) como na literatura mais científica (e aqui vemos seu respeito aos cientistas, como Darwin, Dawkins e Stephen Jay Gould).

Publicado pela Editora Globo, o livro tem folhas amareladas e fonte elegante, com espaçamento bem confortável. As páginas densas que lhe conferem um peso adicional disfarçam bem o volume inteiro, onde quase não se nota que esta obra encerra quatro centenas de páginas. Não é um livro extraordinário, mas consegue lhe iniciar numa visão biológica e comportamental sobre as origens da religião. 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

O Presente de Hitler – cientistas que escaparam da Alemanha nazista


Este pode ser considerado um livro de divulgação científica? Por que ele seria resenhado para este blog?

Se você se fez esta pergunta, eu não lhe recrimino nem tiro sua razão. Pensei nisso também quando estava prestes a sentar no computador e começar a escrever estas linhas. Será que um livro de história, digamos assim, funciona como uma proposta de explicar questões de ciência?

Permita então que eu partilhe de meus pensamentos a este respeito. Quando criei o blog pensei em oferecer ao público resenhas de livros interessantes sobre ciência, daqueles enquadrados no conceito clássico de divulgação científica. Se pararmos pra pensar, um livro de divulgação científica deveria oferecer, de forma mais suave e digerível, conceitos e ideias sobre ciência, que raramente seriam interessantes por outra forma. Mas para conseguir alcançar este objetivo, muitos autores precisam desenvolver uma escrita mais familiar, menos formal e mais humanizada. Uma leitura que escape do mesmismo e chatice do texto acadêmico. Algo mais próximo do que a grande maioria das pessoas entende e experimenta, como curiosidades, histórias engraçadas e relatos familiares.

Neste sentido, eu acho que um livro que conta a história de cientistas também cumpre o papel de divulgação científica, pois permite que enxerguemos o homem por trás da descoberta. E nada melhor do que uma boa historia para nos sentirmos mais próximos de um grande médico, físico ou matemático, seja lá qual foi sua área, que também enfrentou os mesmos problemas que nós enfrentamos. E por causa disso, eu considero adequado para este espaço livros que falem sobre cientistas.

E o que eu tenho a dizer sobre este livro: simplesmente impressionante.

O livro conta como a ascensão do nazismo afetou diretamente as universidades e a ciência da Alemanha. Como a política racista atingiu todos os níveis de produção intelectual e científica nas universidades e institutos de pesquisa, afastando mais e mais brilhantes cientistas judeus, seus parentes e simpatizantes, forçando um exílio desenfreado e condenando uma geração inteira de jovens à obscuridade de uma pretensa ciência ariana. E com a saída em massa de tantos cérebros privilegiados, havia muita gente interessada que estes gênios trabalhassem em suas fileiras. A obra destaca dois países que receberam de braços abertos a estes cientistas: Grã-Bretanha e Estados Unidos.

Você vai encontrar como estes cientistas foram recebidos em outros países, algumas histórias de fugas espetaculares, outras de conformismo e aceitação, e relatos tocantes de cientistas alemães que fizeram de tudo para resistir ao obscurantismo científico imposto pelo Nazismo. Dentre os que ficaram na Alemanha, seja por concordar com a política predatória nazista, seja por um sentimento ímpar de resistência para preservar a ciência real na Alemanha, a história de Max Planck é simplesmente espetacular. Não me canso de reler com que fibra este homem resistiu ao máximo permanecer em um ambiente tão hostil à ciência. Sinceramente, não sei porque ninguém ainda pensou em transformar sua vida em um filme.

A saída em massa destes cientistas também acelerou a corrida armamentista, e a obra não deixa de citar a criação da bomba atômica, as polêmicas envolvidas, quando então a Alemanha nazista perde a guerra e é preciso simplesmente reconstruir toda a Europa.

Publicado pela editora Record, é um livro de menos de 300 páginas na qual cada uma delas vale muito a pena. Páginas brancas e fontes um pouco grosseiras não dificultam a leitura. O livro é ilustrado com algumas fotos de cientistas e políticos da época, muitos citados no próprio texto. É uma daquelas obras que você não esquece, porque é simplesmente impossível esquecer deste período tão obscuro da história humana, e com ele afetou cientistas de forma tão impiedosa, mas que ao mesmo tempo despertou para muitos o lado humano da produção do conhecimento científico.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

As Origens da Virtude - um estudo biológico da solidariedade



Esta é uma obra cujo título descreve bem a intenção do livro inteiro. Um dos poucos volumes que já vendem de cara a proposta. Então se você quiser entender melhor como a biologia procura explicar a natureza de nossas tendências emocionais, eis um livro bom para isso.

Confesso que o li há muito tempo. Precisei rever algumas partes para poder me lembrar do todo. Lembro que fui para o texto com muita ansiedade, pois tinha visto uma referência a ele em outra obra (que não me recordo qual era) que o havia citado. E nesta época, eu estava louco, fascinado pelo estudo biológico do comportamento. Como a referência a ele era elogiosa, não tive dúvidas. Fui procura este modesto livro.

Percebi então que a obra estava esgotada. Nenhuma livraria tinha pra vender. Fui obrigado a procurar em sebos, e depois de alguns esforços, consegui identificar uma que tinha o livro em estoque. Recebi depois de algum tempo e não disfarcei minha impaciência. Fui ler.

A obra do zoólogo Matt Ridley se esforça bastante – mesmo que eu ache que não tenha lá tido tanto êxito – em explorar o assunto de maneira ampla. Aqui o autor vai descarregar uma boa dose de biologia, com direito a sociedade de animais (sim, muitos insetos vão constar no capítulo) e como estas interações funcionam. Não é uma leitura espetacular, mas é minimamente informativa. Depois, a coisa se amplia.

Sua abordagem se concentra essencialmente na questão da colaboração entre grupos e indivíduos, como sendo a base, a unidade mínima sobre a qual vai repousar nossa inata tendência em ajudar este ou aquele grupo ou indivíduo. É de praxe que um autor que trabalhe neste caminho venha a citar questões lógicas como o dilema do prisioneiro, o custo da traição e da confiança. E tem um capítulo só sobre isso. Adiante, vamos ter uma miscelânia de exemplos e situações que o autor vai explorar, desde relações complexas entre primatas até o comércio da sociedade moderna. Aliás o comércio é visto como uma estrutura nitidamente solidária, onde a compra e a venda demonstram confiança nos valores atribuídos às unidades de troca (dinheiros ou produtos) tanto por quem compra como por quem vende. E neste pé a obra inteira se desenvolve.

Em determinado momento, o conceito individual de solidariedade entre pessoas ou grupos vai se expandindo, e o autor percebe a necessidade de falar sobre governos e minorias, e suas relações entre si e entre seus componentes. A partir daqui não é mais possível ignorar algumas opiniões gerais sobre política, e mesmo de forma apartidária, ele finaliza a obra adentrando neste assunto.

Publicado pela Record, é um livro pequeno, com pouco mais de 300 páginas impressas em papel fosco, com fonte um pouco grosseira na minha opinião. Não é um livro impressionante, divaga muito em certos momentos, o que pode deixar o leitor menos atento com um sentimento de confusão. Apesar do assunto bastante interessante, não é uma obra que vai ficar na sua mente por muito tempo.