Como é um blog de livros, não posso deixar de comentar sobre essa... esse... como dizer... ah, não sei dizer. Não sei as palavras. Afinal, pobre não lê livro.
Essa notícia digna de um autêntico chapeleiro louco foi veiculada em um bocado de noticiários e sites, um dos quais eu coloco a referência no finzinho do texto. As reações foram tão imediatas e diretas, que pensei um pouco se deveria escrever algo sobre isso. Pensei muito, aliás. Se não estaria chovendo no molhado, já que muita gente falou praticamente tudo que se poderia falar depois de uma declaração bizarra dessas. Mas depois, lembrei do objetivo desse blog, e justifiquei esse texto, justamente no começo dessa postagem.
Livros não didáticos são caros. Muito caros. E falo dos livros bons. Não dos best-sellers que tem milhares de tiragens e são aqueles que dão um bom retorno às editoras. Esses justamente que tem resenhas super elogiosas e terceirizadas, e que na maioria das vezes vendem uma história muito inferior ao próprio conteúdo. Mas vou deixar pra comentar isso em outra oportunidade. Minha briga agora é com a taxação de leituras.
Mesmo sem taxas, um brasileiro médio não tem interesse por ler. E isso reduz a vendagem, que por sua vez reduz mais ainda a atenção de editoras para livros que são realmente bons. Só que os livros não didáticos, informativos, são o passo seguinte para instigar o gosto por leitura, ou pelo menos o interesse por ler. E o gosto da leitura, regra geral, está atrelada ao interesse por estudo. E educação, como já dizia Paul Morland na resenha anterior (clique AQUI), é a mola para a qualidade de vida. Quanto maior o estudo, maior a renda de quem estudou. Ponto.
A lógica errada da Receita é que, se pobres não leem, está tudo bem então. Já que quem lê é rico, vamos cobrar deles para continuarem lendo. Eu fiquei ainda mais indignado com a escrita do texto, destacada no jornal:
"De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019 (POF), famílias com renda de até 2 salários mínimos não consomem livros não-didáticos e a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos. Neste sentido, dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objetivo de políticas focalizadas"
Mas o que diabos são políticas focalizadas? Na verdade, é uma expressão que serva para qualquer coisa e não diz nada, ao mesmo tempo.
É engraçado que esse raciocínio torpe faz você acreditar que o motivo pelo qual pessoas com baixo poder aquisitivo não leem é porque eles simplesmente não se importam com leitura, e isso é tratado como a coisa mais natural do mundo.
Existem basicamente dois motivos pelos quais a maioria das famílias não se interessam por leitura. A primeira é que elas não foram ensinados a se interessar pelo hábito de ler. E isso não é culpa delas. Famílias que sobrevivem com dois salários mínimos ao mês não podem se dar ao luxo de fazer nada que não esteja diretamente ligada a própria sobrevivência. Vindas de um ensino fundamental e médio precários, defasados, sucateados, com professores miseravelmente remunerados, com jornadas de trabalho extenuantes, como se pode pensar que elas vão se interessar por leitura quando elas precisam priorizar o pão de cada dia? E a segunda é simplesmente porque LIVRO É CARO! Deveria ser ÓBVIO que famílias com renda de dois salários não se sentem confortáveis em pegar cada centavo suado que ganham para investir em livros não didáticos (e os próprios livros didáticos já são absurdamente caros), quando elas precisam justamente deste dinheiro para COMER!
E o pior de tudo é que, pra
pensar assim, o pessoal da Receita também não deve ter o costume de ler.
Aumentar preço de livro não vai fazer com que magicamente todo mundo continue
comprando a mesma quantidade de obras, só que mais caro, engordando os cofres
públicos. É muito mais provável que o consumo de livros DIMINUA entre as
pessoas que ganham mais de 10 salários mínimos. Não estamos falando de
gasolina, que, querendo ou não, muita gente é obrigada a consumir para
continuar trabalhando. Livros não didáticos são comprados por gosto. Se o gosto
se torna caro, é mais provável que seu hábito mude, ou que o leitor fique bem
mais seletivo na hora de comprar, reduzindo o consumo, e por consequência, a
arrecadação para o governo. Todo mundo sai perdendo.
Sucatear educação e ciência no Brasil parece não ser suficiente. Tem de garantir que qualquer tipo de interesse por livros seja eliminada também. Eu tenho quase certeza que no congresso essa tosquice deve ser barrada. Quase certeza. E, se não for, diga adeus a este blog.
Ah, ia me esquecendo. O link da reportagem:
https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/economia/2021/04/receita-defende-taxacao-de-livros-sob-argumento-de-que-pobres-nao-leem.html