Existem motivos que me levam a olhar de soslaio um livro
cuja capa estampa de forma tão destacada a palavra quase mítica Evolução. Hoje, acumulo uma desconfiança
adicional com qualquer coisa que procure evidenciar o termo quântico em se tratando de livros ou artigos
de forma geral. Um receio natural, que chega a ser quase instintivo, já que
vivemos em um mar de informação não filtrada, onde simples opiniões
praticamente se forçam a conviver com evidências científicas como se estivessem
em pé de igualdade. Mas voltando ao livro, a palavra Evolução se sobressai
justamente em uma capa de coloração vermelha viva, quase penetrante. Mas vamos
com calma. Dê mais alguns instantes ao seu cérebro, ele precisa processar
aquele detalhe amarelado abaixo do título, que faz questão de se mostrar
contrastando com a capa "sopa de tomate". Quando você lê o nome, leva
segundos para você relaxar, se tranquilizar e pegar o livro em mãos.
Este é com certeza o livro mais volumoso publicado por
Richard Dawkins. E desafiador, diga-se de passagem. Um convite de mais de
setecentas páginas para seguir nos textos bem elaborados e elegantes de um dos maiores
evolucionistas de nossa época. Depois de dezenas de obras dedicadas ao tão
incompreendido e fascinante processo evolutivo, o autor provavelmente se viu
impulsionado a propor com suas próprias palavras uma obra que pudesse fazer jus
à beleza e profundidade que é a história e evolução das espécies. Penso algumas
vezes que ele deve ter parado em um determinado momento e refletido sobre o
extenso conteúdo de dezenas de livros-texto de ciências biológicas, e como
seria interessante que aquelas informações organizadas de forma sistemática e
tediosa, usadas para guiar os estudos de alunos de graduação, pudessem ser transformadas
em um texto suave e corrido, com um alcance maior do que a restrita comunidade
discente acadêmica. Será que esta história tão fascinante poderia ser contada
de forma melhor?
Pois bem, ela pode. E foi o que Dawkins conseguiu fazer.
Claro que seu extenso livro não é um curso de zoologia ou coisa parecida. Mas
sim um passeio conduzido por um cicerone que conhece os melhores pontos para
contar a história. Preciso aqui destacar duas características que tornam a obra
única. A primeira é que ele convida o leitor a se aproximar das histórias
através do que ele chama de "contos", que são as separações dentro da
narrativa do texto, onde ele mantém o leitor atento à uma mistura de
explicações, experiências pessoais, descrição de experimentos, todas circulando
no entorno dos protagonistas dos contos. Essencialmente, não faz muita
diferença, mas não deixa de ser uma forma original de trabalhar o texto.
O segundo é uma proposta ousada e realmente diferente.
Dawkins decide contar sua história de
trás pra frente. Isso mesmo. Ele começa falando das espécies mais derivadas
(neste caso, os hominídeos) e vai caminhando, descendo degrau após degrau,
visitando os outros organismos partindo do
mais complexo para o mais simples. Nossa história da evolução começa, se
podemos dizer assim, de forma invertida. A princípio você não sabe muito bem se
vai dar certo, e decide confiar no autor nesta jornada inusitada. É no mínimo
divertido ler sobre a evolução dos organismos partindo dos homens, passeando
pela diversidade até culminar nos organismos unicelulares. E no lápis de
Dawkins, vale muito a pena.
Com uma narrativa divertida, recheada de histórias (algumas
engraçadas), rica em fatos e informações que vasculham pela genética,
diversidade e química, seu livro com certeza mantém o padrão do que se espera
de sua autoria. Publicada pela Companhia das Letras, com folhas amareladas e
foscas e tipografia elegante, ainda contém no seu interior alguns encartes
coloridos. E não esqueça das referências. Você vai gostar bastante deste
volume.