sexta-feira, 29 de maio de 2020

Quatro livros excelentes para aprender sobre (e evitar) fake news


Com tanta informação nos inundando o tempo todo, por todas as vias possíveis, não é de admirar que nossa capacidade de digerir notícias esteja sofrendo de sobrecarga. E muitas vezes incapazes de rastrear adequadamente a informação para confirmar sua veracidade, podemos ser facilmente compelidos a divulgar alguma fake news. 

Nosso cérebro não está preparado para processar tanta coisa ao mesmo tempo. E acompanhado por uma boa dose de desestabilidade emocional gerada pelo estresse da pandemia, podemos reconhecer que estamos emocionalmente em frangalhos, por mais fortes que sejamos. E com isso, nossa racionalidade não pode deixar de ser afetada. Ficamos vulneráveis intelectualmente para aceitar ou ser menos rígidos com informações repassadas. 

Apesar de tudo, há coisas que podem ser feitas. O hábito contínuo de leitura tende a deixar sempre acesa a lanterna cerebral do ceticismo. E quanto mais obras você lê que lhe ensinam ou reforçam na sua consciência os elementos básicos para o reconhecimento de fake news, mais confortável você se sente diante de notícias potencialmente errôneas, e fica muito mais fácil lidar com elas.

Esta postagem é pra sugerir algumas obras que são ótimas para você conhecer as artimanhas cerebrais que são exploradas na hora de divulgar notícias para que elas viralizem, bem como as ferramentas intelectuais que você pode usar para reconhecer e evitar a divulgação de fake news. Vamos lá.


Por que Acreditamos em Coisas Estranhas
Publicado pelo cético Michael Shermer, o livro nos mostra as principais falhas que o cérebro está acostumado em cair, no que diz respeito a informações e crenças. Por que acreditamos em coisas que seriam difíceis de acreditar. Dotado de um estilo particularmente adequado para a escrita ao público, o livro é uma boa dose de histórias e análise de como a mente humana ainda perdura como um dos órgãos mais complexos conhecido e ainda tão facilmente enganável. 

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 O Mundo Assombrado pelos Demônios
Carl Sagan é Carl Sagan. Pra quem gosta de literatura de divulgação científica, suas obras são simplesmente basilares. Neste volume ele se dedica integralmente a enaltecer a ciência e o pensamento científico, com um combate veroz e audacioso contra a crendice e a superstição. Acho que é um dos primeiros volumes em língua portuguesa a apresentar em um de seus capítulos uma excelente lista de falácias lógicas usadas corriqueiramente para argumentações desonestas. Aprendê-las vai aumentar extraordinariamente sua capacidade de reconhecer argumentações falsas.  Só por este capítulo, a obra tem mérito garantido.

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Factfulness - o hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos
Hans Rosling nos mostra de maneira bastante direta os principais vícios e instintos que insistem em nos fazer enxergar o mundo da forma que ele não é. Sua defesa no uso e abuso de dados para ter uma visão realista do mundo a nossa volta é espetacular. Ao final de cada capítulo, seus conselhos oferecem um exercício fabuloso para evitar cair na tentação de acreditar e espalhar fake news.

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O Guia Contra Mentiras - como pensar criticamente na era da pós-verdade
Daniel Levitin escancara sobre como a maneira pela qual as notícias são veiculadas podem nos induzir a ter uma visão errada de mundo. Excelente para ensinar como ver e não se deixar enganar pelas maneiras desonestas que existem de apresentar dados. Se você não quiser ser ludibriado por falsos números e estatísticas apelativas, achou o livro certo. 


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sexta-feira, 22 de maio de 2020

À Beira d'Água - macroevolução e a transformação da vida



Este é um daqueles livros que, se você não estuda ou gosta muito de biologia, talvez não prenda tanto assim sua atenção. Livros de divulgação científica que se propõem a atingir um grande público utilizando como temática evolução e biologia precisam pisar em ovos. Existem muitos processos complexos cuja tentativa de simplificação textual exige uma massiva introdução de outros assuntos. Isso geralmente torna a leitura cansativa e cria um hiato longo, não obstante necessário, que pode reduzir muito o estímulo do leitor. É uma decisão difícil, poucos são realmente talentosos em conseguir sucesso nesta empreitada. Fico na dúvida se este foi o caso desta obra em particular.

Por ser biólogo, eu consegui aproveitar bastante do texto. A história do livro é sobre as descobertas que nos levaram a entender melhor uma transição espetacular na evolução da vida na Terra: como os vertebrados alcançaram o ambiente terrestre. Para quem não tem muita afinidade com biologia, o tema pode ser até meio sem sal. Mas para quem gosta de evolução, reconhece que este foi um momento realmente impactante, cujos detalhes ainda se encontram relativamente obscuros, apesar do muito que já se sabe sobre o tema. Mesmo assim, o autor consegue estender um assunto que o leitor comum geralmente não para pra pensar, por considerar assunto encerrado.

Para explicar a trajetória biológica dos primeiros vertebrados habitantes do ambiente terrestre, Zimmer compreende que precisa abordar outros assuntos primeiramente, para criar uma base de informações sobre o qual o leitor vai entender a jornada principal. Então os primeiros capítulos são voltados para o leigo, onde ele dará uma verdadeira aula sobre genética, processo evolutivo, anatomia comparada, embriologia, narradas em companhia com as histórias de cientistas e equipes de pesquisa que realizaram descobertas na área, especialmente utilizando de registros fósseis. Aliás, boa parte da narrativa sobre o tema é concentrada em arqueologia. Por isso, não se assuste quando encontrar diversos nomes científicos de espécies consideradas chaves para entender o caminho para o ambiente terrestre. Na verdade, o intercalado entre um texto puramente explicativo sobre o mínimo de conhecimento em cada uma dessas áreas para entender o assunto com o texto narrativo das aventuras e proezas dos pesquisadores é uma estratégia para tornar o conto mais digerível. Não sei até que ponto ele consegue fazer isso, mas devo reconhecer que o peso do conteúdo científico não é de se desprezar.

Publicado pela Zahar, o livro tem um tamanho confortável com fonte agradável impressa sobre papel branco, mas cujo reduzido espaço entrelinhas não flui muito legal. Ele é bastante ilustrado, seja com cladogramas, figuras sobre anatomia, embriologia e representações do que seriam algumas espécies importantes para explicar a transição do ambiente aquático ao terrestre. Reforço novamente que este é um livro que será especialmente apreciado por biólogos, e eu mesmo tive o prazer de entender coisas que durante minha graduação haviam ficado um pouco nebulosas, dentro da grande variedade de assuntos tratados pelo autor. Carl Zimmer é um conhecido escritor científico, e sinto que este não é um de seus melhores trabalhos.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Tribos Morais - a tragédia da moralidade do senso comum



Procurar compreender como nos comportamos e como é a psicologia por trás de nossas decisões parece ter sido sempre um prato cheio para abordagens filosóficas. E a nova safra de escritores sobre o assunto no geral não tem desapontado. Este é um exemplo de que livros sobre filosofia não precisam ser necessariamente chatos e entediantes. Indo além de um texto que costuma ter uma enorme digressão quase intencional de aumentar demasiadamente o volume para lhe dar uma falsa impressão de imponência, alguns filósofos atuais parecem ter se cansado de apresentar um texto meramente reflexivo. E é este o caminho que Joshua Greene está trilhando.

Além de Filósofo, Greene tem um bom arsenal científico, como psicólogo experimental e neurocientista. A diferença que esta formação faz é que seu livro tem um sólido referencial bibliográfico, não centrado em escritos de outros filósofos ou teses puramente teóricas, mas na forma de uma bibliografia recheada de artigos científicos e capítulos de livros especializados. Sua abordagem não se limita a uma simples visão pessoal ou personalista do mundo, mas recorre a uma série de experimentos psicológicos que dão força às suas argumentações. Neste cenário, a narrativa do livro não deixa a desejar.

O título não foi muito feliz, eu reconheço. Apesar de ter sido uma tradução quase literal (na verdade, ainda pior) do que seu original inglês (que também não é uma maravilha), ele só faz mais sentido quando você começa a leitura da obra. Parece mais uma tentativa de atrair o leitor com base na estranheza da proposta, apostando que alguém vai se interessar pelo volume para tentar entender o que o autor quer dizer. Na capa posterior, o texto é mais agradável e captura o leitor mais interessado em ciência: Darwin, seleção natural e moralidade humana. Confiar neste pequeno texto é o cheque-mate, quase obrigando o leitor a comprar o livro. Na verdade, foi assim que eu o adquiri. E o que Joshua Greene tem a nos contar?

Para "amaciar" o texto, o autor nos apresenta a uma situação hipotética de tribos. Cada uma com suas características, apresentados de uma forma que seja fácil de reconhecer que elas são exemplos baseados em grupos ou comunidades reais. Cada uma com sua própria moral, onde alguns são mais caridosos, outros são mais personalistas, outros são um meio termo, outros são mais autoritários, etc. E com isto em mente, fica mais fácil de entender que muitos de nossos conflitos existem com base numa noção instintiva de que pertencemos a grupos, ou "tribos" diferentes, como as que foram colocadas no livro. E como nossos desejos ou interpretações de mundo são baseados nestes grupos, em diferentes níveis, com algum grau de concordância e discordância. E para exemplificar isso, o autor recorre aos republicanos e democratas, os partidos políticos dos EUA. Suas citações são muito elucidativas a respeito de como estes dois grupos enxergam a maneira como país deve ser conduzido.

Logo em seguida, vamos para a gênese deste comportamento. Boa parte da obra é um grande ensaio sobre nossas decisões, sobre as bases e construção de nossa moralidade, com a seleção de uma série de curiosos experimentos morais que nos fazem pensar. E alguns são excelentes mesmo. O exemplo do bonde é um de meus favoritos (utilizo nas minhas aulas, quando vou abordar sobre a ética na ciência, para mostrar que nosso comprometimento direto sobre um dilema pode confundir nossa percepção de certo e errado). E a partir destes experimentos, Greene salienta seu viés neurocientífico, abordando aspectos da mente e do cérebro, para tentar nos mostrar o que se tem até o momento sobre uma abordagem objetiva a respeito de nossas percepções, e como isso culmina na nossa moralidade.

É curioso como o autor parece mudar de personalidade ao longo do texto. De uma abordagem mais científica, agora entramos no seu "eu" filosófico, com uma extensa defesa do utilitarismo, do qual ele é um defensor confesso. Mesmo que ele tenha uma boa escrita, e consiga trabalhar o texto com certa graça, o assunto parece se estender mais do que merece. Mas depois ele retorna para concluir a obra, voltando a enfatizar sobre as bases biológicas de nosso relacionamentos sociais, e como elas deram origem a nossa visão moral.

Publicado pela Editora Record, o livro é feito de folhas amareladas e grosseiras, que dá a impressão de que o volume de quase quinhentas páginas é maior do que parece. Sua escrita é suave e, na parte filosófica, me surpreendeu por recorrer a um linguajar bem mais acessível e pouco rebuscado. Mesmo que ele precise de repetir para manter na mente do leitor uma linha específica de raciocínio, e ele mesmo reconhece isso, esta forma de apresentação de suas ideias é muito mais digerível do que autores clássicos de filosofia. Só por isso, Greene sai na dianteira com se livro. Você vai terminar a obra com um bom entendimento sobre como nossos sentimentos sobre o mundo são o resultado de seleção natural e de grupo (sua proposta para entender o dilema do bonde é fascinante), e com uma sensação diferente de que nem todas as dúvidas foram respondidas.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Sobre Ter Certeza - como a neurociência explica a convicção


Demorou praticamente um mês para eu me adaptar  às novas condições impostas pela pandemia. 

Trabalho remoto, atividades domésticas, e uma boa dose de reeducação intelectual para dar suporte ao estado emocional diante da quarentena. Levei um bom tempo para me acostumar, mas já posso dizer que meu ritmo voltou ao normal. Incluindo as leituras. Bola pra frente.

Em um momento político altamente polarizado, não vi leitura melhor do que a proposta por este livro. E aí temos mais um trunfo do poder de um título, que literalmente vendeu um peixe que eu estava ansioso para comprar há alguns meses. Por que nós temos certeza de certas coisas, mesmo que evidências nos indiquem que elas não são tão confiáveis? Como funciona nosso cérebro neste quesito? Quando nossas crenças são postas à dúvida por evidências, o que nos faz decidir por uma delas? Com estas dúvidas, fui ver o que o neurologista Robert Burton tem a nos contar. E o fato de ser um neurologista parece dizer muito sobre o caminho que o livro pretende tomar. Tenho um especial interesse quando assuntos desta natureza são encarados sob a ótica da biologia e evolução. E neste quesito, meu entusiasmo foi ainda maior.

Confesso que o livro tem alguma dificuldade de engrenar. O autor não tem uma escrita lá muito suave para construir um texto bem coeso e com uma cadência que instiga você a continuar lendo. Confesso que parei muitas vezes, retornei hora e meia e fiz hiatos incomuns para uma obra relativamente pequena. Na introdução, pelo menos, ele fez o dever de casa. Ele nos introduz ao conceito sensação de saber, que para mim fez toda a diferença na forma de como enxergar o livro. Trocar nosso já firmado conceito de "saber" pela ideia de que nossa convicção ou certeza de algo é mais do que só uma memória sobre determinado assunto, sendo acompanhada por uma sensação, um estado emocional que lhe confere segurança no que você sabe. E para mostrar como esta diferença, ele nos brinda com a brincadeira da pipa, que é a parte mais brilhante e criativa da obra.

Mensagem passada, é hora de explicar um pouco sobre como possivelmente surge essa sensação. É neste momento que encontramos o neurocientista, que explora a estrutura biológica do cérebro, anatomia cerebral e uma boa dose de casos e experiências, para nortear o leitor sobre o que se tem de informação a respeito do que pode ser a origem da convicção. É certo que dados médicos e estudos científicos sobre este ponto em específico são relativamente poucos, e eu confesso que esperava encontrar mais sobre isto. Ao olhar algumas citações, esperava que houvesse mais bibliografia para basear o texto do autor, mas parece que o assunto é relativamente reduzido mesmo.

Neste momento, o autor precisa recorrer a analogias para tentar explicar como ele acredita que a sensação se estabeleça. Usando exemplos ligados a teoria das redes e inclusive reuniões de empresas, Burton faz um bom esforço em tentar sugerir como ele imagina que a sensação de saber finalmente apareça, quando nosso cérebro juntas as informações obtidas e tenta processar o assunto. Recorre inclusive ao emergentismo para tentar dar uma idea da natureza não reducionista do surgimento da convicção. Não que seus exemplos sejam fracos, ou talvez não tão bem pensados, mas o assunto realmente é árido, e no final você fica com a clara sensação de que não avançamos muito neste ponto. Em contrapartida, os exemplos que ele dá para o surgimento destas sensações são muito pertinentes, e mais de uma vez eu me peguei relembrando de coisas que ele faz alusão. É quase impossível não se identificar com sua história sobre o "saber o endereço".

Tratando de forma clássica das falhas do cérebro na interpretação das informações que recebemos, o autor engrena melhor sua obra na última parte, quando realmente explora as causas da sensação, depois de descrevê-las e imaginar seus processos. É um momento bem mais atraente do livro, que no final deixa um recado bem claro: a sensação de saber não é ligada ao racional. Provavelmente está vinculada a algum componente genético (e seu exemplo de jogadores de pôquer ilustra bem isso), e pode ser mais ou menos treinada. Nosso cérebro, quando está predisposto a isso, consegue manejar bem as informações racionais que recebemos e com base nela construir a sensação de saber, que nos dá a certeza sobre o assunto. Desta forma, é possível explicar por que é impossível dialogar com certas pessoas que tem uma visão ou crença muito bem fincada, e que simplesmente ignoram qualquer tipo de evidência em contrário que seja apresentada. 

Publicado pela Editora Blucher, o livro é curto, com menos de trezentas páginas. Folhas amareladas e foscas com tipografia elegante, e praticamente sem ilustrações. Suas dimensões a deixam confortável para uma leitura casual e ligeira. Apesar de uma ligeira frustração em termos de dados e sobre o estilo da escrita, devo dizer que é uma obra bastante esclarecedora. Quando vemos opiniões radicais quase irremovíveis, e ataques incessantes à ciência, a leitura desta obra nos dá uma esclarecedora explicação do porquê de tanta cegueira e tamanha insistência nestes pensamentos. E nos brinda com uma confortável sensação de saber