sexta-feira, 18 de setembro de 2020

A Criação – Origem da Vida / Futuro da Vida

 

Rapaz, eu sempre gosto quando as editoras procuram ser originais para alavancar alguns títulos. E devo dizer que este é diferente de todos que eu já vi (e aqui não me refiro ao seu conteúdo). Fiquei na dúvida se começasse a escrever sobre o que torna esse livro único, ou sobre o seu conteúdo. A verdade é que a forma como o livro foi publicado me deixou bastante desconsertado, e cheguei e pensar negativamente sobre a obra por causa disso. Não sei quem teve a ideia, mas uma coisa posso dizer: é diferente de tudo que já vi, e as sensações que pode despertar são de extrema criatividade ou o cúmulo do bizarro. E eu confesso que a estratégia adotada parece mais ter sido um tiro que saiu pela culatra.

Bem, para acabar com o suspense, decidi começar pela forma como esse livro foi publicado. Não sei se foi apenas uma particularidade das editoras brasileiras, ou original também é assim. Vejam a foto abaixo:

 Esta é a capa do livro. Branca (e o meu já está encardido, pelo tempo) com uma singela fita de DNA, que é a cara da proposta do livro. Sem imagens, sem nada mais. Talvez queiram dar a ideia sobre a quantidade da incerteza que temos a respeito do assunto, uma vez que não tem absolutamente nada na capa além da insossa dupla hélice. E um branco que chega a dar agonia. Agora, vejam o que acontece quando eu inverto a minha mão:

 


Eu achei, a princípio, que o livro tinha sido mal editado e que eu tinha pego ao acaso algum exemplar com defeito. Fui nos outros dois exemplares disponíveis e todos eram iguais. Exatamente iguais. Folheei a obra e a partir de metade dela, todas as folhas estavam de cabeça para baixo! Isso mesmo, de cabeça para baixo! Voltei aos outros exemplares e todos eram assim. Fiquei bastante confuso. Fui no índice e no cabeçalho, e percebi o que tinha acontecido: o livro é dividido em duas grandes partes. Só que cada parte está de um lado. Você termina a primeira parte, vira o livro e começa a ler, como se estivesse no começo do livro de novo. Ao invés de criar um capítulo sequencial, eles quiseram fazer você ter a sensação de que começou um livro novo. Para você ter uma ideia, eu fiz esse vídeo folheando o livro:

  


Eu juro que minha primeira reação foi de que estavam vendendo um livro duplicado. Não tinha notado que eram duas metades diferentes. Achei que fosse uma estratégia para aumentar a grossura de uma obra muito reduzida. Se eles quiseram fazer isso para “lacrar”, pra mim não impressionou. Comprei o livro porque tinha interesse no assunto, e fazia tempo que não publicavam algo neste sentido. Queria ver o que se tinha de novo a respeito.

Bem, a obra não impressiona. Ela simplesmente dá o estado da arte sobre a origem da vida, seguindo corretamente a cartilha. Algumas informações espaçadas aqui e ali são mais interessantes. O estilo de escrever do autor discorre bem, mas nada impressionante. Na primeira parte a eterna indagação sobre o que é a vida, como se originou, uma boa dose de aula básica de genética molecular, para nortear o leitor sobre o assunto, e o princípio de como tudo deve ter surgido. Se sua genética de ensino médio não foi satisfatória, vai ter um bom material para relembrar aqui neste livro. Finda a primeira parte, vamos para a segunda.

Se falamos no começo sobre genética, vamos finalizar com as implicações políticas, éticas e morais da mesma. E aí vamos ter uma discussão que segue o mesmo ritmo da primeira parte, sobre clonagem, biotecnologia, dilemas morais. Saliento aqui que este livro também aborda a polêmica criação da primeira célula funcional totalmente sintética, produzida pelo biólogo e empresário Craig Venter, em 2010.

Publicado pela Zahar, o livro é fino, somando ao todo pouco mais de duzentas páginas (em ambos os lados). Fones confortáveis e espaçamento adequado para leitura casual e despretensiosa. Quem não sabe nada do assunto, vai encontrar um livrinho sintético sobre genética e suas implicações com escrita fácil. Para o público mais exigente, ele apenas tem mais do mesmo. O leitor mais interessado não deve encontrar muita coisa além do café com leite, e com certeza talvez nem se lembre que o leu em algum momento. Mas para quem está começando agora, com certeza é uma opção bem razoável de um texto simples sobre genética.


sexta-feira, 11 de setembro de 2020

A Conquista Social da Terra

 


Mais um volume do aclamado e conhecido entomologista Edward O. Wilson. E devo dizer que sua experiência científica em particular foi o pontapé inicial para escrever essa obra. Wilson é um especialista em formigas. Um dos maiores e mais renomados no mundo, diga-se de passagem. E uma das inúmeras e impressionantes características das formigas é que eles são insetos sociais, em um nível de organização hierárquica tão organizada que esta propriedade é a responsável pelo seu incrível sucesso ao longo de milhares e milhares de anos de evolução. Ficamos até nos perguntando como a criação desta sociedade tão eficiente e que deu tão certo parece não ter frutificado em outras espécies. Apenas formigas, cupins e alguns poucos organismos conseguiram criar um sistema social tão coeso quanto o desenvolvido por elas. E é justamente isso que gerou a criação deste livro peculiar.

A obra de Wilson trata sobre o surgimento das sociedades em insetos, especialmente nas formigas. E ninguém menos que o próprio autor para tratar deste tema. Wilson também é conhecido por ter popularizado o termo sociobiologia, que se refere a explicações do comportamento social baseada em seleção natural, sexual, genética e outros aspectos da biologia, em um livro publicado em 1975. Sua grande contribuição neste sentido é que, colocando uma base comum para as causas do comportamento social, podemos estender teorias e hipóteses sobre o desenvolvimento e manutenção dos agrupamentos sociais para um grande número de espécies diferentes. E pode nos incluir aqui. E justamente por isso o livro surgiu.

Seu texto é fácil e repleto de informações interessantes, com boas descrições de fenômenos biológicos complexos. Sua presente obra nos apresenta um apanhado das teorias existentes sobre o surgimento das sociedades, e ela é repleta de paralelos com a espécie humana. Um deleite tanto para amantes de biologia como antropologia e, por que não, psicologia. O livro pode ser dividido em três grandes partes, a primeira explorando a evolução da sociedade na espécie humana, desde seus antepassados primatas até hoje. Um excelente texto sobre nossas origens. Talvez poucos tenham tido tanta sorte em trabalhar este tema de forma tão atraente.

A segunda parte é uma abordagem detalhada a respeito de como surgiram as primeiras sociedades nas espécies não humanas. É um verdadeiro manjar, baseada em conhecimentos multidisciplinares. Você vai ver genética, evolução, seleção natural, fisiologia e ecologia em uma verdadeira aula sobre como enxergar o todo a partir de suas partes. E aqui também se inclui uma grande polêmica: Wilson lança algumas críticas ao tão estabelecido modelo da inequação de Hamilton, ou seleção de parentesco, que foi formulada para tentar explicar comportamentos altruístas diante do aparente paradoxo de que a seleção natural age sobre o indivíduo. O próprio Wilson publicou um artigo, anos atrás, com uma explicação alternativa que escanteava a seleção de parentesco de Hamilton, e recebeu pesadas críticas, incluindo uma imensa carta-resposta capitaneada por Richard Dawkins, assinada por dezenas de outros cientistas. Apesar de não se remeter a esse imbróglio, Wilson deixa claro seu pensamento a respeito da nova teoria.

A terceira parte tenta casar as duas anteriores. Explicar como surgiu a evolução da sociedade na espécie humana baseada nas informações existentes sobre o tema baseado em estudos e experimentos feitos com outras espécies. É aqui que vemos um Wilson mais humano e mais ousado. Até então ele se mantém contido no que os dados apresentam sobre homens e sobre animais, respeitando as limitações existentes pela falta de dados. Mas agora ele dedilha no assunto como poucos, e cria um texto tão atraente quanto convincente de seu ponto de vista. E eu não me recuso a admitir que sua visão pode ser confortavelmente aceitável. Um deleite para quem pretende enxergar as bases biológicas de nosso comportamento.

Publicado pela Companhia das Letras, é um texto de tamanho médio, com boa tipografia e folhas foscas. Muito confortável de ler e carregar. Para um assunto tão interessante, as quase trezentas e cinquenta páginas quase não se fazem sentir. É um livro para curiosos sobre a sociedade humana, o comportamento humano, e a evolução do comportamento social. A ponta da caneta de Wilson foi generosa para o leitor mediano, sem recorrer a excessos de jargões científicos, e mesmo assim mantendo as rédeas da boa prudência científica.


sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Por que livros de divulgação científica são tão caros?

 


De tempos em tempos, eu faço umas incursões online procurando por livros de divulgação científica. Estou numa destas fases agora, e com alguma surpresa me deparo com volumes altamente interessantes... e terrivelmente caros! Livros de divulgação científica deveriam ter custos tão assustadores assim?

Na minha busca, encontrei excelentes obras que pretendo adquirir, escritas por divulgadores científicos nacionais. Os livros Ciência no Cotidiano, de Natália Pasternak e Carlos Orsi, e o Darwin sem Frescura, do Pirula e do Reinaldo Lopes, estão entre os poucos que possuem um preço altamente convidativo. Nenhum deles custa mais do que trinta e cinco reais.

Achou caro? Sim, se você comparar com outras obras bem mais em conta, romances ou até mesmo alguns clássicos universais que são publicados em edições menos elaboradas, ou são textos pra lá de batidos. Com contos de romance juvenis ou obras bem menos conhecidas. Quando grandes livrarias ou sites anunciam descontos praticamente imperdíveis em livros, com certeza você não vai encontrar sobre ciência. Eles quase nunca ficam em promoção. E quando ficam, é quase ridículo de acreditar que alguém ousa chamar de desconto tirar cinco reais do preço de uma obra dessas.

Enfim, na minha busca por títulos atraentes, eu me deparo com valores beirando o absurdo. Um dos últimos que adquiri era sobre os aspectos biológicos da violência nas pessoas. Um tema profundamente atraente e que me chamou a atenção logo de cara. Repleto de dados, a obra promete destrinchar sobre como a biologia evolutiva moldou o perfil humano de maneira a criar em nós um instinto agressivo e violento, que até hoje se pretende dominar com tentativas notavelmente fracassadas. Animado, cai pra trás quando vi o valor da obra: mais de cem reais!

Antes de mais nada, preciso esclarecer que não estou menosprezando o autor. Fazer um livro não é nada fácil, toma muito tempo, energia e requer muito estudo. Colher, selecionar, avaliar, descrever e simplificar centenas de dados em páginas para não especialistas é um trabalho digno de Hércules! Livros técnicos são um exemplo do preço e do custo da pesquisa. Não é raro encontrar obras de certas especialidades por mais de dois mil reais. Mas livros técnicos não são para todo mundo. Livros de ciência para leigos deveriam ser. 

Se for para como a obra chegou nesse preço, podemos incluir aí direitos autorais, qualidade da produção do livro (sim, isso é muito importante. Livros pessimamente impressos são horríveis), custos de tradução e revisão (se ele for de um autor estrangeiro), e especialmente a tiragem planejada com base na probabilidade de quanto retorno as vendas vão trazer. mas não deixa de ser assustador, e tenho dificuldade de imaginar quantas pessoas desembolsariam este valor por um despretensioso interesse de ler.

Os valores normais, digamos assim, de livros de divulgação científica variam entre trinta e sessenta reais. E aqui incluo todas as áreas, desde matemática até história. Para a média geral, eu acho que os preços são altos. E não culpo editoras e livrarias por causa disso. Nós não temos nem costume, nem hábito de ler. Livros que não saem não vendem. E quanto menor a tiragem, maior é o custo, uma vez que é preciso lucrar para produzir. E em particular dentro de um cenário social onde a maioria das pessoas não tem a menor condição de se dar ao luxo de gastar esse dinheiro comprando coisas pra ler. Dificilmente um assalariado vai poder comprar uma obra de divulgação científica, nem se ele for numa sebo. E leitura como um todo é um fenômeno muito mal disseminado e mal visto no Brasil. Recordo de uma história engraçada sobre isso. Uma amiga estava no seu trabalho, aproveitando o horário logo após o almoço para continuar sua leitura. Uma das pessoas que trabalhava com ela se aproximou e puxou conversa, explicando: "puxa, vi você sozinha aqui, sem fazer nada, e vim lhe fazer companhia".

O ato de ler só parece coisa chique quando você está na praia, tomando banho de sol (vi essa cena várias vezes nas férias e em filmes na televisão). Ler fora desse contexto para muitos realmente parece um "sem fazer nada" de dar pena. Duvido muito que a abordagem tenha sido a mesma se ela estivesse apenas teclando no celular. E isso aponta para uma outra peculiaridade do problema. Quando eu me refiro a ler, eu estou me limitando ao conceito de ler livros. Porque nós lemos constantemente estamos lendo nas redes sociais. Se parar para pensar, passamos boa parte do dia lendo, sejam notícias, postagens diversas, comentários, memes. Nos acostumamos a consumir informações rápidas, curtas, que exijam pouco tempo e sejam fáceis de processar. O exercício de uma leitura mais continuada e profunda é que parece ser pedir demais. E é justamente esse tipo de leitura que é mais notável, mais meditada e digerida, que nos transforma e nos faz ficar mais críticos.

Livros em geral, e em particular de divulgação científica, deveriam ter um incentivo adicional para produção e consumo. E nós, seus leitores constantes, podemos fazer nossa parte, comprando sempre que possível as obras e valorizando assim os escritores, ou pelo menos fazendo propaganda das mesmas, divulgando nas redes que você está lendo. Isso sim pode inspirar outros a ler. Pelo menos aqueles que puderem comprar livros. Outra coisa que pode ser promissora é recorrer a audiobooks. Curiosamente, parece mais confortável estar fazendo alguma coisa enquanto se "ouve" um livro, o que dá a impressão de que você está otimizando seu tempo. Até hoje não sei qual a taxa de absorção de informações por audiobooks, mas não custa experimentar.

O papel dos livros de divulgação científica é aproximar as pessoas da ciência, usando um linguajar acessível e atraente, facilitando o entendimento de assuntos rotineiramente mais complexos. A maior parte destes apenas informam. A minoria brilhante tem o incrível poder de mudar mentes e estimular o gosto pela ciência. Mas se os livros não puderem alcançar as pessoas, pra quê servem então?