sexta-feira, 11 de setembro de 2020

A Conquista Social da Terra

 


Mais um volume do aclamado e conhecido entomologista Edward O. Wilson. E devo dizer que sua experiência científica em particular foi o pontapé inicial para escrever essa obra. Wilson é um especialista em formigas. Um dos maiores e mais renomados no mundo, diga-se de passagem. E uma das inúmeras e impressionantes características das formigas é que eles são insetos sociais, em um nível de organização hierárquica tão organizada que esta propriedade é a responsável pelo seu incrível sucesso ao longo de milhares e milhares de anos de evolução. Ficamos até nos perguntando como a criação desta sociedade tão eficiente e que deu tão certo parece não ter frutificado em outras espécies. Apenas formigas, cupins e alguns poucos organismos conseguiram criar um sistema social tão coeso quanto o desenvolvido por elas. E é justamente isso que gerou a criação deste livro peculiar.

A obra de Wilson trata sobre o surgimento das sociedades em insetos, especialmente nas formigas. E ninguém menos que o próprio autor para tratar deste tema. Wilson também é conhecido por ter popularizado o termo sociobiologia, que se refere a explicações do comportamento social baseada em seleção natural, sexual, genética e outros aspectos da biologia, em um livro publicado em 1975. Sua grande contribuição neste sentido é que, colocando uma base comum para as causas do comportamento social, podemos estender teorias e hipóteses sobre o desenvolvimento e manutenção dos agrupamentos sociais para um grande número de espécies diferentes. E pode nos incluir aqui. E justamente por isso o livro surgiu.

Seu texto é fácil e repleto de informações interessantes, com boas descrições de fenômenos biológicos complexos. Sua presente obra nos apresenta um apanhado das teorias existentes sobre o surgimento das sociedades, e ela é repleta de paralelos com a espécie humana. Um deleite tanto para amantes de biologia como antropologia e, por que não, psicologia. O livro pode ser dividido em três grandes partes, a primeira explorando a evolução da sociedade na espécie humana, desde seus antepassados primatas até hoje. Um excelente texto sobre nossas origens. Talvez poucos tenham tido tanta sorte em trabalhar este tema de forma tão atraente.

A segunda parte é uma abordagem detalhada a respeito de como surgiram as primeiras sociedades nas espécies não humanas. É um verdadeiro manjar, baseada em conhecimentos multidisciplinares. Você vai ver genética, evolução, seleção natural, fisiologia e ecologia em uma verdadeira aula sobre como enxergar o todo a partir de suas partes. E aqui também se inclui uma grande polêmica: Wilson lança algumas críticas ao tão estabelecido modelo da inequação de Hamilton, ou seleção de parentesco, que foi formulada para tentar explicar comportamentos altruístas diante do aparente paradoxo de que a seleção natural age sobre o indivíduo. O próprio Wilson publicou um artigo, anos atrás, com uma explicação alternativa que escanteava a seleção de parentesco de Hamilton, e recebeu pesadas críticas, incluindo uma imensa carta-resposta capitaneada por Richard Dawkins, assinada por dezenas de outros cientistas. Apesar de não se remeter a esse imbróglio, Wilson deixa claro seu pensamento a respeito da nova teoria.

A terceira parte tenta casar as duas anteriores. Explicar como surgiu a evolução da sociedade na espécie humana baseada nas informações existentes sobre o tema baseado em estudos e experimentos feitos com outras espécies. É aqui que vemos um Wilson mais humano e mais ousado. Até então ele se mantém contido no que os dados apresentam sobre homens e sobre animais, respeitando as limitações existentes pela falta de dados. Mas agora ele dedilha no assunto como poucos, e cria um texto tão atraente quanto convincente de seu ponto de vista. E eu não me recuso a admitir que sua visão pode ser confortavelmente aceitável. Um deleite para quem pretende enxergar as bases biológicas de nosso comportamento.

Publicado pela Companhia das Letras, é um texto de tamanho médio, com boa tipografia e folhas foscas. Muito confortável de ler e carregar. Para um assunto tão interessante, as quase trezentas e cinquenta páginas quase não se fazem sentir. É um livro para curiosos sobre a sociedade humana, o comportamento humano, e a evolução do comportamento social. A ponta da caneta de Wilson foi generosa para o leitor mediano, sem recorrer a excessos de jargões científicos, e mesmo assim mantendo as rédeas da boa prudência científica.


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