sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Uma breve história da ciência


Eis um assunto difícil de tratar. E não é por causa do grande número de livros que se propõe a tratar do tema, mas especialmente das maneira diferentes que eles podem ser conduzidos. Ou pelo menos das diferentes formas que eles dizem apresentar esta história. Pois bem, chegou a vez da historiadora inglesa Patricia Fara ter sua chance.

A história da ciência se confunde e muito com a própria história humana. É muito complicado você elencar os principais episódios, os grandes saltos intelectuais e desenvolvimento do método científico para escrever tudo de maneira fluida, contínua e razoável. Muitos autores podem até recorrer a infindáveis vai-e-vem na história para poder situar melhor a importância de um ou outro evento de destaque. E isso não ajuda realmente com a linearidade de se tratar do assunto. Fora que é comum que certos autores dão preferência às suas próprias áreas, quando são matemáticos, físicos ou astrônomos que se propõem a falar de ciência. Cada um puxando a sardinha para seu lado. Não digo que isso é necessariamente errado (eu mesmo não sei se o faria) mas com certeza isto tem a particularidade de criar um nicho próprio de leitores, em detrimento de outros. Então, o que esperar de uma historiadora?

Ela consegue identificar este problema, e logo nas primeiras páginas reconhece que é uma tarefa árdua que culmina em uma decisão individual. Foi um espetáculo encontrar a frase em destaque "a ciência não tem um início definido, e cada historiador deve escolher seu ponto de partida". Então, vemos alguém demonstrando bom senso na hora de começar a escrever, reconhecendo inclusive que a história da ciência depende muito da geografia e dos povos que começaram a se indagar sobre o mundo. E isso, posso assegurar, é um bálsamo. Não exagero em dizer que cinquenta por cento de minha decisão de ler o livro se deve a esta frase singela pouco pretenciosa. Mas vamos ao ponto, e o que este volume nos apresenta?

O livro começa no princípio quando as civilizações diferentes começaram a fazer abordagens mais práticas sobre o mundo. Um ensaio que tem uma concentração na Babilônia, com uma boa dose de geometria, astronomia e a própria vida. Quando estas questões começaram a se fazer sentir nas pessoas, e aconteceram em um momento e lugares certos para cair em solo fértil. Dividido em partes, a segunda merece um destaque à parte. Dentre todas as obras do gênero, é uma das poucas que pelo menos pincela o surgimento de alguma tecnologia e um princípio de pensamento científico (ainda que germinal) na Ásia e no mundo muçulmano. Aqui nós damos uma escapada rápida do viés eurocêntrico das abordagens históricas.

O livro continua no seu ritmo descritivo, se concentrando mais no impacto das descobertas e das perguntas sobre o pensamento e a forma de enxergar das pessoas. O livro está recheado de política e geografia e seus impactos e efeitos sobre a aceitação ou negação de novas tecnologias, investimentos e na própria sociedade. Então nos deparamos com um livro que foge um pouco à regra, de resumir a história da ciência nas descobertas, e não em seus efeitos sobre as pessoas. E eu confesso que achei isso ótimo. As descobertas, as novas perguntas, as tecnologias e seu impacto na sociedade basicamente guiam toda a narrativa, e assim fica mais fácil de entender como certos tipos de pensamentos foram capazes de surgir e se desenvolver em determinadas épocas, e em outras não. E note que esta abordagem dá menos destaque à contribuição individual do cientista propriamente dito, mas sim nos efeitos provocados pela descoberta e pela nova forma de pensar. Um trunfo.

Seguindo neste caminho, a história da ciência flui com graciosidade. Preciso destacar aqui um episódio que é abordado pela autora, que quase ninguém cita: a importância das sociedades científicas na popularização e fundamentação da ciência sobre a sociedade. E neste viés, chegamos à revolução industrial, às guerras e por fim às polêmicas geradas sobre nossas descobertas, com uma pitada de filosofia e impacto da ciência na sociedade moderna.

Publicado pela Editora Fundamento, o livro de pouco mais de quatrocentas páginas é agradável e escrito num linguajar simples, sem rebuscados. Folhas foscas e tamanho razoável, com espaçamento simples e fonte agradável de leitura. Destacam-se os quadros com frases mais importantes da página e ilustrado com gravuras e esquemas em preto e branco. Posso dizer que é uma verdadeira e bem balanceada história da ciência.


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