sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

O Presente de Hitler – cientistas que escaparam da Alemanha nazista


Este pode ser considerado um livro de divulgação científica? Por que ele seria resenhado para este blog?

Se você se fez esta pergunta, eu não lhe recrimino nem tiro sua razão. Pensei nisso também quando estava prestes a sentar no computador e começar a escrever estas linhas. Será que um livro de história, digamos assim, funciona como uma proposta de explicar questões de ciência?

Permita então que eu partilhe de meus pensamentos a este respeito. Quando criei o blog pensei em oferecer ao público resenhas de livros interessantes sobre ciência, daqueles enquadrados no conceito clássico de divulgação científica. Se pararmos pra pensar, um livro de divulgação científica deveria oferecer, de forma mais suave e digerível, conceitos e ideias sobre ciência, que raramente seriam interessantes por outra forma. Mas para conseguir alcançar este objetivo, muitos autores precisam desenvolver uma escrita mais familiar, menos formal e mais humanizada. Uma leitura que escape do mesmismo e chatice do texto acadêmico. Algo mais próximo do que a grande maioria das pessoas entende e experimenta, como curiosidades, histórias engraçadas e relatos familiares.

Neste sentido, eu acho que um livro que conta a história de cientistas também cumpre o papel de divulgação científica, pois permite que enxerguemos o homem por trás da descoberta. E nada melhor do que uma boa historia para nos sentirmos mais próximos de um grande médico, físico ou matemático, seja lá qual foi sua área, que também enfrentou os mesmos problemas que nós enfrentamos. E por causa disso, eu considero adequado para este espaço livros que falem sobre cientistas.

E o que eu tenho a dizer sobre este livro: simplesmente impressionante.

O livro conta como a ascensão do nazismo afetou diretamente as universidades e a ciência da Alemanha. Como a política racista atingiu todos os níveis de produção intelectual e científica nas universidades e institutos de pesquisa, afastando mais e mais brilhantes cientistas judeus, seus parentes e simpatizantes, forçando um exílio desenfreado e condenando uma geração inteira de jovens à obscuridade de uma pretensa ciência ariana. E com a saída em massa de tantos cérebros privilegiados, havia muita gente interessada que estes gênios trabalhassem em suas fileiras. A obra destaca dois países que receberam de braços abertos a estes cientistas: Grã-Bretanha e Estados Unidos.

Você vai encontrar como estes cientistas foram recebidos em outros países, algumas histórias de fugas espetaculares, outras de conformismo e aceitação, e relatos tocantes de cientistas alemães que fizeram de tudo para resistir ao obscurantismo científico imposto pelo Nazismo. Dentre os que ficaram na Alemanha, seja por concordar com a política predatória nazista, seja por um sentimento ímpar de resistência para preservar a ciência real na Alemanha, a história de Max Planck é simplesmente espetacular. Não me canso de reler com que fibra este homem resistiu ao máximo permanecer em um ambiente tão hostil à ciência. Sinceramente, não sei porque ninguém ainda pensou em transformar sua vida em um filme.

A saída em massa destes cientistas também acelerou a corrida armamentista, e a obra não deixa de citar a criação da bomba atômica, as polêmicas envolvidas, quando então a Alemanha nazista perde a guerra e é preciso simplesmente reconstruir toda a Europa.

Publicado pela editora Record, é um livro de menos de 300 páginas na qual cada uma delas vale muito a pena. Páginas brancas e fontes um pouco grosseiras não dificultam a leitura. O livro é ilustrado com algumas fotos de cientistas e políticos da época, muitos citados no próprio texto. É uma daquelas obras que você não esquece, porque é simplesmente impossível esquecer deste período tão obscuro da história humana, e com ele afetou cientistas de forma tão impiedosa, mas que ao mesmo tempo despertou para muitos o lado humano da produção do conhecimento científico.

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