Religião sempre foi um tema muito
delicado, e complicado para ser tratado. É um assunto que particularmente me
chama bastante a atenção. Foi por isso que, quando encontrei este livro na
prateleira da livraria, quase não pensei duas vezes. Meu interesse por religião
não vem do fato de eu já ter sido um religioso praticante, mas pela minha
curiosidade sobre como se desenvolveu o pensamento mágico no cérebro humano.
Por que criamos um suporte mental para que desenvolvamos crenças, inicialmente básicas
e não sistemáticas, até as religiões organizadas que temos hoje em dia? Sempre
fui fascinado pelo assunto e não perco uma oportunidade de ler algo a respeito.
A obra é assinada pelo filósofo
Daniel Dennett. Se este nome não significa muito pra você, deixe-me explicar:
Daniel Dennett é o autor de um livro que é provável que você já tenha ouvido
falar ou ter visto ele mencionado em algum canto, especialmente se você se
interessa por evolução biológica. Ele é o autor da obra A perigosa ideia de
Darwin, seu texto mais famoso. Apesar de conhecer seu conteúdo, confesso
que ainda não o li (um amigo me recomendou fortemente o texto, e provavelmente
em algum momento ele pode aparecer por aqui), e quando comecei a me interessar,
descobri que ele estava esgotado. Apenas em sebos. Paciência.
Preciso informar primeiramente que
não é um livro leve. E não falo apenas figurativamente. O volume é denso,
ligeiramente mais pesado do que outros com dimensões parecidas. E na escrita,
você já deve saber o que esperar de um filósofo. O conteúdo é profundo e faz um
convite ao raciocínio, com um texto extenso e reflexivo. Os leitores mais ágeis
e que gostam de informações mais diretas, menos remoídas, vão sentir um certo
peso em manter a leitura no seu ritmo. Apesar de fazer uso de uma respeitável
bibliografia, boa parte da escrita de Dennett é um mergulho em sua forma de
raciocinar. E aqui preciso fazer um parênteses sobre isso. Tenho lido algumas
obras escritas por filósofos que estão investindo bastante em acrescentar
bibliografias experimentais em seus livros. Ao invés de ser um volume massivo
apenas contendo o raciocínio do autor, numa espécie de conversa com o leitor,
estes filósofos estão buscando em fontes de experimentos científicos para
reforçar suas ideias com base em dados e evidências. Tem sido muito prazeroso
para mim ler sobre opiniões e experimentos que confirmam (ou negam) o ponto de
vista do autor. De certa forma, é uma maneira que o autor tem em se
desvencilhar um pouco de sua única opinião, ao mesmo tempo que demonstra respeito
às pesquisas científicas na área próxima de sua especialidade.
Como o subtítulo diz, e de forma
adequadamente simples, o livro se trata de como a religião deve ter evoluído a
partir da evolução do comportamento grupal humano, transmissão cultural e
cérebros capazes de pensar de forma abstrata. O profundo respeito que o autor
tem pela influência biológica neste sentido é percebido em cada página, mesmo
que esteja mais rebuscada com um linguajar menos direto, mais estiloso. Ele
disseca fenômenos sociais e biológicos, até conceitos de evolução e seleção
natural, reduzindo e separando as partes do todo, abordando o assunto como um
médico legista. Aliás é essa sua abordagem mais fria e metódica que levou à
escolha do título principal da obra, a meu ver. O autor sabe que o convite à
análise fria de seu texto pode “quebrar o encanto” que norteia aos que são mais
religiosos. Mesmo que eu não acredite que este seja o público que vá ter o
desejo de folhear esta obra.
A leitura de Dennett não é simples e digerível
ao primeiro contato, e você precisa de um pouco mais de paciência para avançar
no raciocínio do filósofo, a não ser que este assunto seja um de seus
preferidos. Esta não é sua obra mais cativante nem a mais convidativa. Uma obra
que pretende mostrar a evolução da religião baseado tanto na literatura e
contextualização filosóficas (vai encontrar muitos filósofos citados aqui) como
na literatura mais científica (e aqui vemos seu respeito aos cientistas, como
Darwin, Dawkins e Stephen Jay Gould).
Publicado pela Editora Globo, o
livro tem folhas amareladas e fonte elegante, com espaçamento bem confortável. As
páginas densas que lhe conferem um peso adicional disfarçam bem o volume
inteiro, onde quase não se nota que esta obra encerra quatro centenas de
páginas. Não é um livro extraordinário, mas consegue lhe iniciar numa visão
biológica e comportamental sobre as origens da religião.
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