Não se assuste com a foto. Você vai entender no final do texto.
Quem escreve muito termina
criando um estilo próprio, que por sua vez cativa uma boa quantidade de
leitores para suas próximas produções. Então, mesmo que você não saiba qual
será a próxima tacada do escritor, pode ter certeza que seu primeiro impulso é
comprar o livro assim que ele for lançado. Se isso dá a fama e popularidade à
autores de terror, romance, suspense e diversos gêneros literários, também se
aplica aos escritores de divulgação científica. Suponho que este seja o caso do
presente livro.
Oliver Sacks foi um médico que
conquistou uma legião de fãs com seus livros de títulos inusitados que contam
suas experiências com casos clínicos que variam do cômico ao irreal. Sua obra
sobre alucinações é um deleite, e eu recomendo a leitura (resenhado aqui). Sua
escrita é cativante e agitada, sem floreios e direta, dosando bem os momentos
em que pretende explorar mais um assunto do que outro. Neste sentido, podemos
dizer que Sacks tem um estilo muito agradável de se ler. Em sua vida agitada e
repleta de episódios espetaculares, que terminou em 2015 por decorrência de um
câncer, ele sempre fez questão de escrever. Na verdade, escreveu até morrer. E
boa parte deste material provavelmente vai à público de forma póstuma. É o caso de Rio da Consciência.
Publicado em 2017, o livro é um
apanhado de diversos textos e opiniões de Sacks que não foram publicadas em
nenhum outro momento. Por ser um homem com uma vasta experiência de vida e um
profundo intelectual, é difícil imaginar que hajam muitos assunto dos quais ele
não tenha uma mínima opinião formada. Inclusive é esta observação que prefacia
a referida obra. E devemos reconhecer, ele seria hoje considerado um pensador
polivalente. Pois bem, seu livro póstumo é um apanhado de suas opiniões e
observações sobre assuntos diversos de seu domínio. Então o livro não é de um
tema específico, mas sim uma coletânea para os admiradores de Sacks. Tanto é
que o título do livro é o mesmo de um dos capítulos desta coletânea.
Com seu estilo humorado e informativo
ao mesmo tempo, cada assunto é abordado com jovialidade e sem a carga de um
peso informacional muito grande. E neste estilo preciso destacar dois capítulos
particularmente interessantes, seja pelo seu ineditismo, seja pelo traço de
objetividade e cientificismo que sempre caracterizou a personalidade de Sacks.
O primeiro é o capítulo
"Darwin e o significado das flores". Por já ter lido uma extensa
biografia de Charles Darwin, eu reconheço que ele foi um homem formidável, na
sua imensa capacidade de explorar sistematicamente a natureza ao seu redor. E
por possuir uma estufa de respeito em sua propriedade, também executou observações
com plantas. Mas eu nunca tinha prestado atenção na profundidade de seus
estudos botânicos. Este capítulo apresenta o que parece ser um princípio de
enxergar as plantas através de uma perspectiva experimental, digna de um
verdadeiro pioneiro em elaborar pequenos protocolos para responder perguntas
simples. Suas observações sobre a polinização das plantas, seus procedimentos
experimentais bem planejados e as respostas que conseguiu com eles me
surpreenderam. O viés botânico de Darwin é realmente uma história que merecia
ser contada por mãos competentes. E foi exatamente isso que aconteceu.
O outro capítulo chama-se
"Uma sensação generalizada de Desordem". Pasmei quando percebi que
tratava-se de sua própria história na detecção do câncer que o consumiu.
Enquanto corria as páginas, ficava ora angustiado, ora curioso com o
desenvolvimento do texto. Com uma objetividade incrível, e um sangue frio de
fazer inveja, ele conta como foi a primeira descoberta dos indícios, o difícil
período de tratamento, os efeitos colaterais e sua recuperação, com
apontamentos bem ponderados, e uma visão muito direta e científica de sua
própria experiência. E tudo isso ocorreu no ano de seu falecimento. Com uma
visão bastante racional e ao mesmo tempo consciente de suas próprias emoções,
ele não deixou de enxergar o problema com a maior objetividade possível. Aliás,
o texto foi escrito nos meses que se seguiram quando ele retornou do hospital e
depois faleceu, em agosto do mesmo ano.
Publicado pela Companhia das Letras,
o livro é pequeno, com menos de 200 páginas, boa tipografia e folhas amareladas
e foscas. Seu tamanho e peso são ideais para uma leitura casual e descontraída,
ou mesmo para passar o tempo em um ônibus ou esperando algum serviço. A capa é
curiosa: possui um desenho feito à tinta, sem nenhuma forma definida, e é
encapado com um plástico transparente, onde se encontra o título. Apesar de original, a ideia atrapalha um pouco. Então eu decidi me livrar da capinha plástica que contém justamente o título. Só que eu me esqueci de tirar uma foto dele para o blog com essa capinha. Paciência.
Recomendo a
obra para os admiradores de Sacks e seu jeito simples de contar histórias.
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