Enfim, terminei!
Gosto de livros pesados, de livros com muito conteúdo. Mas
este gosto tem um preço: demora muito, às vezes, para completar a leitura. Este
gigante de celulose me consumiu mais de um ano para poder finalizar. É verdade
que no meio do tempo, apareceram outras obras, e terminaram sendo finalizadas com rapidez. Mas aproveitar bem um calhamaço de 900 páginas repleto de dados e
informações, é uma leitura que exige um tempo e uma concentração razoável, sem
pressa e sem atropelos, não pode ser feita à toque de caixa. E isto eu com
certeza posso falar da obra mais volumosa do psicólogo evolutivo, Steven
Pinker.
Se você acompanha meu blog, já se deparou com outra resenha
de uma obra dele (Como a Mente Funciona, bem aqui). Então vou reforçar o que
havia dito antes sobre seu livro resenhado: ele é um escritor que não poupa
palavras, e é viciado em dados. Boa parte de sua obra é preenchida de
informações diversas, com os quais Pinker não se intimida em lidar, questionar,
criticar ou refletir. E aqui ele mantém seu estilo, como também conseguiu criar
uma coletânea impressionante de dados e mais dados, tudo para enfim oferecer
bases sólidas de sua única afirmação: a violência do mundo diminuiu.
A história da violência é o que abre seu discurso. Não tem
como negar que a humanidade é preenchida de episódios de crueldade, dor,
assassinatos e toda sorte de crimes. E isso foi bastante útil e fundamental
para que muitos grupos humanos pudessem sobreviver. Ele deixa claro quando faz
um apanhado das mitologias e crenças humanas desde milênios, nas quais o uso
consciente de violência em seus diferentes níveis foi um recurso político e
impositivo de autoridade. O resgate histórico é bem recheado e diversificado.
Ele enfim prova que nas raízes da humanidade agir com agressividade foi um
ponto básico de nossa evolução, até muito recentemente.
Em seguida, com tudo isto claro, ele nos prepara para uma
chuva de dados gráficos que são de fazer inveja a qualquer obra técnica. Ele
cria uma conexão entre o que chama de Processo Civilizatório (uma transição do
estilo de vida tribal para uma organização social gerida por um Estado) com a
diminuição generalizada de diversos indicadores de violência. Aí temos quase
uma centena de páginas recheadas de figuras que mostram um declínio evidente no
índice de violência em diversos países, em diversas épocas. Quase todos os
gráficos são iguais (e tinham de ser, pela natureza do livro) mostrando um
declínio em todos eles, reforçando a ideia de que a violência realmente
diminuiu. Mostra-se apenas com exceção o século XX, nas duas Grande Guerras.
Pinker reconhece que ambas são gigantescas, e possuem índices inéditos em
relação à mortalidade e eficiência na arte do genocídio e de massacres. E nas
figura dá pra perceber estes números discrepantes, de seu discurso da redução
da violência. Pinker nos convida a enxergar os dados de forma mais espaçada, e
assim podemos notar que estes dois momentos trágicos se achatam razoavelmente
se levarmos em conta outras proporções, como porcentagem de mortos por número
de habitantes global, dentre outros fatores.
O autor enfatiza que há alguns processos chaves responsáveis
pela redução da violência. O que ele chama do Processo Pacificador (quando, por
questões lógicas, relacionamentos amigáveis e comerciais são menos custosos e
mais benéficos para todos, do que o apelo constante à violência), o Processo
Civilizatório, a Revolução Humanitária (a diminuição, mesmo que tardia, da
percepção de que certas etnias ou grupos são menos importantes que outros) , a
Longa Paz (um período da história humana no qual o número de batalhas e guerras
oficiais entre nações surpreendentemente diminuiu) e a Nova Paz (os períodos
recentes, pós Guerra Fria). Seu raciocínio, intercalado sempre com citações ora
irreverentes, ora reflexivas, conduz bem para que achemos estes episódios
razoáveis em explicar, no contexto geral, que a violência tem diminuído.
Como não podia ser diferente, Pinker mergulha na mente humana
e nas razões biológicas que nos tornaram tão dependentes de atitudes violentas.
Aqui eu não posso deixar de reconhecer que há muita coisa semelhante em alguns
capítulos de seu livro sobre a mente, visto que ele, como psicólogo, não pode
evitar de falar do assunto. Evidentemente ele se concentra nas raízes humanas e
biológicas da agressividade, em um discurso que chega a ser bem mais esmiuçado
que os anteriores. Depois de destrinchar nossas paixões mais animalizadas, ele
então direciona o leitor para o discurso oposto: como nós mudamos ao longo do
tempo, e passamos a tolerar menos episódios de banalidade do sofrimento. É
clássico do estilo Pinker de escrever.
A obra colossal
finaliza com algumas reflexões sobre tudo o que foi escrito, e reforçando que
estamos num período onde o apelo à violência apresenta uma tendência cada vez
mais generalizada a desaparecer. Como relações amigáveis são sempre mais
vantajosas, em diversos cenários, e que elementos chaves como alfabetização,
educação, apelo à razão e desenvolvimento científico e tecnológico estão
fundamentalmente atrelados com uma diminuição compulsória do recurso à força e
violência. É um cenário realista, em função de seus dados, e otimista
justamente pela mesma razão.
Publicado pela Companhia das Letras, o livro é bem pesado,
mas a tipografia e as folhas fosca amenizam a leitura. Por ser muito volumoso,
recomendo utilizar uma cadeira confortável. É quase um quilo de livro, que não
tem com ser levado numa bolsa ou numa mochila para ser lido durante momentos de
viagens ou na espera de alguma fila de serviços.
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