sexta-feira, 28 de maio de 2021

Cérebro, uma biografia

 


Eu tenho um fascínio considerável pelo cérebro. Não sei se é pelo seu peculiar formato de chiclete mastigado (e reconheço a alusão ao formato do alienígena Krang, o vilão interdimensional do desenho animado das Tartarugas Ninja) ou por ser o órgão responsável pelo que somos. Enfim, me atrai profundamente. Possuo uma quantidade considerável de livros sobre ele (alguns ainda não resenhados aqui), e toda vez que alguém me fala algo a respeito, presto boa atenção.

E esse livro me chegou às mãos numa dessas ocasiões. Recebi uma mensagem de meu amigo e colega de trabalho Ulysses de Albuquerque sobre essa obra, recomendando sua leitura. Não precisei de muito tempo para buscar o livro na internet e me convencer de que valeria o investimento. Algumas semanas depois, o volume chega e já me deparo com uma surpresa: ele é incrivelmente fino! Eu sempre esperava que qualquer obra sobre o cérebro (em especial, quando se trata de sua “biografia”), mereceria pelo menos umas quinhentas páginas. E o texto de David Eagleman não chega às 250. Bem, agora vamos ver o que o livro tem a nos contar.

Primeiramente, você não vai encontrar nada sobre as pesquisas pioneiras do sistema nervoso central, ou uma histórica concisa sobre o estudo do cérebro e dos neurônios. Esqueça. O estilo do autor é ir direto ao que interessa. E reconheço francamente que ele soube muito bem fazer isso. A primeira sensação que você tem ao ler o livro é como se estivesse lendo o roteiro descritivo de um documentário de televisão. A biografia a qual o autor alude não é uma história completa, e sim as partes mais intrigantes, escolhidas à dedo, por quem realmente entende do assunto e por quem sabe o que o leitor gostaria de ler a respeito. E fiquei profundamente agradecido por isso. Ao contrário de ser uma biografia como se imagina, digamos que o livro prefere escolher aquelas partes que realmente vão lhe prender a atenção. E isso confere ao texto uma fluidez difícil de encontrar em outros livros.

Neste livro você vai encontrar uma história do cérebro que erra, do cérebro que toma decisões, do cérebro que nos dá sensação de consciência. Nada de descrições anatômicas entediantes, ou coisa parecida. É o preto no branco, do que conhecemos sobre o cérebro, e escrito para todo mundo entender. E isso precisa ser destacado: Eagleman escreve com uma precisão impressionante de quem sabe o que quer dizer (e como dizer) para seus leitores. Ele usa frases curtas, vocabulário simples, construções e expressões perfeitas, sem exageros ou resumidas demais. A minha impressão é que, ou ele ficou trabalhando arduamente sobre o texto, escrevendo e reescrevendo até encontrar as expressões adequadas, frase por frase, página por página, com um perfeccionismo quase obsessivo, ou ele é um dos autores de ciência para o público mais talentosos que eu já vi. E novamente, lembra muito um documentário. Quase consigo ouvir aquela voz narrando a história toda escrita por ele. E o formato também ajuda: Entre uma e outra afirmação, Eagleman puxa para uma história de alguém ou um paciente com determinada deficiência ou característica que permitiu se descobrir particularidades do funcionamento do cérebro. O livro inteiro é assim, e por isso é atraente.

A biografia que não é uma biografia. São as partes que a maioria de nós gostaria de saber sobre o cérebro que o autor escolheu narrar. Sensações, impressões, falhas, tudo que o cérebro faz conosco e nos torna o que somos, descrito com precisão. Se muito, temos alguns elementos que criam um vínculo de pessoalidade com o leitor, quando ele trata de suas próprias experiências e experimentos. Talvez a mensagem mais marcante da obra, ao final, seja seu aspecto um tanto reducionista: sensações, ideias, intuições, impressões, todas produto do cérebro. Pode ser desafiador para um leitor menos materialista ver as coisas sob esse ponto de vista, mas a escrita é essencialmente honesta a esse respeito, e eu a entendo perfeitamente, sob o ponto de vista biológico. Sem polêmicas, sem reflexões mais profundas, o livro entrega explicações sem entrar em méritos. Simples assim.

Publicada pela editora Rocco, ela contém algumas ilustrações, folhas foscas e fontes confortáveis para leitura. O espaçamento generoso e as margens dão uma impressão ainda maior que o livro é curto. Quadros dão esclarecimentos adicionais sobre os assuntos abordados no texto, mas não provocam desconforto nem afetam a dinâmica da leitura. Adequado para leitura casual, embora eu não recomende. Essa leitura merece uma experiência mais atenta e reservada para aproveitar o máximo o que seu autor tem a nos contar

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