sexta-feira, 11 de junho de 2021

Leitores esponja: não seja um deles

 


Se você nunca ouviu falar dessa expressão, não se preocupe. Ela é muito pouco usada. Para falar a verdade, eu mesmo quase nunca vi, e nem me recordo direito da primeira vez que li essa expressão. Mas seu significado é claro por si só. O leitor esponja é o leitor que absorve tudo o que ele lê. Isso mesmo. Funciona como uma típica esponja, ao “absorver” o conteúdo. O que ele pode reter dela, ele vai reter. Mas não confunda isso com memória eidética, mais conhecida como memória fotográfica. Não é isso. O leitor absorve o texto da mesma forma que uma esponja absorve a água. Não importa se a água seja suja ou limpa, a esponja vai absorver. O leitor também. O leitor esponja não tem filtro. E esse não deve ser o papel de um leitor.

O primeiro leitor esponja que conheci já era um homem bem maduro, umas boas décadas mais velho do que eu. Devorava livros, e dinheiro não parecia ser uma limitação para sua sede por textos. A princípio, costuma fazer citações das obras que tinha lido, mas logo se percebia que a memória, essa senhora tão relapsa, ora e meia lhe passava a perna. Não obstante, essa não era sua característica de um leitor esponja. Ela apareceu depois.

Um belo dia, o amigo me presenteou com uma obra. Sabendo que eu gosto de biologia, me repassou um livro de um geneticista, enfatizando que era um livro repleto de informações. Peguei o modesto volume e agradeci, prometendo fazer a leitura. Li a obra, o que não demorou muito, pois o livro era curto e muitos capítulos eram de informações básicas de biologia, o que não exigiu muito tempo de mim. Na oportunidade seguinte que encontrei meu amigo, dei minhas impressões sinceras: o livro era essencialmente a opinião do autor sobre um determinado ramo da ciência, ao invés de ser baseado em evidências científicas, e por isso não podia ser muito levado a sério. Ele pareceu chocado e enfatizou que o autor havia ganhado prêmios de biologia pelas suas pesquisas. Respondi que sim, que ele havia sido contemplado com alguns prêmios, mas não essencialmente em função da qualidade da ciência que havia produzido, mas por características técnicas relacionadas. E isso sem menosprezar o cientista. Curiosamente, ele não parecia entender minha crítica, já que o autor era enfático em muitas de suas afirmativas (muito pouco científicas, por sinal). Reforcei o que tinha dito, e ele continuou incrédulo.

Não é porque alguém publicou um livro que seu conteúdo seja certo, ou correto, no seu todo ou em parte. A primeira vez que tive essa lição foi ao ler Uma Breve História do Tempo, de Stephen Hawking, ainda na juventude. Fiquei fascinado com o texto e explicações. Alguns anos depois, conheci um astrofísico israelense. Durante nossa conversa, falei do texto com entusiasmo, e ele recebeu meu comentário com uma careta. Fiquei sem entender, e ele me explicou que nem tudo no texto necessariamente tinha suporte em evidências científicas da época, que haviam algumas especulações um pouco exageradas, que deveriam ser mais consideradas como opiniões pessoais. Eu não era versado em astrofísica, e por isso não podia identificar essas peculiaridades. Mesmo assim, a lição ficou. Guardei essa observação comigo e aplico em tudo que leio hoje em dia.

Meu treinamento foi paulatino. Você com certeza não precisa desse filtro quando está lendo uma ficção. Sem problema algum. Agora, quando você encara um livro que se propõe a falar sobre ciência, é necessário um discernimento. E você cria o discernimento durante a leitura, fria e pensada. Eu aplicava meus conhecimentos de faculdade (e os livros texto) para confirmar ou desconfiar de certas afirmações. Era trabalhoso, mas pelo menos me mantinha menos propenso a acreditar cegamente em qualquer afirmação somente porque ela está escrita, e no formato de livro. Quando você pega um leitor honesto, ele reconhece que parte do que está escrevendo são suas opiniões, e elas podem estar certas, assim como podem estar erradas. Um pensamento muito prudente, que aumente sua confiabilidade sobre o texto.

O leitor esponja não se incomoda com esse crivo. Para ele, se a informação está escrita no livro que ele está lendo é porque a informação está certa. Mesmo que isso seja o oposto do que ele aprendeu. Esse pequeno conflito entre o que foi aprendido x o que está no livro é uma coisa que precisa ser administrada. Isso é muito comum especialmente quando encontramos textos pseudocientíficos. A armadilha é justamente alinhar informações cientificamente precisas com informações não confirmadas. E isso é um prato cheio para enganar o leitor esponja. Há livros que são peritos nisso: misturar ciência séria com jargão científico de quinta categoria e criar um monstro de Frankenstein. Incutir a dúvida sobre o leitor e fazê-lo achar razoável questionar evidências científicas, assumindo crenças pseudocientíficas como sendo a melhor alternativa diante da dúvida.

O leitor esponja pode conviver com assuntos diversos de textos diferentes e criar novas realidades. Quando ouço a propaganda de uma rádio dizendo que “nos meios intelectuais italianos, descobriu-se que a concepção da realidade é muito mais auditiva”, eu entendo que essa afirmação é demasiadamente vaga para ser considerada real. Ela não passa de uma propaganda. O leitor esponja entende que realmente “sábios” da Itália se reuniram e chegaram nessa conclusão, e passa a expressar claramente essa afirmaçaõ como algo com tanto peso quanto qualquer alegação cientificamente válida. Ou que “intelectuais suíços” definiram que existem 11 tipos diferentes de realidade no universo.

Ler muito não é ler bem. Ler muito não significa muita coisa se você não assume o protagonismo como leitor. O leitor precisa aprender com seu texto, e não absorvê-lo indiscriminadamente. Há livros que abordam temas ainda pouco explorados, com muitas explicações alternativas. Tudo bem, isso não é problema. O problema é quando o autor começa a dar mais ênfase a uma das explicações que é a menos provável, tentando direcionar o leitor a acreditar que ela seria a mais plausível, quando na verdade ela não é. O leitor crítico pode encontrar a armadilha e evita-la. O leitor esponja não é capaz de fazer isso.

Se tratando de livros que procuram simplificar e explicar conceitos de ciência, ser um leitor crítico faz uma grande diferença. Você não lê simplesmente por ler, mas sim para aprender, a entender melhor alguma coisa. Leia bem, porque senão a vítima vai ser você


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