sexta-feira, 19 de junho de 2020

Cientistas de Hitler - ciência, guerra e o pacto com o demônio



Seguindo a linha de que livros sobre a história dos cientistas e como seu papel, seja na ciência, seja na vida pessoal afetam as descobertas científicas e a sociedade, também podem ser considerados livros de divulgação científica, apresento mais um volume que se enquadra nesta categoria. Eu tenho um particular fascínio pela história da ciência na Segunda Guerra Mundial, justamente por haver um forte conflito entre os princípios básicos de se fazer ciência e nosso comprometimento com a sociedade. Especialmente em uma fase tão conturbada e bárbara dos tempos modernos.

É uma obra fascinante. Começa com uma explicação do que era considerado o conceito de ciência sob o ponto de vista dos alemães na época, e sob o olhar de Adolf Hitler. Um texto apenas introdutório, que serve para nortear como se enxergava, naquele tempo, o que fazia um cientista. Como a Alemanha tornou-se um gigante na ciência, diante dos demais países europeus, especialmente na pessoas de alguns de seus representantes mais destacados. E impressionante como muitos cientistas alemães tiveram vidas tão espetaculares. Como é o caso do químico Fritz Haber. Tendo participado da Primeira Guerra Mundial, nas frentes alemãs foi o pioneiro no desenvolvimento de uma das armas mais perversas da história: o gás tóxico. Para criar explosivos, conseguiu sintetizar amoníaco, o que também é usado para produzir fertilizantes. E isto lhe valeu o Prêmio Nobel de Química em 1918. Suas conquistas científicas voltadas para o combate lhe valeram o reconhecimento e prestígio entre os militares, ao mesmo tempo que arruinaram seu relacionamento pessoal, pois sua esposa repudiava veementemente que seu conhecimento fosse aplicado neste sentido, atingindo o ápice quando ela decidiu se suicidar com uma pistola.

Durante a ascensão do nazismo, a ciência começa a entrar em frangalhos. As políticas antissemitas obrigam mudanças ideológicas dos institutos de pesquisa e universidades. A pseudociência eugênica começar a tomar corpo em posições estratégicas, e políticos assumem cargos justamente para impor a visão tacanha de uma ciência ariana, banindo qualquer esforço intelectual que mostre o contrário. Demissões em massa e fugas começam a acontecer. É emocionante ver os pontos de vista de quem precisa partir, como Albert Einstein, por sua ascendência judaica, e os que decidiram ficar e enfrentar o monstro, como Max Planck, em um esforço de sacrifício abnegado para tentar preservar uma boa ciência no lamaçal criado pela ignorância nazista. Sua história é um roteiro de cinema, com uma profunda paixão pela ciência, uma grande humildade e seu profundo senso de dever.

Neste cenário, é preciso reconhecer o papel dos cientistas nos esforços de guerra no desenvolvimento de novas tecnologias, que auxiliaram a Guerra a se estender mais ainda. Com um corpo de cientistas muito competente, não é de se admirar que a Alemanha nazista estivesse a um passo a frente de seus adversários. E foi justamente por ouvir os fugitivos e refugiados alemães que os Aliados se tornaram cientes da possibilidade de Hitler conseguir desenvolver uma arma atômica. Entra em ação o Projeto Manhatan.

Ao final da Guerra, nos deparamos com a descoberta dos desumanos experimentos nazistas, utilizando cobaias humanas, cujos resultados até hoje são considerados os mais polêmicos da história. A descrição do livro, em algumas partes, não só chega a embrulhar o estômago, como é muito revoltante de ler. Pensar que homens de ciência são capazes de desenvolver um "botão de desligar" moral e deixar de enxergar humanidade em outras pessoas é assombroso.

A parte final do livro se dedica aos cientistas nazistas depois da guerra. Alguns são presos e interrogados, outros são acobertados e recebem asilo de outras nações interessadas em seu privilegiado conhecimento. Uma especial atenção é dada ao episódio Farm Hall ou Operação Epsilon, no qual um grupo de cientistas alemães é mantido prisioneiro em uma casa repleta de escutas, por suspeitas de seu envolvimento com supostas armas nucleares alemãs. Novamente uma história de cinema.

O livro encerra com um vislumbre das contribuições dos cientistas alemães durante a Guerra Fria, seja no lado soviético, seja no lado americano. Quase não temos ideia de como nosso mundo tecnológico dependeu das pesquisas e descobertas destes cientistas. Como uma espécie de epílogo, o autor procura traçar um perfil do comprometimento, ou falta dele, entre pesquisadores e suas ações durante este período conturbado da história. Uma obra como poucas, posso garantir.

Publicado pela Editora Imago, você não sente passar as quatrocentas páginas, que ainda parecem pouco para a quantidade de informação que apresentam. Livro impresso em páginas brancas, com boa margem lateral e com fotos da época, que ajudam a dar um rosto aos personagens desta história impressionante. Sinto que me alonguei demais nesta resenha, mas devo considerar que é um dos melhores livros que já li. Você não termina ele do mesmo jeito que começou. E é isso que torna uma obra única.

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