Seguindo a linha de que livros
sobre a história dos cientistas e como seu papel, seja na ciência, seja na vida
pessoal afetam as descobertas científicas e a sociedade, também podem ser
considerados livros de divulgação científica, apresento mais um volume que se
enquadra nesta categoria. Eu tenho um particular fascínio pela história da
ciência na Segunda Guerra Mundial, justamente por haver um forte conflito entre
os princípios básicos de se fazer ciência e nosso comprometimento com a
sociedade. Especialmente em uma fase tão conturbada e bárbara dos tempos
modernos.
É uma obra fascinante. Começa com
uma explicação do que era considerado o conceito de ciência sob o ponto de
vista dos alemães na época, e sob o olhar de Adolf Hitler. Um texto apenas
introdutório, que serve para nortear como se enxergava, naquele tempo, o que
fazia um cientista. Como a Alemanha tornou-se um gigante na ciência, diante dos
demais países europeus, especialmente na pessoas de alguns de seus representantes
mais destacados. E impressionante como muitos cientistas alemães tiveram vidas
tão espetaculares. Como é o caso do químico Fritz Haber. Tendo participado da
Primeira Guerra Mundial, nas frentes alemãs foi o pioneiro no desenvolvimento
de uma das armas mais perversas da história: o gás tóxico. Para criar explosivos,
conseguiu sintetizar amoníaco, o que também é usado para produzir
fertilizantes. E isto lhe valeu o Prêmio Nobel de Química em 1918. Suas
conquistas científicas voltadas para o combate lhe valeram o reconhecimento e
prestígio entre os militares, ao mesmo tempo que arruinaram seu relacionamento
pessoal, pois sua esposa repudiava veementemente que seu conhecimento fosse
aplicado neste sentido, atingindo o ápice quando ela decidiu se suicidar com
uma pistola.
Durante a ascensão do nazismo, a
ciência começa a entrar em frangalhos. As políticas antissemitas obrigam
mudanças ideológicas dos institutos de pesquisa e universidades. A
pseudociência eugênica começar a tomar corpo em posições estratégicas, e
políticos assumem cargos justamente para impor a visão tacanha de uma ciência
ariana, banindo qualquer esforço intelectual que mostre o contrário. Demissões
em massa e fugas começam a acontecer. É emocionante ver os pontos de vista de
quem precisa partir, como Albert Einstein, por sua ascendência judaica, e os
que decidiram ficar e enfrentar o monstro, como Max Planck, em um esforço de
sacrifício abnegado para tentar preservar uma boa ciência no lamaçal criado
pela ignorância nazista. Sua história é um roteiro de cinema, com uma profunda paixão
pela ciência, uma grande humildade e seu profundo senso de dever.
Neste cenário, é preciso
reconhecer o papel dos cientistas nos esforços de guerra no desenvolvimento de
novas tecnologias, que auxiliaram a Guerra a se estender mais ainda. Com um
corpo de cientistas muito competente, não é de se admirar que a Alemanha
nazista estivesse a um passo a frente de seus adversários. E foi justamente por
ouvir os fugitivos e refugiados alemães que os Aliados se tornaram cientes da
possibilidade de Hitler conseguir desenvolver uma arma atômica. Entra em ação o
Projeto Manhatan.
Ao final da Guerra, nos deparamos
com a descoberta dos desumanos experimentos nazistas, utilizando cobaias
humanas, cujos resultados até hoje são considerados os mais polêmicos da
história. A descrição do livro, em algumas partes, não só chega a embrulhar o
estômago, como é muito revoltante de ler. Pensar que homens de ciência são
capazes de desenvolver um "botão de desligar" moral e deixar de
enxergar humanidade em outras pessoas é assombroso.
A parte final do livro se dedica
aos cientistas nazistas depois da guerra. Alguns são presos e interrogados,
outros são acobertados e recebem asilo de outras nações interessadas em seu
privilegiado conhecimento. Uma especial atenção é dada ao episódio Farm Hall ou Operação Epsilon, no qual
um grupo de cientistas alemães é mantido prisioneiro em uma casa repleta de
escutas, por suspeitas de seu envolvimento com supostas armas nucleares alemãs.
Novamente uma história de cinema.
O livro encerra com um vislumbre
das contribuições dos cientistas alemães durante a Guerra Fria, seja no lado
soviético, seja no lado americano. Quase não temos ideia de como nosso mundo
tecnológico dependeu das pesquisas e descobertas destes cientistas. Como uma
espécie de epílogo, o autor procura traçar um perfil do comprometimento, ou
falta dele, entre pesquisadores e suas ações durante este período conturbado da
história. Uma obra como poucas, posso garantir.
Publicado pela Editora Imago,
você não sente passar as quatrocentas páginas, que ainda parecem pouco para a
quantidade de informação que apresentam. Livro impresso em páginas brancas, com
boa margem lateral e com fotos da época, que ajudam a dar um rosto aos
personagens desta história impressionante. Sinto que me alonguei demais nesta
resenha, mas devo considerar que é um dos melhores livros que já li. Você não
termina ele do mesmo jeito que começou. E é isso que torna uma obra única.
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