sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Supersentido - por que acreditamos no inacreditável



Este modesto volume chegou nas minhas mãos de uma forma bem inusitada. Estava eu esperando num terminal rodoviário um amigo chegar, quando uma espécies de feirinha me chamou a atenção. Me aproximei modestamente, e vi que era uma feira de livros. Muitos surrados, outros com títulos bem pouco comuns. Era uma miscelânea digna de uma sebo variada. Pensei na hora que, se eu estava esperando mesmo, porque não dar um tempo no celular e ficar vistoriando aquela pilha mal arrumada de livros? E foi o que eu fiz. Mexendo aqui e ali, revirando um e outro volume, encontro uma pequena coluna de livros de bolso, de cor amarelado queimado. Apanhei o mais visível e comecei a folhear. Não demorou muito para as poucas linhas me chamarem a atenção. Incrivelmente barato, pus o dinheiro na mão do vendedor e logo em seguida eu estava sentado em um banco, folheando o charmoso livrinho.

A pequena obra realmente merecia um destaque maior. Sua proposta pode parecer até meio banal, para quem está acostumado com livros que se propõem a nos explicar como nossa mente funciona, e com enxergamos o mundo. Mas Bruce M. Hood tem uma expertise um pouco diferente, que oferece uma abordagem bem inusitada aos interessados pelo tema. Primeiro ele é um psicólogo com duas destacadas linhas de pesquisa que vem muito à calhar quando se trata de uma obra destas: a primeira é que ele estuda justamente o pensamento mágico, ou pelo menos nosso vislumbre, como adultos, diante de truques de mágica. A segunda é tão interessante quanto a primeira: o desenvolvimento cognitivo em crianças. E ele aborda os dois com uma boa dose de equilíbrio.

O supersentido que dá o título à obra é baseado na nossa instintiva tendência a acreditar no sobrenatural, e como tememos que estas forças tenham certa influência ou poder sobre nosso comportamento. Por que somos assim? Será que faz diferença se você receber um órgão doado por um voluntário que morreu em um acidente, ou que foi um assassino em série? Você compraria uma casa onde houve um assassinato horrendo e chocante? O autor nos leva para passear nesses assuntos inicialmente desconfortáveis, mas nos acalenta com uma boa escrita recheada de informações científicas, sobre pesquisas realizadas a respeito de como nos deixamos levar por tais pensamentos. Citando uma respeitável literatura com pesquisa sobre aprendizado de bebês - e faço uma ressalva que mal me recordo de outros escritores que tenham utilizado estes dados preciosos para tratar de como nosso processo cognitivo se desenvolve - Bruce Hood nos brinda com casos escolhidos que são um deleite experimental no tocante à como crianças começam a mudar suas formas de enxergar o mundo. E de que maneira elas já começam a perceber certas características ao nosso redor, e construir sua própria noção de realidade. É um texto formidável.

Passeando nos nossos "poderes sobrenaturais" de percepção, e fazendo uma reinterpretação bem mais pé no chão, baseada em experimentos científicos, chegamos em um ponto onde mais se aproxima do centro da obra. Neste momento enxergamos o ativista cético no autor, que nos presenteia com um texto lúcido e direto sobre o assunto. Ao final da obra, encaro o melhor capítulo deste livro, quando o autor se propõe a nos apresentar uma sensata teoria sobre a Biologia da Crença. Fabuloso e conciso, não me lembro de ter visto em outros textos uma proposta tão coerente de um assunto que mereceria ser bem melhor tratado por outros autores.

Publicado pela editora Novo Conceito, você não consegue adivinhar de jeito nenhum que este livreto minúsculo possui quase quinhentas páginas! Para se tornar de bolso, o livro teve de consumir toda a margem das páginas e investir em letras maiores. As folhas amareladas e muito finas também contribuem para que você não sinta o tempo passar quando passa os olhos nas curiosas histórias de superstição, mágica e aprendizado de bebês.

Nenhum comentário:

Postar um comentário