Este é um daqueles casos que o título não faz jus à obra.
Mesmo assim, o livro do médico Ben Goldacre não é menos
interessante por causa disso. Ao invés de ciência picareta, eu pensaria em algo
que desse uma ideia mais precisa por onde o livro vai se nortear. Mas enfatizo
aqui que este detalhe não desmerece a obra, sequer a torna menos interessante.
Pelo contrário. Vemos um texto lúcido, que avança em um assunto tão sério como
atual nos dias de hoje.
O autor nos apresenta como a medicina pode ser tão
erradamente manipulada de diferentes formas possíveis, e como continuamos a
cair nas armadilhas da má propaganda, má interpretação e má fé. Ele vai
concentrar dos os seus esforços em falar como uma visão errada ou pouco clara
sobre como a ciência funciona afeta de forma direta tratamentos, remédios e
porque não dizer, a opinião pública sobre a sutil e mal compreendida ciência
médica.
A obra tem um arsenal completo contra propostas de
tratamentos que são utilizadas e carecem de alguma evidência científica. Você
já sabe do que eu estou falando, se imagina que ele vai metralhar com chumbo
grosso a homeopatia. Uma bela história sobre estudos controversos, metodologias
falsas, brigas e debates entre profissionais e uma verdadeira surra sobre os
remédios homeopáticos, que ainda insistem em preencher prateleiras e alimentar
sua própria indústria farmacêutica, digamos assim. Nisto, ele nos oferta um
excelente capítulo sobre efeito placebo. É tranquilizador entender um pouco
melhor sobre este complexo efeito, que ainda é encoberto por uma incômoda névoa
de confusão.
Narrativas sobre médicos controversos, casos absurdos de
negligência, manipulação simples e confusão de dados recheiam o conteúdo do
livros. Se você quer exemplos, estão aí de sobra. Ele perambula ora sobre a
metodologia científica na medicina, ora sobre o impacto e influência das
grandes empresas no processo de descoberta e comercialização de fármacos. Aqui
e ali, Goldacre não poupa ninguém. Ciente do quão implacável é o mercado
farmacêutico, ele sabe e reconhece que ela tem um peso em muitas decisões
importantes, mas não descamba para as teorias da conspiração. Vemos um texto
bem lúcido neste sentido.
O livro de pouco mais de trezentas páginas dedica sua parte
final para nossa incrível capacidade de não enxergar dados objetivos e a
prevalência de nossos vieses cognitivos, que nos mantém ainda escravos das
narrativas mirabolantes em detrimento da objetividade científica. Uma pequena
aula sobre estatísticas de dados médicos e dos impactos da paranóia anti-vacina
fecham o volume.
Publicado pela Editora Civilização Brasileira, o livro
parece ser mais grosso do que realmente é, com folhas amareladas num sentido
que em pouco tempo parecem ser velhas, mas com uma tipografia adequada e
confortável. Ele é ilustrado, especialmente com gráficos para ajudar em algumas
partes mais técnicas.
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