sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Ciência Picareta



Este é um daqueles casos que o título não faz jus à obra.

Mesmo assim, o livro do médico Ben Goldacre não é menos interessante por causa disso. Ao invés de ciência picareta, eu pensaria em algo que desse uma ideia mais precisa por onde o livro vai se nortear. Mas enfatizo aqui que este detalhe não desmerece a obra, sequer a torna menos interessante. Pelo contrário. Vemos um texto lúcido, que avança em um assunto tão sério como atual nos dias de hoje.

O autor nos apresenta como a medicina pode ser tão erradamente manipulada de diferentes formas possíveis, e como continuamos a cair nas armadilhas da má propaganda, má interpretação e má fé. Ele vai concentrar dos os seus esforços em falar como uma visão errada ou pouco clara sobre como a ciência funciona afeta de forma direta tratamentos, remédios e porque não dizer, a opinião pública sobre a sutil e mal compreendida ciência médica.

A obra tem um arsenal completo contra propostas de tratamentos que são utilizadas e carecem de alguma evidência científica. Você já sabe do que eu estou falando, se imagina que ele vai metralhar com chumbo grosso a homeopatia. Uma bela história sobre estudos controversos, metodologias falsas, brigas e debates entre profissionais e uma verdadeira surra sobre os remédios homeopáticos, que ainda insistem em preencher prateleiras e alimentar sua própria indústria farmacêutica, digamos assim. Nisto, ele nos oferta um excelente capítulo sobre efeito placebo. É tranquilizador entender um pouco melhor sobre este complexo efeito, que ainda é encoberto por uma incômoda névoa de confusão.

Narrativas sobre médicos controversos, casos absurdos de negligência, manipulação simples e confusão de dados recheiam o conteúdo do livros. Se você quer exemplos, estão aí de sobra. Ele perambula ora sobre a metodologia científica na medicina, ora sobre o impacto e influência das grandes empresas no processo de descoberta e comercialização de fármacos. Aqui e ali, Goldacre não poupa ninguém. Ciente do quão implacável é o mercado farmacêutico, ele sabe e reconhece que ela tem um peso em muitas decisões importantes, mas não descamba para as teorias da conspiração. Vemos um texto bem lúcido neste sentido.

O livro de pouco mais de trezentas páginas dedica sua parte final para nossa incrível capacidade de não enxergar dados objetivos e a prevalência de nossos vieses cognitivos, que nos mantém ainda escravos das narrativas mirabolantes em detrimento da objetividade científica. Uma pequena aula sobre estatísticas de dados médicos e dos impactos da paranóia anti-vacina fecham o volume.

Publicado pela Editora Civilização Brasileira, o livro parece ser mais grosso do que realmente é, com folhas amareladas num sentido que em pouco tempo parecem ser velhas, mas com uma tipografia adequada e confortável. Ele é ilustrado, especialmente com gráficos para ajudar em algumas partes mais técnicas.

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