Quando encontro qualquer
literatura que estampa na sua capa a palavra guia, eu instintivamente enxergo com olhos pouco amistosos. A
primeira imagem que surge em minha mente é de um livro sobre turismo, ou sobre receitas
de doces ou pratos rebuscados. Pequenas regras separadas em tópicos, com uma
proposta única de fornecer a você o mínimo para reproduzir algo, ou informações
básicas sobre a proposta do guia. Algo como uma fórmula, que no meu enxergar
tira o prazer de uma leitura continuada e reflexiva, que é o que eu busco num
livro. Olho novamente, e me deparo com o convidativo subtítulo. Nos tempos
atuais, o pensar criticamente é altamente desejável. Se a obra se propõe a isso,
vamos dar uma chance a ela.
Devo confessar que devorei o
livro, e não me arrependo. Daniel J. Levitin é um professor de psicologia e
neurociências, que julgou por necessário colocar em texto uma série de
recomendações que pudesse nos ajudar a enxergar melhor as informações que
diariamente nos passam pelos olhos. É aí que repousa seu conceito de guia. Mas
não espere um texto salpicado de pequenos conceitos, ou subdividido em dezenas
de recomendações. Ele trabalha convidativamente as partes de sua obra de acordo
com os tipos de informação que nos são apresentados. Sua escrita flui muito
fácil e ele adiciona uma pitada de humor aqui e ali, intercalando com sua
enxurrada de dados e informações. Uma grande vantagem é que o autor sabe dosar
a caneta, e se policia para que seu texto não avance para um terreno mais
especializado, mais árido. Esta é uma obra que agrada todo mundo.
Dedicando boas páginas ao mundo
dos números (e mesmo que ele lhe convide a prestar atenção em alguns cálculos,
não perde o ritmo se detendo em detalhes), o autor nos mostra como dados podem
ser apresentados visualmente, de maneiras bem diferentes. Especialmente de
acordo com que tipo de informação você quer apresentar. Ele pontua aspectos
práticos da construção e interpretação de gráficos, fazendo uma crítica
ajustada sobre seu poder explanatório. Um conselho e tanto. Eu convivo com
gráficos o tempo todo, e esse tipo de literatura é um pequeno oásis no meio do
deserto. Ele consegue ser mais claro e objetivo do que muitos especialistas na
área, com um texto rico, fácil e delicioso de acompanhar.
Um tópico que não posso deixar de
mencionar é sua capacidade de associar seus conselhos com nossos claros defeitos
de interpretar informações. Ponto positivo para o autor, que seleciona muito
bem onde encaixar seus exemplos envolvidos pelo seu profundo conhecimento sobre
neurociências. Mas não se preocupe, ele sabe se exprimir na medida certa para
fazer você entender onde nosso cérebro está errando, sem recorrer a uma
possivelmente cansativa e desnecessária descrição técnica. Ele não quer isso, e
você também não.
Preciso destacar dois aspectos
muito positivos da obra. O primeiro deles é o espaço que ele dedica para
destrinchar o conceito de especialista, e o nível de confiabilidade que podemos
(ou devemos) conceder diante das supostas afirmações de um. É soberbo como ele
aborda o assunto, mostrando que um especialista em uma área não significa que
sua opinião seja razoável, ou mesmo inteligente, sobre outros temas. O segundo
é que ele destrincha bem o que é ciência, e casa sua narrativa com o melhor da
compreensão sobre o método científico, especialmente como critério para se
avaliar a plausibilidade de qualquer argumento ou opinião que nos chega aos
ouvidos.
Publicado pela editora Objetiva,
o livro é pequeno e confortável, recheado de ilustrações em preto e branco, com
páginas amareladas e foscas. A tipografia casa bem aos olhos e a leitura flui
agradável. Quando digo que ele é fácil de ler, não estou exagerando. Li a
primeira metade da obra em uma interminável fila de espera no médico, e
terminei a segunda metade em um hotel, durante uma viagem. E mais um último
conselho: se você é professor, eu recomendo usar os exemplos do livro em suas
aulas.
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