domingo, 22 de setembro de 2019

Por que mentimos - os fundamentos biológicos e psicológicos da mentira


Meus amigos, que livro!

Foi a primeira vez que encontrei uma obra capaz de discorrer sobre a natureza generalizada do impulso de mentir, saindo de um âmbito puramente ético, social e moralista, para entrar pelo terreno da biologia e psicologia. Até então, imaginava que alguém já teria escrito um volume sobre esse tema, e era questão de tempo para achar. E finalmente terminei achando.

Esta é uma obra que merecia com certeza um maior destaque. Foi difícil conseguir o livro, e somente o encontrei através da sebo Estante Virtual. Por ser um assunto amplo, complexo e que mereceria uma profunda revisão por diversas vertentes, imaginei que receberia um volume amplo, com algumas centenas de páginas. Para minha surpresa, o pacote no qual o livro estava embrulhado era modesto em grossura, e seu conteúdo ainda mais fino. O livro mal preenche duzentas páginas.

Para meu deleita, a primeira parte da obra se dedica à mentira generalizada que se encontra na natureza, expressada por diversas espécies animais. É uma narrativa magnífica, de encher os olhos. Primeiro ele define o conceito de mentira e a coloca como uma das estratégias mais bem elaboradas do reino animal. Por exemplo, a camuflagem, quando um animal fica quase invisível em um pano de fundo de tonalidade e formas  semelhantes, é considerada uma estratégia baseada em mentira. Sendo um predador, sua mensagem é clara: eu estou aqui, mas estou mentindo, fazendo você crer que não estou. Outros exemplos parecidos ilustram ainda mais a noção de que a mentira é amplamente utilizada por dezenas de espécies animais.

Neste caminho, o autor vai discorrer sobre as vantagens das mentiras eficientes e sua vantagem evolutiva, caminhando inclusive sobre aspectos genéticos e a mentira sob a ótica de animais sociais e do altruismo. Saindo um pouco do terreno puramente biológico, chega a vez do psicológico tomar a narrativa. Então vemos uma verdadeira e profunda análise humana, de nosso impulso instintivo em transmitir informação, acrescida de nossa falha de perder a precisão no meio do caminho. David Livingstone Smith é um professor de psicologia na Inglaterra, e o assunto rende bastante neste terreno onde ele está confortável. Encaramos as questões sociais da mentira, como um mal necessário em algumas circunstâncias, sobre blefes, a mentira como arma e a mentira como defesa. E chegamos até o conceito de auto-engano, quando somos tão bons em mentir que até mesmo acreditamos em nossas próprias mentiras.  É verdadeiramente primoroso. A obra termina com uma boa dose de referências científicas que dão suporte a cada um dos capítulos.

Escrita num estilo simples e convidativo, a narrativa flui agradável e prende sua atenção. O autor sabe deixar ganchos que instiguem o leitor a continuar. O texto é tão informativo quanto reflexivo, e isso é um brinde aos leitores que gostam tanto de ver dados como opiniões. Isso confere um equilíbrio que torna a leitura ainda mais natural.

Publicado por uma parceria da Elsevier e da Editora Campus, é uma obra que você não esquece. Cheguei a recorrer a ela mais de uma vez, para meus próprios estudos. Um livro que deveria ter sido bem mais divulgado e destacado, mas que infelizmente ficou pouco conhecido e passou batido pelo grande público

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