Meus amigos, que livro!
Foi a primeira vez que encontrei uma obra capaz de discorrer
sobre a natureza generalizada do impulso de mentir, saindo de um âmbito
puramente ético, social e moralista, para entrar pelo terreno da biologia e
psicologia. Até então, imaginava que alguém já teria escrito um volume sobre
esse tema, e era questão de tempo para achar. E finalmente terminei achando.
Esta é uma obra que merecia com certeza um maior destaque.
Foi difícil conseguir o livro, e somente o encontrei através da sebo Estante
Virtual. Por ser um assunto amplo, complexo e que mereceria uma profunda
revisão por diversas vertentes, imaginei que receberia um volume amplo, com
algumas centenas de páginas. Para minha surpresa, o pacote no qual o livro
estava embrulhado era modesto em grossura, e seu conteúdo ainda mais fino. O
livro mal preenche duzentas páginas.
Para meu deleita, a primeira parte da obra se dedica à
mentira generalizada que se encontra na natureza, expressada por diversas
espécies animais. É uma narrativa magnífica, de encher os olhos. Primeiro ele
define o conceito de mentira e a coloca como uma das estratégias mais bem
elaboradas do reino animal. Por exemplo, a camuflagem, quando um animal fica
quase invisível em um pano de fundo de tonalidade e formas semelhantes, é considerada uma estratégia
baseada em mentira. Sendo um predador, sua mensagem é clara: eu estou aqui, mas estou mentindo, fazendo
você crer que não estou. Outros exemplos parecidos ilustram ainda mais a
noção de que a mentira é amplamente utilizada por dezenas de espécies animais.
Neste caminho, o autor vai discorrer sobre as vantagens das mentiras
eficientes e sua vantagem evolutiva, caminhando inclusive sobre aspectos
genéticos e a mentira sob a ótica de animais sociais e do altruismo. Saindo um
pouco do terreno puramente biológico, chega a vez do psicológico tomar a
narrativa. Então vemos uma verdadeira e profunda análise humana, de nosso
impulso instintivo em transmitir informação, acrescida de nossa falha de perder
a precisão no meio do caminho. David Livingstone Smith é um professor de
psicologia na Inglaterra, e o assunto rende bastante neste terreno onde ele
está confortável. Encaramos as questões sociais da mentira, como um mal necessário em algumas
circunstâncias, sobre blefes, a mentira como arma e a mentira como defesa. E
chegamos até o conceito de auto-engano, quando somos tão bons em mentir que até
mesmo acreditamos em nossas próprias mentiras. É verdadeiramente primoroso. A obra termina
com uma boa dose de referências científicas que dão suporte a cada um dos
capítulos.
Escrita num estilo simples e convidativo, a narrativa flui
agradável e prende sua atenção. O autor sabe deixar ganchos que instiguem o
leitor a continuar. O texto é tão informativo quanto reflexivo, e isso é um
brinde aos leitores que gostam tanto de ver dados como opiniões. Isso confere
um equilíbrio que torna a leitura ainda mais natural.
Publicado por uma parceria da Elsevier e da
Editora Campus, é uma obra que você não esquece. Cheguei a recorrer a ela mais
de uma vez, para meus próprios estudos. Um livro que deveria ter sido bem mais
divulgado e destacado, mas que infelizmente ficou pouco conhecido e passou
batido pelo grande público
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