quinta-feira, 5 de setembro de 2019

O Sentido da Existência Humana



Existem basicamente duas coisas que despertam meu interesse em uma obra: a primeira é o título e subtítulo, e a segunda é o autor. Com o tempo, você vai se acostumando com os estilos de certos escritores com os quais se depara rotineiramente, e isso lhe impulsiona quase que instantaneamente para uma obra sua, mesmo que o título não seja lá essas coisas. O inverso também vale: títulos chamativos, criativos, instigantes, feitos por desconhecidos podem valer muito a pena. É um risco que você se permite correr. Foi correndo esses riscos que eu me deparei com bons divulgadores científicos. Entretanto, quando as editoras casam em combinar um nome conhecido com um título criativo, é a senha para o sucesso da obra. Quando um dos dois soa estranho, você hesita bastante, até decidir se vale a pena ou não a leitura. Neste caso, o autor foi quem motivou meu interesse pelo livro. O título não.

Edward Wilson é um biólogo especializado em formigas, e um escritor de divulgação científica. Já deu o ar de sua graça no blog, onde você pode ler a resenha de sua outra obra clicando aqui. Wilson escreve sobre suas experiências na ciência e agrega com seus profundos conhecimentos de biologia e diversidade. É divertido acompanhar seu estilo simples e bem trabalhado, recheado de curiosidades e informações. Você se acostuma a enxergar em Wilson um escritor de assuntos biológicos. Mas não está muito preparado para encontrar um Wilson filosófico, que se propõe a explicar o sentido da existência humana. Tenho um certo receio de livros que apresentam títulos tão amplos e passíveis das mais diversas formas de intepretação, justamente porque você se depara com um terreno menos sólido. Você simplesmente não sabe o que vai encontrar pela frente. O autor me fez enfrentar o desafio. Vamos ver o que um zoólogo tem a dizer sobre o tema.

Wilson, assim como em outras obras, não desaponta. Ela está carregado de sua visão biológica do mundo, e é com base na sua experiência como biólogo, como zoólogo, que ele propõe enxergar a humanidade com bases bem mais científicas. É um ponto de vista intrigante e que valoriza as forças naturais sobre o que nos torna nós mesmos. Passeando no cerne biológico de conceitos como altruísmo, evolução social e nossas características como espécie, o autor apresenta um retrato bem mais factual, mais reducionista e mecanicista sobre a natureza humana. É neste ponto que o título, a princípio desconexo com o que se esperaria da obra deste autor, nos dá uma reviravolta: o tratado de Wilson não discorre sobre a metafísica de nossa existência, mas sim sobre um apanhado do que se conhece sobre nossa natureza.

Sem perder sua “pegada”, o autor não evita de abordar assuntos já tratados em outras obras, como a ameaça provocada pelo homem à biodiversidade, continuando sua campanha pessoal pela conscientização sobre o meio ambiente. Ou discorrendo sobre a natureza da comunicação entre os organismos. Mas neste volume, Wilson ousa traçar linhas de cunho mais pessoal, mais reflexivo, onde fica claro que seu texto reflete sua opinião pessoal, sua forma única de enxergar o mundo. Ele desenvolve seu texto sobre a natureza de nossa mente, a religião, o livre arbítrio e sobre vida extraterrestre. Aqui não espere encontrar um homem muito diferente do cientista. Sua visão foi moldada seguindo a prudência e sistemática do método científico, e ele traz as reflexões com o mesmo tato que abordaria um artigo especializado. Talvez você ache que ele pode ter exagerado ou feito extrapolações demais em algumas inferências. É possível. Mas lembre-se que a obra foi publicada em 2014, quando ele já tinha oitenta e cinco anos de idade. Noto isso em muitos cientistas hoje. A partir de determinada idade, seus textos ficam mais reflexivos, abordando assuntos mais extensos e variados. O autor toma gosto de expor seus pontos de vista, e fica menos amarrado para expressar suas opiniões. Como diria um filósofo amigo meu, “a partir dos setenta anos, eu não tenho mais receio de falar o que quiser”.

Publicado pela Companhia das Letras, o livro vem encapado num azul escuro berrante, onde o nome do autor se destaca com a letra branca contrastando sobre o fundo azul. Páginas amareladas e foscas, com tipografia e espaçamentos elegantes. Um livro confortável de pouco mais de cento e cinquenta páginas e tamanho justo para leitura em qualquer ambiente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário