Existem basicamente duas coisas que despertam meu interesse
em uma obra: a primeira é o título e subtítulo, e a segunda é o autor. Com o
tempo, você vai se acostumando com os estilos de certos escritores com os quais
se depara rotineiramente, e isso lhe impulsiona quase que instantaneamente para
uma obra sua, mesmo que o título não seja lá essas coisas. O inverso também
vale: títulos chamativos, criativos, instigantes, feitos por desconhecidos
podem valer muito a pena. É um risco que você se permite correr. Foi correndo
esses riscos que eu me deparei com bons divulgadores científicos. Entretanto, quando
as editoras casam em combinar um nome conhecido com um título criativo, é a
senha para o sucesso da obra. Quando um dos dois soa estranho, você hesita bastante,
até decidir se vale a pena ou não a leitura. Neste caso, o autor foi quem
motivou meu interesse pelo livro. O título não.
Edward Wilson é um biólogo especializado em formigas, e um
escritor de divulgação científica. Já deu o ar de sua graça no blog, onde você
pode ler a resenha de sua outra obra clicando aqui. Wilson escreve sobre suas
experiências na ciência e agrega com seus profundos conhecimentos de biologia e
diversidade. É divertido acompanhar seu estilo simples e bem trabalhado,
recheado de curiosidades e informações. Você se acostuma a enxergar em Wilson
um escritor de assuntos biológicos. Mas não está muito preparado para encontrar
um Wilson filosófico, que se propõe a explicar o sentido da existência humana.
Tenho um certo receio de livros que apresentam títulos tão amplos e passíveis das
mais diversas formas de intepretação, justamente porque você se depara com um
terreno menos sólido. Você simplesmente não sabe o que vai encontrar pela
frente. O autor me fez enfrentar o desafio. Vamos ver o que um zoólogo tem a
dizer sobre o tema.
Wilson, assim como em outras obras, não desaponta. Ela está
carregado de sua visão biológica do mundo, e é com base na sua experiência como
biólogo, como zoólogo, que ele propõe enxergar a humanidade com bases bem mais científicas.
É um ponto de vista intrigante e que valoriza as forças naturais sobre o que
nos torna nós mesmos. Passeando no cerne biológico de conceitos como altruísmo,
evolução social e nossas características como espécie, o autor apresenta um
retrato bem mais factual, mais reducionista e mecanicista sobre a natureza humana.
É neste ponto que o título, a princípio desconexo com o que se esperaria da
obra deste autor, nos dá uma reviravolta: o tratado de Wilson não discorre sobre
a metafísica de nossa existência, mas sim sobre um apanhado do que se conhece
sobre nossa natureza.
Sem perder sua “pegada”, o autor não evita de abordar
assuntos já tratados em outras obras, como a ameaça provocada pelo homem à biodiversidade,
continuando sua campanha pessoal pela conscientização sobre o meio ambiente. Ou
discorrendo sobre a natureza da comunicação entre os organismos. Mas neste
volume, Wilson ousa traçar linhas de cunho mais pessoal, mais reflexivo, onde
fica claro que seu texto reflete sua opinião pessoal, sua forma única de enxergar
o mundo. Ele desenvolve seu texto sobre a natureza de nossa mente, a religião,
o livre arbítrio e sobre vida extraterrestre. Aqui não espere encontrar um
homem muito diferente do cientista. Sua visão foi moldada seguindo a prudência
e sistemática do método científico, e ele traz as reflexões com o mesmo tato
que abordaria um artigo especializado. Talvez você ache que ele pode ter
exagerado ou feito extrapolações demais em algumas inferências. É possível. Mas
lembre-se que a obra foi publicada em 2014, quando ele já tinha oitenta e cinco
anos de idade. Noto isso em muitos cientistas hoje. A partir de determinada
idade, seus textos ficam mais reflexivos, abordando assuntos mais extensos e variados.
O autor toma gosto de expor seus pontos de vista, e fica menos amarrado para expressar
suas opiniões. Como diria um filósofo amigo meu, “a partir dos setenta anos, eu
não tenho mais receio de falar o que quiser”.
Publicado pela Companhia das Letras, o livro vem encapado num
azul escuro berrante, onde o nome do autor se destaca com a letra branca contrastando
sobre o fundo azul. Páginas amareladas e foscas, com tipografia e espaçamentos elegantes.
Um livro confortável de pouco mais de cento e cinquenta páginas e tamanho justo
para leitura em qualquer ambiente.
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