Quando peguei esse livro em mãos
eu me perguntei no primeiro momento: "como
um arqueólogo pode saber alguma coisa sobre mente?". Dei uma risadinha
no meu íntimo e comecei a folhear a obra, procurando informações complementares
e um pouco do conteúdo. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que o título
do primeiro capítulo era justamente a minha irônica pergunta. Não precisou de
mais nada. Fui até o caixa e comprei o livro de Steven Mithen. Vamos ver o que
ele tem para nos contar.
O primeiro aviso é que este livro
é basicamente arqueológico. Fósseis, pedaços de lanças, pinturas rupestres,
ferramentas neolíticas e ossos aos montes recheiam as páginas. Até aqui tudo
bem e dentro do esperado. A primeira parte da obra se propõe a ser mais
didática, e detalha certos aspectos históricos e uma arqueologia mais básica,
para situar o leitor no universo que está sendo apresentado. Uma cortesia do
autor, que tem a boa vontade de oferecer um pouco de preparo para introduzir o
grosso da obra. Mas é no correr do texto que vamos encarar uma guinada de arrepiar
e que dá um gosto especial para as páginas seguintes. Tateando nas pistas e
lascas de pedra como um Sherlock Holmes, ele tenta destrinchar a forma que os
primeiros hominídeos pensavam sobre o mundo que os envolvia, e instiga algumas
perguntas bem interessantes. Por exemplo, ele nos sugere que o método para se
construir uma lâmina útil, cortante, com pedras quebradas de forma a criar uma
superfície afiada, provavelmente não veio do que instintivamente imaginamos que
deve ter acontecido - quebrar um monte de pedras até chegar num pedaço afiado -
o clássico "acerto-e-erro". O autor propõe que o cérebro dos hominídeos
seja dotado de uma percepção quase que instintiva sobre física básica, de forma
que ele tenha procurado quebrar rochas no sentido de fazer elas quebrarem justamente
da maneira que gerasse uma superfície laminar. Achei uma ideia ousada, e por
que não dizer original. E ele não para por aí.
Se sustentando em pesquisas com
primatas e um bom conhecimento de psicologia geral, o autor nos oferece uma
nova forma de pensar sobre a mente, e conduz o leitor de forma suave e
raciocinada para chegar em sua própria teoria da evolução da mente. Acho que
sua jogada mais inovadora é propor que o cérebro do homem primitivo já veio com
uma espécie de caixa de ferramentas para compreensão do mundo, que veio junto
com seus instintos naturais de sobrevivência, ambos tendo se desenvolvido em
seus ancestrais. O homem teria uma espécie de inteligência social, para
interagir com outros humanos e outras espécie. Uma inteligência técnica, que
lhe facultou criar ferramentas, e por fim uma inteligência naturalista, que o auxilia
a ter uma imagem mental do que está ao seu entorno. E o mais intrigante é que
da forma como a narrativa é conduzida, sua teoria não deixa de fazer sentido.
Depois de passear
confortavelmente na sua proposta, o autor dedica o final da obra para como
essas inteligências podem ter refinado nosso pensar até chegarmos a ideias mais
abstratas, a religião e a origem da agricultura, como sendo um resultado lógico
da evolução de nossa mente. A escrita não se destaca pela sua fluidez, mas é
muito rica e informativa. Publicado pela UNESP Editora, o livro tem uma capa
anormalmente dura, com uma tipografia que passeia mais pelo estilo de obra
didática, apesar do texto correr uniforme. Ao final de cada capítulo diversas
notas e uma boa referência bibliográfica. A obra é interessante, mas não
espetacular. Você vai ler, gostar e talvez lembrar-se dela em um momento ou
outro.
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