Não sei se eu estaria certo em dizer que essa obra se
apresenta tanto como um texto de divulgação científica quanto filosófico. Ele
tem uma pegada bem mais reflexiva, apesar de apresentar uma respeitável
quantidade de referências, notadamente em artigos científicos publicados em
periódicos indexados, a moeda forte da comunicação no ambiente científico
acadêmico. Mesmo com esse recheio de respeito, o livro é surpreendentemente
curto, com pouco mais de duzentas páginas, excluindo aí as notas e a própria
bibliografia. Enfim, o que você vai encontrar neste texto?
Sam Harris é um filósofo, que se tornou conhecido pela seu apoio veemente da ciência nos tempos atuais, um defensor de carteirinha do ceticismo e um crítico ácido da religião. Então não é surpresa que seu texto
reflita exatamente isso. O que posso dizer é que o subtítulo da obra é bastante
justo. Harris usa de sua habilidade na escrita para convidar o leitor a seguir
sua linha de raciocínio, procurando enxergar nas aptidões e tendências humanas
nada além do produto de um cérebro falho, que se desenvolveu num universo imperfeito,
lapidado para sobreviver em um meio ambiente social, como é o ambiente humano.
Um passeio pela natureza nua e crua da nossa mente. Mas se você está imaginando
que vai encontrar uma série de explicações e resumos de experimentos que demonstram
tudo isso, lhe aviso que isso não vai acontecer. Harris constrói mais um texto
reflexivo (e aí você reconhece a pesada influência da filosofia permeando toda
obra) com pouca liberdade descritiva.
A obra tem mais de trinta páginas de referências, o que a torna riquíssima, mas não espere encontrar um aprofundamento na maior parte delas. A
caneta do autor prefere lhe convidar para seguir uma linha de raciocínio pela
ética e pela moral, apenas recorrendo às citações para fortalecer algumas
conclusões ou certos pontos de vista. Não que a obra não tenha alguma história.
Pelo contrário, ele vai abordar uma narrativa mais descritiva aqui e ali, conter
inclusive suas próprias experiências, mas tenha consciência que ele prefere desenvolver
seu próprio pensamento, e faz isso com bastante minúcia. Seu passeio sobre a
crença, seja em tribos primitivas seja entre cientistas renomados, é a cereja
no bolo. Ela é explorada amplamente, e ele dedica um bom tempo para dissecar o
talvez paradoxal "ciência x religião".
Seu discurso é ácido, e você nota no texto. Mas para um autor
reconhecido pelos seus embates em programas de televisão, não é surpresa que
aconteça assim no papel. Harris não flui tão suave, apesar de ter um jeito
simples de escrever. Ele não tem a caneta fácil você encontra num Sagan ou num
Dawkins, e não posso sequer dizer que é por causa de seu terreno pouco
explorado. É uma leitura que, para ser bem digerida e aproveitada, leva um
tempo. E esse tempo é medido pela sua disposição em acompanhar o caminho do
autor. Uma obra que serve para exercitar seu poder de lógica e raciocínio dentro
do universo da ciência, da moral e da crença. É um texto que não deve deixar
uma impressão muito forte depois de terminado, mas que pelo menos vai lhe dar
alguma coisa pra pensar.
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