domingo, 6 de outubro de 2019

A Paisagem Moral - como a ciência pode determinar os valores humanos


Não sei se eu estaria certo em dizer que essa obra se apresenta tanto como um texto de divulgação científica quanto filosófico. Ele tem uma pegada bem mais reflexiva, apesar de apresentar uma respeitável quantidade de referências, notadamente em artigos científicos publicados em periódicos indexados, a moeda forte da comunicação no ambiente científico acadêmico. Mesmo com esse recheio de respeito, o livro é surpreendentemente curto, com pouco mais de duzentas páginas, excluindo aí as notas e a própria bibliografia. Enfim, o que você vai encontrar neste texto?

Sam Harris é um filósofo, que se tornou conhecido pela seu apoio veemente da ciência nos tempos atuais, um defensor de carteirinha do ceticismo e um crítico ácido da religião. Então não é surpresa que seu texto reflita exatamente isso. O que posso dizer é que o subtítulo da obra é bastante justo. Harris usa de sua habilidade na escrita para convidar o leitor a seguir sua linha de raciocínio, procurando enxergar nas aptidões e tendências humanas nada além do produto de um cérebro falho, que se desenvolveu num universo imperfeito, lapidado para sobreviver em um meio ambiente social, como é o ambiente humano. Um passeio pela natureza nua e crua da nossa mente. Mas se você está imaginando que vai encontrar uma série de explicações e resumos de experimentos que demonstram tudo isso, lhe aviso que isso não vai acontecer. Harris constrói mais um texto reflexivo (e aí você reconhece a pesada influência da filosofia permeando toda obra) com pouca liberdade descritiva.

A obra tem mais de trinta páginas de referências, o que a torna riquíssima, mas não espere encontrar um aprofundamento na maior parte delas. A caneta do autor prefere lhe convidar para seguir uma linha de raciocínio pela ética e pela moral, apenas recorrendo às citações para fortalecer algumas conclusões ou certos pontos de vista. Não que a obra não tenha alguma história. Pelo contrário, ele vai abordar uma narrativa mais descritiva aqui e ali, conter inclusive suas próprias experiências, mas tenha consciência que ele prefere desenvolver seu próprio pensamento, e faz isso com bastante minúcia. Seu passeio sobre a crença, seja em tribos primitivas seja entre cientistas renomados, é a cereja no bolo. Ela é explorada amplamente, e ele dedica um bom tempo para dissecar o talvez paradoxal "ciência x religião".

Seu discurso é ácido, e você nota no texto. Mas para um autor reconhecido pelos seus embates em programas de televisão, não é surpresa que aconteça assim no papel. Harris não flui tão suave, apesar de ter um jeito simples de escrever. Ele não tem a caneta fácil você encontra num Sagan ou num Dawkins, e não posso sequer dizer que é por causa de seu terreno pouco explorado. É uma leitura que, para ser bem digerida e aproveitada, leva um tempo. E esse tempo é medido pela sua disposição em acompanhar o caminho do autor. Uma obra que serve para exercitar seu poder de lógica e raciocínio dentro do universo da ciência, da moral e da crença. É um texto que não deve deixar uma impressão muito forte depois de terminado, mas que pelo menos vai lhe dar alguma coisa pra pensar. 


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