Antes de mais nada, é preciso conhecer duas fortes
características de Steven Pinker, o autor da obra: primeiro, ele é um homem que
adora, simplesmente adora, e é obcecado em escrever. Segundo, ele é fascinado
por dados, evidências e estatísticas, de forma quase frenética. Então, toda vez
que você ouvir falar de obras deste autor, prepare-se para encarar um volume enciclopédico
apinhado de gráficos, figuras e referências.
O título da obra parece ser muito audacioso, pois é um tema
repleto de incógnitas. Afinal, será que sabemos como a mente funciona? O autor
é ousado - ou presunçoso - para assumir que pode explicar esse grande enigma?
Eis um desafio e tanto, que pode ser suficiente para encorajar qualquer leito
para enfrentar uma narrativa de mais de seiscentas páginas. Pois bem, o que você
deve encontrar neste miolo é justamente o que ele promete, e sem
desapontamentos.
A obra é massiva, e não teria como ser de outro jeito.
Pinker, que é um psicólogo, sabe muito bem usar a caneta para o público em
geral. Ele parece dançar valsa com as palavras, dedilhando as frases aqui e
ali, com a incrível habilidade de tornar digeríveis assuntos que seriam
naturalmente densos e pouco atraentes. Dotado de um humor inteligente e de vez
em quando ácido, me peguei várias vezes ensaiando um sorriso com o canto da
boca diante de uma provocação, e até mesmo rindo sozinho, com o livro no colo.
Pinker consegue muitas vezes amenizar o peso do assunto e deixar o leitor
confortável com sua obra.
Mas para um obcecado da escrita, ele não consegue se manter
amarrado unicamente ao assunto, e tem muita facilidade em bailar de um tema
para outro, sempre norteando o tema central da sua obra. Podemos encarar páginas
e páginas dele esclarecendo algum tipo de análise estatística para que o leitor
compreenda onde a evidência é mais forte, ou mais fraca. Sua explicação das
funcionalidades do cérebro vão estar sempre em alinhamento com pesquisas
científicas publicadas em revistas (ele possui centenas de referências), todas
elas embasadas na psicologia evolutiva, o que torna o texto ainda mais atraente
para quem se interessa por biologia.
Atravessando a linguística, a anatomia e funcionamento do
olho, as partes do cérebro responsáveis pela interpretação de dados, as bases
do aprendizado e especialmente nos erros e limitações do cérebro, a abordagem
de Pinker é tudo que um leitor reducionista e mecanicista quer ver: as partes e
seus conjuntos, e como sabendo delas separadamente podemos inferir seu
funcionamento coletivamente. E apesar dele ensaiar interpretações próprias
sobre determinados aspectos da mente humana, nada do que ele fala soa absurdo
ou sequer exagerado. Tudo tem uma razão de ser, e tudo é baseado em
experimentações.
Intercalando ciência com pitadas de história, dando um
equilíbrio salutar a um volume tão vasto, Pinker realmente entrega o que
promete, mas ciente de que o assunto não está nem perto de ser esgotado. Mas o
leitor não vai se arrepender de prestar atenção a esse calhamaço audacioso de
dados, que vai lhe saciar algum prazer em saber como a mente funciona.
Impresso pela Cia das Letras, em papel amarelado, o espaço
entrelinhas é bem reduzido e não casa muito bem com as fontes utilizadas. Mas
podemos dar um desconto para isso, já que foi uma alternativa para evitar que o
volume se agigantasse mais ainda. Esta é uma das obras muito prazeirosas de se
ler, seja pela escrita hábil, seja pelos dados que contém. E Steven Pinker
realmente sabe escrever.
Nenhum comentário:
Postar um comentário