terça-feira, 20 de agosto de 2019

Como a Mente Funciona



Antes de mais nada, é preciso conhecer duas fortes características de Steven Pinker, o autor da obra: primeiro, ele é um homem que adora, simplesmente adora, e é obcecado em escrever. Segundo, ele é fascinado por dados, evidências e estatísticas, de forma quase frenética. Então, toda vez que você ouvir falar de obras deste autor, prepare-se para encarar um volume enciclopédico apinhado de gráficos, figuras e referências.

O título da obra parece ser muito audacioso, pois é um tema repleto de incógnitas. Afinal, será que sabemos como a mente funciona? O autor é ousado - ou presunçoso - para assumir que pode explicar esse grande enigma? Eis um desafio e tanto, que pode ser suficiente para encorajar qualquer leito para enfrentar uma narrativa de mais de seiscentas páginas. Pois bem, o que você deve encontrar neste miolo é justamente o que ele promete, e sem desapontamentos.

A obra é massiva, e não teria como ser de outro jeito. Pinker, que é um psicólogo, sabe muito bem usar a caneta para o público em geral. Ele parece dançar valsa com as palavras, dedilhando as frases aqui e ali, com a incrível habilidade de tornar digeríveis assuntos que seriam naturalmente densos e pouco atraentes. Dotado de um humor inteligente e de vez em quando ácido, me peguei várias vezes ensaiando um sorriso com o canto da boca diante de uma provocação, e até mesmo rindo sozinho, com o livro no colo. Pinker consegue muitas vezes amenizar o peso do assunto e deixar o leitor confortável com sua obra.

Mas para um obcecado da escrita, ele não consegue se manter amarrado unicamente ao assunto, e tem muita facilidade em bailar de um tema para outro, sempre norteando o tema central da sua obra. Podemos encarar páginas e páginas dele esclarecendo algum tipo de análise estatística para que o leitor compreenda onde a evidência é mais forte, ou mais fraca. Sua explicação das funcionalidades do cérebro vão estar sempre em alinhamento com pesquisas científicas publicadas em revistas (ele possui centenas de referências), todas elas embasadas na psicologia evolutiva, o que torna o texto ainda mais atraente para quem se interessa por biologia.

Atravessando a linguística, a anatomia e funcionamento do olho, as partes do cérebro responsáveis pela interpretação de dados, as bases do aprendizado e especialmente nos erros e limitações do cérebro, a abordagem de Pinker é tudo que um leitor reducionista e mecanicista quer ver: as partes e seus conjuntos, e como sabendo delas separadamente podemos inferir seu funcionamento coletivamente. E apesar dele ensaiar interpretações próprias sobre determinados aspectos da mente humana, nada do que ele fala soa absurdo ou sequer exagerado. Tudo tem uma razão de ser, e tudo é baseado em experimentações.

Intercalando ciência com pitadas de história, dando um equilíbrio salutar a um volume tão vasto, Pinker realmente entrega o que promete, mas ciente de que o assunto não está nem perto de ser esgotado. Mas o leitor não vai se arrepender de prestar atenção a esse calhamaço audacioso de dados, que vai lhe saciar algum prazer em saber como a mente funciona.

Impresso pela Cia das Letras, em papel amarelado, o espaço entrelinhas é bem reduzido e não casa muito bem com as fontes utilizadas. Mas podemos dar um desconto para isso, já que foi uma alternativa para evitar que o volume se agigantasse mais ainda. Esta é uma das obras muito prazeirosas de se ler, seja pela escrita hábil, seja pelos dados que contém. E Steven Pinker realmente sabe escrever.

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