Esta é para você, que é biólogo.
Ernst Mayr foi o maior biólogo do século XX. Isso é quase
que uma unanimidade. Ele foi um cientista altamente produtivo, um ornitólogo
respeitável e um dos protagonistas da grande síntese evolutiva (ou por outros
nomes parecidos), uma conciliação de ideias que unificou a seleção natural e a
genética como processos da evolução. Os genes passam a ser, neste momento, as
unidades-base sobre a qual a evolução age.
Se isso não fosse pouco, Mayr ainda se tornou um grande
defensor da biologia como ciência. Defendeu que a biologia merece uma filosofia
da ciência própria, diferente da filosofia geral da ciência com um viés mais
inclinado para as ciências exatas, uma vez que foram encabeçadas muitas vezes
por matemáticos. Mas isso merece uma discussão à parte. E o local não é este.
O livro é um grande ensaio, ilustrado com fatos e referências
histórias para construir a narrativa. Agora é o ensaio de um homem que viveu
mais de 100 anos, lúcido e sagaz como um homem de meia idade. Para chegar a uma
defesa e apologia à biologia, ele precisa seguir alguns passos na ordem certa.
Primeiramente, ele aborda a complexidade do conceito de vida, sem se aprofundar
em consequências filosóficas ou metafísicas muito profundas que esse assunto
tende a abordar, o que tornaria a leitura mais incômoda para leigos. Mayr sabe
bem o que quer nesta hora, e dosa perfeitamente onde chegar.
Depois ele nos apresenta uma visão um tanto resumida sobre
ciência. Não é seu papel aqui detalhar o conceito – o que pode desapontar
alguns leitores – mas ele abrange assuntos chaves, como a diferença de fatos e
teorias, e a ciência e o cientista. Somente depois destas duas abordagens, ele
nos apresente a biologia explicando o mundo natural e o mundo vivo, em dois
capítulos primorosos pela simplicidade. Como não poderia ser diferente, a evolução
biológica é uma constante na obra do autor. E ele a compreende muito bem.
Mayr então nos presenteia com três capítulos que deveriam
ser de leitura obrigatória para todo aluno de biologia: as perguntas do tipo “O
quê”, “Como” e “Por quê”, destacando as diferentes abordagens que a biologia
pode ter para entender o mundo vivo e natural. Para cientistas em formação, ou
curiosos de como a biologia pode ser ampla o suficiente para abarcar um grande
número de questões. Sua abordagem pincela momentos de descobertas biológicas
desde conceitos e ideias sobre ecologia e dinâmica de populações, até a revolução
da biologia molecular. É um presente para quem quer vislumbrar, em poucas
páginas, as maravilhas da biologia.
Na parte final, Mayr se volta para o homem. Não como um
elemento à parte, mas como apenas mais uma espécie na biodiversidade. Só que
sua abordagem começa desmistificando o conceito de ser humano como acima de
outros seres vivos. Nota-se aqui o conforto com que Mayr discorre sobre o
assunto. Volta às raízes biológicas da ética, moralidade, sociedade, e tudo que
supostamente nos faria seres diferentes de outras espécies, fazendo cair por
terra qualquer ideia de criação à parte. É um texto de pura humildade.
Publicado pela Companhia das Letras, papel amarelado e
tipografia super confortável, é um livro de pequeno porte para leituras em
parques, no ônibus ou na sacada de uma varanda. Recomendo que não o leia com
pressa. Se deixe envolver e aproveite o discurso bem trabalhado de um dos
maiores biólogos de todos os tempos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário