Dois motivos fortes me impulsionaram para ler este livro.
O
primeiro deles é meu natural interesse pela mente humana e pelo cérebro. Sempre
quis saber os detalhes do funcionamento do pensamento. Acho fascinante como
nossa consciência, memória e demais atributos (positivos e negativos) de quem
somos são formados por uma infinidade de células cerebrais trabalhando à todo
vapor e em uníssono, para produzir aquilo que estamos acostumados a reconhecer
como nós mesmos. Esperava encontrar um vislumbre disso no livro.
O segundo
motivo é seu autor. Miguel Nicolelis é talvez um dos pesquisadores brasileiros mais
renomados no exterior, e suas contribuições para a neurociência muitas vezes
ocuparam horários nobres na televisão e páginas e mais páginas de noticiários.
Talvez seja um dos poucos cientistas a quem poderíamos atribuir, sem exagero, o
milagroso dom de fazer "paralíticos andarem". Ao escrever essas
linhas, não posso deixar de lembrar do seu exoesqueleto, uma verdadeira
revolução tecnológica e médica, que permitira um paraplégico se levantar e
realizar um chute numa bola. Era para ser o momento apoteótico da ciência na
abertura da Copa do Mundo de 2014 no Rio de Janeiro, se a cena não tivesse sido
tão miseravelmente escanteada pela filmagem oficial do evento. Uma lástima.
Mas vamos ao que interessa. O livro começa com Nicolelis e
termina com Nicolelis, por assim dizer. A primeira parte ele descreve, na
primeira pessoa, os seus primeiros momentos como estudante, e sua decisão de
estudar o cérebro. É um relato muito cativante do início de sua trajetória. Em seguida
a narrativa começa a traçar uma espetacular história do estudo do sistema
nervoso, partindo da identificação e descrição dos neurônios, e seguindo paulatinamente
com a evolução da neurociência. A leitura flui muito agradável e quase não se
nota o tamanho que ela ocupa em toda obra. A história é recheada de explicações
e adornadas com o contexto de cada descoberta científica na área. O leitor
acostumado com essa narrativa não vai se desapontar.
Neste momento, Nicolelis começa a enveredar pelas modestas
descobertas individuais sobre como o cérebro capta as informações do exterior e
as processa em movimentos. Inclusive de um experimento muito original, o da mão
de borracha. Cada uma das descobertas descritas por ele (ora feita por
terceiros, ora feita pela sua equipe) são peças de uma espécie de um
quebra-cabeça científico. É muito sutil o momento em que a história da
neurociência se confunde com a própria trajetória de Nicolelis, de sua equipe e
de suas pesquisas. Com novas evidências aqui e ali, ele vai preparando o
terreno para seu ambicioso projeto. E ela é contada com muito esmero, muitos
dados e muitos resultados. É agradável de acompanhar a construção da ideia da
interação entre o cérebro e o computador, da forma como o texto foi
desenvolvido. E você aprende muito sobre detalhes do funcionamento e
da transmissão de informações sinápticas, que dificilmente prestaria atenção em
uma aula tradicional de biologia.
A obra finaliza com otimismo. As descobertas sobre o cérebro
e como o mesmo transmite suas informações, seja para o corpo, seja para um
computador, são apresentadas como uma nova página da história da biologia, e o
exoesqueleto que promete fazer um paraplégico andar é ilustrado no final.
Tipografia elegante e confortável à leitura, páginas amareladas (minhas
preferidas) com alguns encartes coloridos. É um livro bem trabalhado e seduz o
leitor mais exigente por uma literatura que seja um misto de história e
informação.
Se seu exoesqueleto não fez o gol que merecia na Copa, pode ter certeza que seu livro fez.
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