quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Muito Além de Nosso Eu - a nova neurociência que une cérebro e máquinas, e como ela pode mudar nossas vidas



Dois motivos fortes me impulsionaram para ler este livro. 

O primeiro deles é meu natural interesse pela mente humana e pelo cérebro. Sempre quis saber os detalhes do funcionamento do pensamento. Acho fascinante como nossa consciência, memória e demais atributos (positivos e negativos) de quem somos são formados por uma infinidade de células cerebrais trabalhando à todo vapor e em uníssono, para produzir aquilo que estamos acostumados a reconhecer como nós mesmos. Esperava encontrar um vislumbre disso no livro. 

O segundo motivo é seu autor. Miguel Nicolelis é talvez um dos pesquisadores brasileiros mais renomados no exterior, e suas contribuições para a neurociência muitas vezes ocuparam horários nobres na televisão e páginas e mais páginas de noticiários. Talvez seja um dos poucos cientistas a quem poderíamos atribuir, sem exagero, o milagroso dom de fazer "paralíticos andarem". Ao escrever essas linhas, não posso deixar de lembrar do seu exoesqueleto, uma verdadeira revolução tecnológica e médica, que permitira um paraplégico se levantar e realizar um chute numa bola. Era para ser o momento apoteótico da ciência na abertura da Copa do Mundo de 2014 no Rio de Janeiro, se a cena não tivesse sido tão miseravelmente escanteada pela filmagem oficial do evento. Uma lástima.

Mas vamos ao que interessa. O livro começa com Nicolelis e termina com Nicolelis, por assim dizer. A primeira parte ele descreve, na primeira pessoa, os seus primeiros momentos como estudante, e sua decisão de estudar o cérebro. É um relato muito cativante do início de sua trajetória. Em seguida a narrativa começa a traçar uma espetacular história do estudo do sistema nervoso, partindo da identificação e descrição dos neurônios, e seguindo paulatinamente com a evolução da neurociência. A leitura flui muito agradável e quase não se nota o tamanho que ela ocupa em toda obra. A história é recheada de explicações e adornadas com o contexto de cada descoberta científica na área. O leitor acostumado com essa narrativa não vai se desapontar.

Neste momento, Nicolelis começa a enveredar pelas modestas descobertas individuais sobre como o cérebro capta as informações do exterior e as processa em movimentos. Inclusive de um experimento muito original, o da mão de borracha. Cada uma das descobertas descritas por ele (ora feita por terceiros, ora feita pela sua equipe) são peças de uma espécie de um quebra-cabeça científico. É muito sutil o momento em que a história da neurociência se confunde com a própria trajetória de Nicolelis, de sua equipe e de suas pesquisas. Com novas evidências aqui e ali, ele vai preparando o terreno para seu ambicioso projeto. E ela é contada com muito esmero, muitos dados e muitos resultados. É agradável de acompanhar a construção da ideia da interação entre o cérebro e o computador, da forma como o texto foi desenvolvido. E você aprende muito sobre detalhes do funcionamento e da transmissão de informações sinápticas, que dificilmente prestaria atenção em uma aula tradicional de biologia.

A obra finaliza com otimismo. As descobertas sobre o cérebro e como o mesmo transmite suas informações, seja para o corpo, seja para um computador, são apresentadas como uma nova página da história da biologia, e o exoesqueleto que promete fazer um paraplégico andar é ilustrado no final. Tipografia elegante e confortável à leitura, páginas amareladas (minhas preferidas) com alguns encartes coloridos. É um livro bem trabalhado e seduz o leitor mais exigente por uma literatura que seja um misto de história e informação. 

Se seu exoesqueleto não fez o gol que merecia na Copa, pode ter certeza que seu livro fez.


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