Este livro chama realmente a atenção, para saber um pouco
mais do uso indevido de jargões científicos aplicados da pior maneira possível
nas mais deformadas argumentações. E é um livro no mínimo corajoso, porque ele
ataca sem dó nem piedade alguns filósofos de renome, inclusive.
Ele começa com uma pegadinha. Um dos autores, Alan Sokal,
consegue publicar um artigo científico com um título que deve fazer você
franzir sua testa: “transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica
transformativa da gravitação quântica”. O artigo é recheado de nada com coisa
alguma, misturado com muitas frases bonitas e bem rebuscadas, dando a entender
que apresentam um significado profundo, quando realmente não é isso. O artigo
(que vem de “brinde” no apêndice do livro) não beira o absurdo, como se fosse um
pato empalhado no teto solar de um carro. Não, ele é bem trabalhado para dar a
ideia de profundidade intelectual. Para um leitor menos avisado, ele seria um “poço
de sapiência”. Mas parando para ler com cuidado, examinando cada frase e seu
contexto, você encontra a profundidade de uma folha de papel.
Com essa brincadeira, Sokal se sente estimulado, junto com o
outro autor da obra, Jean Bricmont, a lançar uma ofensiva contra filósofos que
abusam de forma absurda de linguajar tipicamente técnico-científico para tentar
passar ideias complexas, quase ininteligíveis, usando elementos que eles julgam
adequados. Na verdade, não são.
Os autores abordam os filósofos nominalmente, e destrincham
os textos originais, apontando como conceitos científicos muito mais complexos
e menos claros são reinterpretados para se encaixarem no discurso argumentativo.
E como eles estão errados. Conceitos de física como “relativismo” e “incerteza”
são praticamente estuprados, perdendo seu significado original sendo tomados
emprestados para definições completamente adversas. Para você ter uma ideia, dois
dos filósofos trabalhados na obra são Jacques Lacan e Bruno Latour.
Não pouco, até mesmo elementos de física mais precisos, como
geometria fractal, são usados no discurso e empurrados para justificar ou fazer
compreender qualquer que seja a ideia que queiram passar. Tudo, menos seu significado
original. Ao ler o livro, você até entende o esforço dos filósofos em tentar se
fazer compreender (diz-se que só se é possível filosofar em alemão, devido ao
enorme poder aglutinante das palavras, que permite uma maior capacidade de unir
definições que normalmente não se encontrariam juntas, facilitando assim a
maneira de expressar ideias novas, mas pouco objetivas), mas a deturpação de
conceitos emprestados de outras ciências é um desserviço.
O livro contém
citações precisas dos filósofos, onde a parte engraçada é quando os autores da
obra reconhecem não entenderem absolutamente nada do que foi escrito (ambos são
físicos de formação), mesmo quando palavras técnicas de física são usadas. Eles
inclusive se esforçam, no limite do que uma obra para um público leigo permite,
a esclarecer realmente o que cada expressão e formulação de ideias de física e
matemática querem dizer, e como elas foram deformadas.
É um livro de advertência, no final. Um livro que propõe realçar
seu pensamento crítico quanto as coisas que você lê, e como podemos ser
facilmente seduzidos por um discurso tão belo quanto vazio. Precisa ficar claro
que a obra não declara guerra contra a filosofia pós-moderna, mas fica como um
modesto lembrete de que a deturpação de conceitos científicos, mesmo com a
melhor das intenções, pode fazer mais mal do que bem.
Com relativamente pouco texto corrido, intercalado por
citações, a impressão é modesta. A tipografia não é elegante, e parece ser propositadamente
um pouco grosseira. As páginas são amareladas e confortáveis para leitura em
ambiente iluminado. O espaço entre-linhas poderia se um pouco maior, para ser
mais confortável à leitura continuada. Tirando isso, é uma obra que vale a pena
ser lida e consultada. É um recado constante na sua prateleira, de que ainda há muitas imposturas intelectuais por aí.
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