sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Imposturas Intelectuais – O abuso da ciência pelos filósofos pós-modernos



Este livro chama realmente a atenção, para saber um pouco mais do uso indevido de jargões científicos aplicados da pior maneira possível nas mais deformadas argumentações. E é um livro no mínimo corajoso, porque ele ataca sem dó nem piedade alguns filósofos de renome, inclusive.

Ele começa com uma pegadinha. Um dos autores, Alan Sokal, consegue publicar um artigo científico com um título que deve fazer você franzir sua testa: “transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica”. O artigo é recheado de nada com coisa alguma, misturado com muitas frases bonitas e bem rebuscadas, dando a entender que apresentam um significado profundo, quando realmente não é isso. O artigo (que vem de “brinde” no apêndice do livro) não beira o absurdo, como se fosse um pato empalhado no teto solar de um carro. Não, ele é bem trabalhado para dar a ideia de profundidade intelectual. Para um leitor menos avisado, ele seria um “poço de sapiência”. Mas parando para ler com cuidado, examinando cada frase e seu contexto, você encontra a profundidade de uma folha de papel.

Com essa brincadeira, Sokal se sente estimulado, junto com o outro autor da obra, Jean Bricmont, a lançar uma ofensiva contra filósofos que abusam de forma absurda de linguajar tipicamente técnico-científico para tentar passar ideias complexas, quase ininteligíveis, usando elementos que eles julgam adequados. Na verdade, não são.

Os autores abordam os filósofos nominalmente, e destrincham os textos originais, apontando como conceitos científicos muito mais complexos e menos claros são reinterpretados para se encaixarem no discurso argumentativo. E como eles estão errados. Conceitos de física como “relativismo” e “incerteza” são praticamente estuprados, perdendo seu significado original sendo tomados emprestados para definições completamente adversas. Para você ter uma ideia, dois dos filósofos trabalhados na obra são Jacques Lacan e Bruno Latour.

Não pouco, até mesmo elementos de física mais precisos, como geometria fractal, são usados no discurso e empurrados para justificar ou fazer compreender qualquer que seja a ideia que queiram passar. Tudo, menos seu significado original. Ao ler o livro, você até entende o esforço dos filósofos em tentar se fazer compreender (diz-se que só se é possível filosofar em alemão, devido ao enorme poder aglutinante das palavras, que permite uma maior capacidade de unir definições que normalmente não se encontrariam juntas, facilitando assim a maneira de expressar ideias novas, mas pouco objetivas), mas a deturpação de conceitos emprestados de outras ciências é um desserviço.

 O livro contém citações precisas dos filósofos, onde a parte engraçada é quando os autores da obra reconhecem não entenderem absolutamente nada do que foi escrito (ambos são físicos de formação), mesmo quando palavras técnicas de física são usadas. Eles inclusive se esforçam, no limite do que uma obra para um público leigo permite, a esclarecer realmente o que cada expressão e formulação de ideias de física e matemática querem dizer, e como elas foram deformadas.

É um livro de advertência, no final. Um livro que propõe realçar seu pensamento crítico quanto as coisas que você lê, e como podemos ser facilmente seduzidos por um discurso tão belo quanto vazio. Precisa ficar claro que a obra não declara guerra contra a filosofia pós-moderna, mas fica como um modesto lembrete de que a deturpação de conceitos científicos, mesmo com a melhor das intenções, pode fazer mais mal do que bem.

Com relativamente pouco texto corrido, intercalado por citações, a impressão é modesta. A tipografia não é elegante, e parece ser propositadamente um pouco grosseira. As páginas são amareladas e confortáveis para leitura em ambiente iluminado. O espaço entre-linhas poderia se um pouco maior, para ser mais confortável à leitura continuada. Tirando isso, é uma obra que vale a pena ser lida e consultada. É um recado constante na sua prateleira, de que ainda há muitas imposturas intelectuais por aí.

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