quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Biologia, Ciência Única



Publicada originalmente em 2004, esta obra foi simplesmente uma dádiva para quem gosta de biologia. Ernst Mayr nos presenteia novamente, com sua experiência única e paixão indisfarçável pela biologia, com um volume cativante e de agradável leitura, em uma análise primorosa sobre as ciências da vida. Só que neste aspecto, Mayr se dá ao luxo de adentrar em um terreno que poucos biólogos se aventurariam: explorar o início e as bases filosóficas sobre a qual se assenta a biologia.

Com sua escrita graciosa e leve, Mayr faz um resgate das ideias dos primeiros pensadores sobre os seres vivos, iniciando a partir da época aristotélica, caminhando paulatinamente para os aprofundamentos e desdobramentos que enriqueceram a biologia nos séculos seguintes. Percebe-se que o autor toma cuidado em apresentar a evolução do pensamento biológico de forma sintética para agradar ao leitor geral, mas de certa maneira lhe conferindo linearidade. Enquanto que na sua obra Isto é Biologia, Mayr apresenta quais as características e peculiaridades das ciências biológicas (vide resenha AQUI), inclusive oferecendo propostas de como se investigar nesta ciência, o autor aqui decide fazer uma reflexão sobre sua história e seu desenvolvimento.

Como não podia deixar de ser, a obra dedica considerável espaço para apresentar os mecanismos da seleção natural e do processo evolutivo, continuando a ser um dos poucos textos que conseguem explicar muito bem esse assunto para um público não especializado. E em respeito ao leitor, Mayr escolhe muito bem os pontos que quer abordar por julgar fundamentais para o entendimento inicial da teoria. Ele poderia se restringir apenas a isso, mas a obra não apenas trata da teoria evolutiva, adentrando em alguns processos de seleção e de seus desdobramentos, e inclusive algumas ideias que receberam (e até hoje recebem) críticas entre os próprios especialistas. É no mínimo uma narrativa bem honesta.

A obra ainda aproveita para fazer algumas considerações sobre os principais pensamentos dentro da filosofia da ciência e se eles podem ser aplicados a o que seria uma filosofia das ciências biológicas. É prazeroso acompanhar o raciocínio de Mayr e sua análise sobre pensadores como Thomas Kuhn, procurando análogos e diferenças da biologia com outras ciências. Mesmo que você não concorde de todo com ele, não deixa de ser um belo ensaio.

Na parte final do livro, vemos um Mayr mais reflexivo. Nos seus oitenta anos de experiência, ele toma a liberdade de falar sobre a origem do homem (um assunto que é notadamente agradável para o autor, como veremos em outras obras suas) e até mesmo ensaia teorizar sobre a vida fora da terra. Esta parte ocupa as últimas páginas de sua obra, sem recorrer a teorias exageradas ou extrapolações gritantes, mostrando-se sempre comedido e prudente como um bom cientista.

Publicado pela Cia das Letras, o livro é confortável de ler, páginas amareladas e foscas e tipografia suave. Ainda somos presenteados com um glossário de termos usados na obra e uma bela e selecionada bibliografia científica. Se você é biólogo ou gosta de biologia, eis uma literatura que eu realmente recomendo.

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