Publicada originalmente em 2004, esta obra foi simplesmente
uma dádiva para quem gosta de biologia. Ernst Mayr nos presenteia novamente,
com sua experiência única e paixão indisfarçável pela biologia, com um volume
cativante e de agradável leitura, em uma análise primorosa sobre as ciências da
vida. Só que neste aspecto, Mayr se dá ao luxo de adentrar em um terreno que
poucos biólogos se aventurariam: explorar o início e as bases filosóficas sobre
a qual se assenta a biologia.
Com sua escrita graciosa e leve, Mayr faz um resgate das
ideias dos primeiros pensadores sobre os seres vivos, iniciando a partir da época
aristotélica, caminhando paulatinamente para os aprofundamentos e
desdobramentos que enriqueceram a biologia nos séculos seguintes. Percebe-se
que o autor toma cuidado em apresentar a evolução do pensamento biológico de forma
sintética para agradar ao leitor geral, mas de certa maneira lhe conferindo
linearidade. Enquanto que na sua obra Isto é Biologia, Mayr apresenta quais as
características e peculiaridades das ciências biológicas (vide resenha AQUI),
inclusive oferecendo propostas de como se investigar nesta ciência, o autor
aqui decide fazer uma reflexão sobre sua história e seu desenvolvimento.
Como não podia deixar de ser, a obra dedica considerável
espaço para apresentar os mecanismos da seleção natural e do processo
evolutivo, continuando a ser um dos poucos textos que conseguem explicar muito
bem esse assunto para um público não especializado. E em respeito ao leitor,
Mayr escolhe muito bem os pontos que quer abordar por julgar fundamentais para
o entendimento inicial da teoria. Ele poderia se restringir apenas a isso, mas a
obra não apenas trata da teoria evolutiva, adentrando em alguns processos de seleção e
de seus desdobramentos, e inclusive algumas ideias que receberam (e até hoje
recebem) críticas entre os próprios especialistas. É no mínimo uma narrativa
bem honesta.
A obra ainda aproveita para fazer algumas considerações
sobre os principais pensamentos dentro da filosofia da ciência e se eles podem
ser aplicados a o que seria uma filosofia das ciências biológicas. É prazeroso acompanhar
o raciocínio de Mayr e sua análise sobre pensadores como Thomas Kuhn, procurando
análogos e diferenças da biologia com outras ciências. Mesmo que você não
concorde de todo com ele, não deixa de ser um belo ensaio.
Na parte final do livro, vemos um Mayr mais reflexivo. Nos
seus oitenta anos de experiência, ele toma a liberdade de falar sobre a origem
do homem (um assunto que é notadamente agradável para o autor, como veremos em
outras obras suas) e até mesmo ensaia teorizar sobre a vida fora da terra. Esta
parte ocupa as últimas páginas de sua obra, sem recorrer a teorias exageradas
ou extrapolações gritantes, mostrando-se sempre comedido e prudente como um bom
cientista.
Publicado pela Cia das Letras, o livro é confortável de ler,
páginas amareladas e foscas e tipografia suave. Ainda somos presenteados com um
glossário de termos usados na obra e uma bela e selecionada bibliografia
científica. Se você é biólogo ou gosta de biologia, eis uma literatura que eu
realmente recomendo.
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