sábado, 10 de agosto de 2019

Ignorância - como ela impulsiona a ciência



Quando comecei minha carreira acadêmica para me tornar um pesquisador, minha interpretação clara do que eu estava sendo treinado para fazer era justamente combater a ignorância. Como cientista, as pesquisas servem para esclarecer, e desta forma para lançar luz onde antes haviam trevas, onde reinava o desconhecido. De certa forma, a ausência de conhecimento, a ignorância, é a inimiga. Nesta obra, Stuart Firestein nos apresenta uma visão muito original e bem mais conciliatória: ao invés de enxergarmos a ciência e a ignorância como dois países em guerra, Firestein propõe, digamos, um armistício, que culmina no final das negociações com um tratado de paz e o estabelecimento de relações diplomáticas otimistas.

Confesso que fiquei muito curioso com o título e subtítulo, e foi a escolha certa de ambos que me motivou a adquirir o volume. E admito que foi um excelente investimento. É uma obra realmente original, e casada com um estilo suave que carrega o leitor de forma cadenciada ao longo de um curto trajeto de menos de duzentas páginas. E eu devo reconhecer que o assunto dá muito pano para manga. Firestein sabe disso muito bem, e pode-se notar o seu esforço em desenvolver a ideia de maneira breve e suave, sem incorrer em um volume pesado ou cansativo demais para o leitor que está meramente curioso para entender a proposta do livro.

E é na proposta que está o trunfo. Nela, a ignorância é abordada como sendo o processo motor do conhecimento, a principal peça a partir da qual surgem as diferentes formas para se descobrir os mecanismos da natureza. A parte inicial do livro procura apresentar o leitor a ignorância como sendo uma espécie de mola para impulsionar a curiosidade. Ela é que valoriza o conhecimento, à medida que atrai a mente, a curiosidade e a criatividade humana. Não posso deixar de lembrar da excelente propaganda do Canal Futura, quando afirma que "não são as respostas que movem o mundo. São as perguntas". E a obra de Firestein é uma estrondosa afirmação desta sentença.

Para ajudar o leitor a se situar melhor, a narrativa passeia nas incertezas e seus diferentes níveis como elementos fundamentais da ignorância. Ele sempre faz questão de deixar claro que o desconhecido, as dúvidas, a impossibilidade de ter absoluta segurança sobre algum tipo de informação pode até provocar um sentimento perfeitamente natural e instintivo de incômodo, mas que isso é o botão que aguça a curiosidade. O texto nos convida a esta reflexão com leveza. E lança diversos tipos de exemplos para se tornar mais claro. Você vai se deparar com histórias que provavelmente já conhece, mas contadas sob a lente positiva enaltecendo o desconhecido como uma ignorância motivadora para a pesquisa.

E é neste ponto que a obra atinge seu auge. O cientista é apresentado como um profissional cuja fonte de trabalho é justamente a ignorância. Comenta sobre se "medir" o desconhecido na forma de projetos de pesquisa que precisam dar resultados "esperados", e como isso tolhe o processo criativo, que é a vitamina do pesquisador. Poucos textos são capazes de tratar deste tema com a sutileza e tato de Firestein, que nos apresenta a ciência acadêmica como é vista hoje, e como ela poderia (ou deveria) ser.

Depois, ele se dedica a contar histórias de cientistas e pesquisas, destacando como as dúvidas e inseguranças motivaram as descobertas, sempre de forma muito clara e agradável. Por fim, Firestein conta de seu tardio ingresso na vida acadêmica por causa de sua inusitada ocupação anterior (um história daquelas que vale muito a pena ser lida) justamente destacando elementos atrelados com incertezas, sorte e oportunidades na vida. Acho que todo cientista vai se identificar bastante com a trajetória de Firestein. Quando penso no final do livro como apenas mais um fechamento de uma obra qualquer, somos agraciados com quatro páginas sobre percepção pública de ciência e educação. Isso é o que eu chamo de "fechar com chave de ouro".

Impresso pela Cia das Letras em parceria com o Instituto Serrapilheira (confesso que estou muito ansioso com o que esta parceria promete, em relação a livros de ciência), a tipografia é confortável, impressa sobre papel amarelado fosco. O tamanho e volume são especialmente atraentes, sendo um convite tentador para a leitura casual em qualquer ambiente. É uma obra que vai lhe deixar pensativo por algum tempo, com um ligeiro sorriso nos lábios.

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