Quando comecei minha carreira acadêmica para me tornar um pesquisador,
minha interpretação clara do que eu estava sendo treinado para fazer era justamente
combater a ignorância. Como cientista, as pesquisas servem para esclarecer, e
desta forma para lançar luz onde antes haviam trevas, onde reinava o
desconhecido. De certa forma, a ausência de conhecimento, a ignorância, é a
inimiga. Nesta obra, Stuart Firestein nos apresenta uma visão muito original e
bem mais conciliatória: ao invés de enxergarmos a ciência e a ignorância como dois
países em guerra, Firestein propõe, digamos, um armistício, que culmina no
final das negociações com um tratado de paz e o estabelecimento de relações
diplomáticas otimistas.
Confesso que fiquei muito curioso com o título e subtítulo,
e foi a escolha certa de ambos que me motivou a adquirir o volume. E admito que
foi um excelente investimento. É uma obra realmente original, e casada com um
estilo suave que carrega o leitor de forma cadenciada ao longo de um curto
trajeto de menos de duzentas páginas. E eu devo reconhecer que o assunto dá
muito pano para manga. Firestein sabe disso muito bem, e pode-se notar o seu
esforço em desenvolver a ideia de maneira breve e suave, sem incorrer em um
volume pesado ou cansativo demais para o leitor que está meramente curioso para
entender a proposta do livro.
E é na proposta que está o trunfo. Nela, a ignorância é
abordada como sendo o processo motor do conhecimento, a principal peça a partir
da qual surgem as diferentes formas para se descobrir os mecanismos da
natureza. A parte inicial do livro procura apresentar o leitor a ignorância
como sendo uma espécie de mola para impulsionar a curiosidade. Ela é que valoriza
o conhecimento, à medida que atrai a mente, a curiosidade e a criatividade
humana. Não posso deixar de lembrar da excelente propaganda do Canal Futura, quando
afirma que "não são as respostas que movem o mundo. São as
perguntas". E a obra de Firestein é uma estrondosa afirmação desta
sentença.
Para ajudar o leitor a se situar melhor, a narrativa passeia
nas incertezas e seus diferentes níveis como elementos fundamentais da
ignorância. Ele sempre faz questão de deixar claro que o desconhecido, as dúvidas,
a impossibilidade de ter absoluta segurança sobre algum tipo de informação pode
até provocar um sentimento perfeitamente natural e instintivo de incômodo, mas
que isso é o botão que aguça a curiosidade. O texto nos convida a esta reflexão
com leveza. E lança diversos tipos de exemplos para se tornar mais claro. Você
vai se deparar com histórias que provavelmente já conhece, mas contadas sob a
lente positiva enaltecendo o desconhecido como uma ignorância motivadora para a
pesquisa.
E é neste ponto que a obra atinge seu auge. O cientista é
apresentado como um profissional cuja fonte de trabalho é justamente a ignorância.
Comenta sobre se "medir" o desconhecido na forma de projetos de
pesquisa que precisam dar resultados "esperados", e como isso tolhe o
processo criativo, que é a vitamina do pesquisador. Poucos textos são capazes
de tratar deste tema com a sutileza e tato de Firestein, que nos apresenta a
ciência acadêmica como é vista hoje, e como ela poderia (ou deveria) ser.
Depois, ele se dedica a contar histórias de cientistas e
pesquisas, destacando como as dúvidas e inseguranças motivaram as descobertas,
sempre de forma muito clara e agradável. Por fim, Firestein conta de seu tardio
ingresso na vida acadêmica por causa de sua inusitada ocupação anterior (um
história daquelas que vale muito a pena ser lida) justamente destacando
elementos atrelados com incertezas, sorte e oportunidades na vida. Acho que
todo cientista vai se identificar bastante com a trajetória de Firestein. Quando
penso no final do livro como apenas mais um fechamento de uma obra qualquer,
somos agraciados com quatro páginas sobre percepção pública de ciência e
educação. Isso é o que eu chamo de "fechar com chave de ouro".
Impresso pela Cia das Letras em parceria com o Instituto
Serrapilheira (confesso que estou muito ansioso com o que esta parceria promete,
em relação a livros de ciência), a tipografia é confortável, impressa sobre
papel amarelado fosco. O tamanho e volume são especialmente atraentes, sendo um
convite tentador para a leitura casual em qualquer ambiente. É uma obra que vai
lhe deixar pensativo por algum tempo, com um ligeiro sorriso nos lábios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário