Podemos dizer que alguns autores se sentem motivados a
escrever um livro depois de uma disciplina ou curso que ministraram. O autor desta
obra reconhece que, para se inteirar mais em um determinado assunto, ele
resolveu oferecer um curso sobre o tema. E isso foi o estímulo para que ele
pudesse fazer uma pesquisa profunda, que culminou com a publicação da referida
obra, juntando o farto material acumulado para seu curso.
Steven Weinberg é um físico que nutre interesse por história
da ciência. Na sua intenção de entender como o pensamento humano evoluiu até
chegar no método investigativo que hoje chamamos de ciência, ele recorreu aos
eventos fundamentais que mudaram a forma que o homem tem de ver o universo a
sua volta.
Preciso esclarecer primeiro que é um livro essencialmente
sobre física. Todo ele versa sobre física, um pouco de geometria atrelada à astronomia. Para uma obra que se propõe explicar a
descoberta da ciência moderna, você só vai ver física. Para seu alívio, vou
informar que ele não explora esquemas matemáticos ou figuras geométricas no
cerne do volume. Ele deixa esta parte mais impalatável para uma gigantesca nota
técnica, que simplesmente ocupa um terço de todas as páginas. Nesta parte, ele
detalhada equações e cálculos referenciados ao longo da obra, para o leitor mais
interessado em entender como eles foram pensados e depois desenvolvidos.
Confesso que poucas obras foram capazes de desenhar de forma
tão clara o momento que o homem começou a pensar a respeito do mundo ao seu
redor, sem recorrer a forças sobrenaturais. O estopim da curiosidade humana, no
nome de diversos filósofos pré-socráticos, os primeiros a inferirem sobre a
natureza do mundo, é apresentado de forma pausada, e faz você entender que realmente levou tempo para acontecer. Recheado de personagens reais, a história começa aqui. Weinberg ainda
procura amenizar a carga de informação com detalhes de episódios envolvendo os filósofos, mas não acerta a mão parte das vezes. Uma pena.
Passeando na física e astronomia gregas, somos apresentados
aos primeiros esforços em entender os mecanismos do mundo. Ele esclarece (e poucos fazem isso) que a matemática era usada
apenas como um conceito abstrato aplicado aos astros, sem nenhum compromisso com
a realidade. Um simples exercício intelectual de filósofos. É apenas um ensaio elegante e teórico sobre o céu. Resultado
direto das afirmações aristotélicas, que separa a matéria terrestre do que
existe fora da Terra. Explicar isso foi uma cartada de mestre do autor. Fica
fácil entender como o pensamento de Aristóteles manteve-se praticamente
intocado durante tantos séculos, mesmo estando errado em muitos aspectos.
É interessante notar como o raciocínio sobre
a natureza da matéria das coisas é modificado de acordo com as observações, gradativamente.
Você enfim fica sabendo quando começamos a enxergar os astros como esferas,
como elas se movem e como a observação deste movimento nos leva a conclusão que
eles giram em elipses. Fica cada vez mais claro que a teoria do céu sendo feito
por uma abóboda furada não corresponde com o observado pelos astrônomos e calculado pelos físicos. Começam aí as primeiras dúvidas.
Em um segundo momento, percebemos que o surgimento de tecnologias
que permitem uma observação mais precisa dos fenômenos astronômicos faz toda a
diferença sobre os modelos vigentes. E aqui o autor nos apresenta
Galileu Galilei como a grande mudança, que usa telescópios para fazer observações mais precisas (a lua tem acidentes geográficos como a Terra, entre outras) e descrições, junto com a introdução de experimentos físicos para descortinar os mecanismos da natureza. Kepler e Copérnico são adicionados e então temos uma tríade de gênios,
essencial para modificar nossa compreensão das leis do movimento dos astros.
Mas o cenário só ficaria completo com a colaboração de Isaac Newton, que é o grande
divisor de águas. Ele desvenda o grande enigma: que as leis que regem os
fenômenos físicos na Terra são iguais às leis que regem os movimentos celestes.
Com essa nova compreensão, o mundo aristotélico é completamente descartado em
favor de uma série de leis universais que valem para todo o universo. Weinberg
ainda pincela sobre Descartes, com um incomum desdém e minimizando seu modelo
cartesiano. Ele não faz esforço algum em esconder sua indiferença com o
filósofo francês, que considera muito superestimado. Mas é em Newton que ele
culmina sua história.
Em um epílogo de menos de dez páginas, Weinberg atravessa
velozmente as descobertas da física entre Newton e Einstein, onde ciências como
química e biologia são apenas citadas. É um livro onde o leitor precisa
enxergar nas entrelinhas, para entender onde o autor quer chegar. Por um momento eu me desapontei com a obra que resume a história da ciência apenas à física. Mas
depois de refletir melhor, compreendi sua intenção, mesmo que não concorde de
todo com ela. Por isso acho que o subtítulo vende uma ideia que não encaixa tão bem com a proposta da obra. Mesmo assim, o ganho da leitura vale a pena.
Publicado pela Companhia das Letras, a capa é peculiar, toda
preta mostrando desenhos e letras espelhadas. São quatrocentas páginas
amareladas e foscas, com tipografia elegante. Poderia ser bem menos densa e ter
essencialmente o mesmo impacto. Leitores que apreciam a história da física e da
astronomia vão com certeza adorar esta obra.
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