quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Para Explicar o Mundo - a descoberta da ciência moderna



Podemos dizer que alguns autores se sentem motivados a escrever um livro depois de uma disciplina ou curso que ministraram. O autor desta obra reconhece que, para se inteirar mais em um determinado assunto, ele resolveu oferecer um curso sobre o tema. E isso foi o estímulo para que ele pudesse fazer uma pesquisa profunda, que culminou com a publicação da referida obra, juntando o farto material acumulado para seu curso.

Steven Weinberg é um físico que nutre interesse por história da ciência. Na sua intenção de entender como o pensamento humano evoluiu até chegar no método investigativo que hoje chamamos de ciência, ele recorreu aos eventos fundamentais que mudaram a forma que o homem tem de ver o universo a sua volta.

Preciso esclarecer primeiro que é um livro essencialmente sobre física. Todo ele versa sobre física, um pouco de geometria atrelada à astronomia. Para uma obra que se propõe explicar a descoberta da ciência moderna, você só vai ver física. Para seu alívio, vou informar que ele não explora esquemas matemáticos ou figuras geométricas no cerne do volume. Ele deixa esta parte mais impalatável para uma gigantesca nota técnica, que simplesmente ocupa um terço de todas as páginas. Nesta parte, ele detalhada equações e cálculos referenciados ao longo da obra, para o leitor mais interessado em entender como eles foram pensados e depois desenvolvidos.

Confesso que poucas obras foram capazes de desenhar de forma tão clara o momento que o homem começou a pensar a respeito do mundo ao seu redor, sem recorrer a forças sobrenaturais. O estopim da curiosidade humana, no nome de diversos filósofos pré-socráticos, os primeiros a inferirem sobre a natureza do mundo, é apresentado de forma pausada, e faz você entender que realmente levou tempo para acontecer. Recheado de personagens reais, a história começa aqui. Weinberg ainda procura amenizar a carga de informação com detalhes de episódios envolvendo os filósofos, mas não acerta a mão parte das vezes. Uma pena.

Passeando na física e astronomia gregas, somos apresentados aos primeiros esforços em entender os mecanismos do mundo. Ele esclarece (e poucos fazem isso) que a matemática era usada apenas como um conceito abstrato aplicado aos astros, sem nenhum compromisso com a realidade. Um simples exercício intelectual de filósofos. É apenas um ensaio elegante e teórico sobre o céu. Resultado direto das afirmações aristotélicas, que separa a matéria terrestre do que existe fora da Terra. Explicar isso foi uma cartada de mestre do autor. Fica fácil entender como o pensamento de Aristóteles manteve-se praticamente intocado durante tantos séculos, mesmo estando errado em muitos aspectos.

É interessante notar como o raciocínio sobre a natureza da matéria das coisas é modificado de acordo com as observações, gradativamente. Você enfim fica sabendo quando começamos a enxergar os astros como esferas, como elas se movem e como a observação deste movimento nos leva a conclusão que eles giram em elipses. Fica cada vez mais claro que a teoria do céu sendo feito por uma abóboda furada não corresponde com o observado pelos astrônomos e calculado pelos físicos. Começam aí as primeiras dúvidas.

Em um segundo momento, percebemos que o surgimento de tecnologias que permitem uma observação mais precisa dos fenômenos astronômicos faz toda a diferença sobre os modelos vigentes. E aqui o autor nos apresenta Galileu Galilei como a grande mudança, que usa telescópios para fazer observações mais precisas (a lua tem acidentes geográficos como a Terra, entre outras) e descrições, junto com a introdução de experimentos físicos para descortinar os mecanismos da natureza. Kepler e Copérnico são adicionados e então temos uma tríade de gênios, essencial para modificar nossa compreensão das leis do movimento dos astros. Mas o cenário só ficaria completo com a colaboração de Isaac Newton, que é o grande divisor de águas. Ele desvenda o grande enigma: que as leis que regem os fenômenos físicos na Terra são iguais às leis que regem os movimentos celestes. Com essa nova compreensão, o mundo aristotélico é completamente descartado em favor de uma série de leis universais que valem para todo o universo. Weinberg ainda pincela sobre Descartes, com um incomum desdém e minimizando seu modelo cartesiano. Ele não faz esforço algum em esconder sua indiferença com o filósofo francês, que considera muito superestimado. Mas é em Newton que ele culmina sua história.

Em um epílogo de menos de dez páginas, Weinberg atravessa velozmente as descobertas da física entre Newton e Einstein, onde ciências como química e biologia são apenas citadas. É um livro onde o leitor precisa enxergar nas entrelinhas, para entender onde o autor quer chegar. Por um momento eu me desapontei com a obra que resume a história da ciência apenas à física. Mas depois de refletir melhor, compreendi sua intenção, mesmo que não concorde de todo com ela. Por isso acho que o subtítulo vende uma ideia que não encaixa tão bem com a proposta da obra. Mesmo assim, o ganho da leitura vale a pena.

Publicado pela Companhia das Letras, a capa é peculiar, toda preta mostrando desenhos e letras espelhadas. São quatrocentas páginas amareladas e foscas, com tipografia elegante. Poderia ser bem menos densa e ter essencialmente o mesmo impacto. Leitores que apreciam a história da física e da astronomia vão com certeza adorar esta obra.

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