No final da Segunda Guerra Mundial, os aliados aprisionaram
diversos figurões nazistas, incluindo muitos oficiais do exército, e muita
gente diretamente envolvida com a execução da famigerada Solução Final. Em
entrevistas com psicólogos, fizeram uma perturbadora descoberta: estes mesmos
oficiais que davam as ordens fatais para o assassinato em massa de homens,
mulheres, crianças e idosos, também eram excelentes pais de família, atenciosos
com suas esposas, carinhosos com suas crianças, exemplares cidadãos da
comunidade. Alguém de quem você nunca suspeitaria que fosse capaz de executar
friamente uma massa enorme de gente inofensiva, indefesa e apavorada. Como isso
é possível?
O Efeito Lúcifer é o nome dado para esta aparente
incongruência. E o livro que recebe o nome tem a assinatura do psicólogo Philip
Zimbardo. O gigantesco volume (mais de setecentas páginas) procura mostrar como
e por que pessoas ditas normais, com nenhum histórico que a desabone em termos
de civilidade, pode se prestar a cometer os mais vis e condenáveis atos de
covardia. Zimbardo inicia seu livro deslizando graciosamente nesta discussão,
mas o grosso ainda está por vir.
Zimbardo escreve com detalhes a realização de um experimento
que se tornou famoso pelos seus resultados polêmicos. Impressionado com a fria
obediência de centenas de oficiais nazistas em executar ordens tão
questionáveis, ele decidiu testar se pessoas psicologicamente saudáveis e
estáveis dariam vazão a algum tipo de abuso ou desejo sádico de infligir
humilhação caso fossem colocadas em uma posição de autoridade. Selecionou
estudantes e simulou um ambiente de prisão, dividindo os voluntários entre
carcereiros e prisioneiros, nos porões da Universidade. Os resultados do
famigerado "Experimento de Aprisionamento de Standford" foram bem
descritos e muitos diálogos estão fielmente transcritos no livro. Dá pra se ter
uma boa ideia do que realmente aconteceu nestes experimento. O livro segue
então a uma análise profunda do episódio, com direito a uma enxurrada de
interpretações.
A meu ver, essa polêmica história seria suficiente para
considerar o livro completo. Mas há uma segunda parte, que inclui o papel de
Zimbardo como contratado pelo governo americano, para investigar um tipo
parecido de abuso. Foram divulgadas, em 2004, uma série de fotos de militares
americanos submetendo prisioneiros iraquianos as mais cruéis e doentias formas
de humilhação. A prisão de Abu Ghraib foi o palco de torturas por afogamento, práticas
de aterrorizar prisioneiros nus e algemados diante de cães de segurança
atiçados, e simulações de orgias e outras posições sexuais, o que é uma imensa
desgraça moral para homens religiosos. Para a surpresa de todos, os oficiais
envolvidos tinham um histórico excelente, alguns deles condecorados inclusive.
Zimbardo descreve como foi entrevistar e entender as motivações e as forças que
agiram nestes oficiais americanos, para que pudesse se deixar levar por
sentimentos tão bestiais, à luz inclusive de sua própria experiência em
Standford.
É um livro provocador. Ele lhe revela uma faceta da natureza
humana que preferimos deixar escondida, ou evitar encarar a qualquer custo. Mas
o simples fato de você saber que há elementos psicológicos latentes que podem
despertar ações tão absurdas e paradoxais lhe auxilia a entender um pouco mais
a natureza humana. É um livro que fica na mente por alguns dias, depois de fechar
a última página. Poucas obras são fortes assim.
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